segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Tudo o que falta fazer para defender a escola pública

Ao longo dos últimos meses os vários partidos de esquerda denunciaram o financiamento injustificado do ensino privado com recursos públicos como um exemplo do que não se deveria fazer na Educação. Este não é um tema menor, pois traça uma linha vermelha entre quem defende um sistema público de educação universal e quem, escudando-se na retórica da "liberdade de escolha", considera que os colégios privados devem ser financiados em pé de igualdade com as escolas públicas. No entanto, apesar do seu peso simbólico, esta é apenas uma das inúmeras questões que afectam o futuro da educação pública em Portugal.

Nos últimos quatro anos e meio assistimos a um ataque sem precedentes à escola pública, com uma redução acentuada de recursos, uma sobrecarga do trabalho dos professores, um aumento de alunos por turma e o absolutismo da "pedagogia dos exames" e da "cultura da exigência" (que se traduziu em pouco mais do que a sujeição das aprendizagens à obsessão das metas curriculares). Antes disso foram anos a fio de burocratização da educação, de desconsideração pela profissão docente e de generalização de um modelo de gestão das escolas que parece tirado das teorias de gestão de empresas da década de 1920. Foi nestas condições que a escola pública teve de gerir todas as dimensões da crise social que se instalou em Portugal (desemprego, pobreza, subnutrição, problemas psicológicos, falta de cuidados médicos básicos, etc.), que lhe entram pelos portões adentro todos os dias sem excepção.

Os resultados estão à vista. A escolar pública portuguesa é hoje um local muito pouco atractivo para trabalhar e menos atractivo do que já foi para estudar. Hoje, muitas pessoas da classe média e com educação superior hesitam em pôr os filhos em escolas públicas - ou desesperam para garantir uma vaga para os seus filhos numa das poucas escolas da rede pública consideradas de excelência (o que frequentemente significa evitar de todas as formas possíveis os estabelecimentos da sua área de residência). Este é um indicador preocupante de insustentabilidade do ensino público. No dia em que os segmentos mais qualificados população recusarem o que o sistema de ensino público tem para lhes oferecer, o projecto de criação de uma educação promotora da igualdade de oportunidades tem os dias contados.

As escolas públicas têm de ter projectos pedagógicos claros e coerentes. Têm de ser locais de aprendizagem de conteúdos e de desenvolvimento de competências - científicas mas também artísticas, sociais e cívicas. Têm de proporcionar oportunidades de desenvolvimento a alunos com diferentes interesses e potencialidades. Têm de assegurar a segurança física e psicológica das crianças e jovens que as frequentam. E têm de ter condições logísticas, financeiras e, acima de tudo, humanas para o fazer.

Tudo isto vai requerer muito mais do que parar com o desvio de recursos a favor do ensino privado. Vai exigir muito empenho, inspiração e sensatez da nova equipa da 5 de Outubro. E também uma atenção e uma intervenção permanentes de toda a comunidade escolar - professores, gestores, técnicos, funcionários, alunos e encarregados de educação. Não tenhamos dúvidas: mudar de governo foi apenas um pequeno passo para tudo o que ainda é necessário fazer para defender a educação pública em Portugal.

14 comentários:

fernanda disse...

A retórica da liberdade de escolha! De facto, é pura retórica porque defende uma dada situação dizendo que é boa e justa porque nos dá liberdade de escolha, mas esconde que essa liberdade de escolha só funciona para uma minoria e acaba prejudicando a maioria. Neste caso, aquilo que os nossos impostos devem subsidiar é uma escola publica de qualidade e aberta a todos, depois se houver alguns que não querem aproveitar essa oportunidade e pretendem frequentar uma escola privada tudo bem, desde que que o façam as suas próprias custas e não à custa dos dinheiros públicos.
Acho o cumulo do descaramento, sucatear o ensino publico e depois subsidiar o privado, defendendo-se o indefensável, com toda a gente calada; quando isso acontece , perde-se a ' batalha cultural ' e com ela a possibilidade de transformar para melhor este nosso mundo.
Por isso, felicitio-os por abordarem este tema.

Anónimo disse...

E há ainda a questão da municipalização que é o golpe final em qualquer resquício de autonomia das escolas. Como muito bem afirma o autor do texto, a escola precisa, entre outros, de ter recursos financeiros para desenvolver o seu projeto educativo e muitos presidentes de câmara estão a preparar-se para controlar a atividade pedagógica por via do controlo financeiro das escolas. Só não vê quem não quer e o PS é conivente com este processo desastroso num país como Portugal.

Jose disse...

«numa das poucas escolas da rede pública consideradas de excelência»

Estas excepções têm regulamentos especiais, são objecto da acção de mecenas ou pura e simplesmente têm gente com qualidade que os distancia de uma função pública facilitista e incompetente?

Mas seguramente que a Agenda dos Coitadinhos está de regresso e a Mama Geral está já ao lume!

Henrique Pereira dos Santos disse...

De facto não chega parar com os desvios dos recursos para as escolas privadas, porque como os alunos ficam mais caros nas escolas estatais, vai ser preciso aumentar o financiamento das escolas estatais. O contribuinte paga, claro, mas só enquanto não perceber que o custo por aluno é maior nas escolas estatais que nos contratos de associação.

AnaPortela disse...

O novo Min Ed é investigador do câncro ( nao se conhece nada do seu conhecimento na arte da Educação). Muito adequado, mesmo. Desde Sócrates (aquela Marilu, etc...) que os Governos vêm tramando a escola pública. Impuseram à Educação mecanismos cancerígenos fatais. Está certo o Ministro, pois.

Anónimo disse...

Vivemos hoje um tempo que vai sobrar para amanha, tal como dizia o velhinho das ostras…Atras de tempo, tempo vem!
DE há 40 anos a esta parte, mais ponto menos cifra,
os partidos do Arco da Governança que ascenderam ao Poder PS PSD e CDS preferiram a escola que mais lhes convinha, deixando para trás os mais que legítimos interesses de todo um Povo.
Cada governo legislou a seu belo prazer… Que e´ la´ isso da Escola Pública?
Bem entendido, precisamos de estruturar uma Escola Publica baseada na “cultura portuguesa”, um ensino e etc. e tal a longo prazo, do que não precisamos e´ de cumplicidades promiscuas como o caso da Língua Portuguesa.
O capital joga forte na questão do conhecimento e, e´ no conhecimento que um governo de esquerda tem de jogar…mais que em infraestruturas!
Com o advento da contrarrevolução, (25 de Novembro) também o ensino foi pirateado, comercializado eeeeeeeeee. Neja-se o Caso Moderna. Veja-se os falsos engenheiros. Veja-se o complô escola/papelaria/autor… de Adelino Silva



Anónimo disse...

Henrique Santos é um autêntico génio da contabilidade manholas e farsola. Vá enganar outros com as suas prioridades de classe.

Unknown disse...

Falar de educação começando por negar a liberdade de escolha é incompreensivel. Falar de que as familias com posses tiram os filhos da publica para a privada sem mencionar as razoes (qualidade do ensino) torna a defesa do modelo que temos hipocrita.Alem de aceitar que os pobres tê, que se contentar com o que lhes querem "dar" (ainda mais hipocrita) Que saudades que deve merecer o modelo de ensino sovietico já defunto!!

Anónimo disse...

Há algo de errado no ar que se respira na Escola Pública Portuguesa, e todos sabemos soluciona-lo. Só que não queremos…
Em geral, tem faltado inteligência na gestão da “Coisa Publica”. E a Escola não podia ficar de fora.
A sociedade portuguesa ainda não acertou o passo ao ritmo impulsionado pela “Industrialização” 150 anos, e´ muito tempo.
Ate´ faz esquecer a Cartilha de João de Deus … E‘ que nada mais foi criado em tempo útil ou fútil.
Se, se quisermos uma escola de novo tipo, temos de nos entregar com alma as´ ciências sociais e tecnologias inovadoras actuais e futuras, viradas para o homem.
Antes de mais e para uma escola profícua, temos de ter Alunos, Pais, Professores e infraestruturas inteligentes.
Ora isto só se concebe em um país democrático e de governação democrática. Que ao longo dos tempos tem sido coisa rara.
Bem entendido, sabemos da curva fatídica que e´ começar tudo de novo. Mas não podemos confiar no “Velho do Restelo”. De Adelino Silva

Henrique Pereira dos Santos disse...

O mais arrepiante nesta retórica das escolas estatais é estarem estes pretensos defensores dos pobres a defender que a liberdade de escolha só deve existir para os ricos: ao optar por financiar as escolas estatais em vez de financiar os alunos para que possam escolher a escola está a limitar-se a escolha dos pobres, não a escolha dos ricos.
Por mais qualidade que tenham as escolas estatais, o facto é que os pobres não podem escolher outra, mas os ricos podem.
Para mim, isso é intolerável porque é o mais poderoso mecanismo de reprodução social que existe.

Anónimo disse...

Da Escola Publica
- Pode-se perfeitamente argumentar que há uma tentativa de assalto a´ Escola Publica Portuguesa por parte do “homo economicus” Capital, que vem com aquele sofisma enganador de “A liberdade de Escolha”, para o submeter ao jogo do consumismo – compre, gaste, consuma, obtenha e acumule. Enfim, a corporitivização da escola pública leva decerto a´ privatização da mesma escola.
Da Escola Privada
- Desde que me conheço por gente que vejo escolas privadas – primeiro a própria casa do professor da escola publica em pequenos grupos de estudantes. Depois em núcleos mais alargados até a´ universidade privada foi um pulo. Criaram-se cooperativas de ensino – a Igreja católica beneficiou de especial atenção que se diziam em favor do conhecimento, TODAS PRIVADAS, hoje não há cão nem gato que, para ganhar uns rostões OU MILHOES suplementares, não se esfarrape moralmente. E infelizmente, generalizou-se a todas as esferas do Estado Social.
Dos professores
Parece que existe um modus “vivendi” e outro “operandi” que os tolhe. Filiados em sindicatos de classe (ou de categorias?) Ele não deve ser neutro, mas tem confundido a verdade de classe com a verdade de categoria, sobreponde esta a´ primeira.
Sobre a liberdade de escolha para os Pais não e´ bom falar…fico comichoso, dá-me vertigens só de pensar que a ignorância ainda vai no Adro. De Adelino Silva



Anónimo disse...



tem que ser uma aprendizagem da democracia e do espírito crítico, que o bloco central, ao longo destes anos se empenhou em destruir.

L. Rodrigues disse...

A liberdade de escolha no ensino é mais importante como resultado do que como ponto de partida. Só um bom ensino público pode maximizar a liberdade de escolha dos alunos no fim do seu percurso.

fernanda disse...

Parece que estávamos a falar em discurso retórico em relação as escolas privadas, mas alguém deu a volta, como quem não quer a coisa, e recentrou o discurso nas escolas estatais! Bonita manobra, ela própria retórica!
Quer dizer, quer-nos fazer acreditar que vão ser mesmo os pobres a beneficiarem com a escola privada. É difícil de engolir, convenhamos
Sempre digo também que mais do que a liberdade, que normalmente é muito acarinhada por quem vive bem e desafogadamente, logo à partida, é a igualdade que é métrica aceitável de justiça e de facto só a escola publica pode promover a igualdade e por isso é que deve ser de ótima qualidade e para ela todos os recursos serão poucos.