terça-feira, 10 de novembro de 2015

O «inverno demográfico» como pretexto

No seu programa de governo, a direita agora minoritária no parlamento volta a insistir na ideia de que o «inverno demográfico» se instalou no nosso país «há mais de três décadas», sugerindo acrescidamente que a recente sangria migratória nada tem que ver com austeridade nem com o «ajustamento», constituindo apenas uma espécie de prolongamento natural da dinâmica demográfica registada «ao longo da última década».

Procurámos já demonstrar (por exemplo aqui e aqui) que as políticas de austeridade agravaram de forma muito significativa o problema demográfico português, que passou a acumular - a partir de 2011 - saldos naturais e migratórios negativos. A queda a pique do saldo demográfico, responsável pela diminuição da população residente em 1,5% na passada legislatura, apenas seria invertida em 2014, sobretudo graças ao travão colocado pelo Tribunal Constitucional ao desejo do governo em proceder a mais cortes e sacrifícios e assim aprofundar a austeridade «além da troika», «custe o que custar».


Não se iludam porém quanto às reais motivações do ainda governo para inscrever, entre os cinco pontos essenciais do seu programa, o «combate ao "inverno demográfico"». A receita não é nova e destina-se apenas, sob o manto de propaganda em torno de uma súbita sensibilidade social, a prosseguir a agenda neoliberal de transformação da economia e da sociedade portuguesa. Do iníquo quociente familiar em sede de IRS (dirigido às famílias numerosas, sem ter em conta o seu nível de rendimento), ao aumento da cobertura na rede de creches «nomeadamente através da rede social e solidária», passando pela flexibilização de horários, pelo reforço do «voluntariado intergeracional» e até (pasme-se) pela reabilitação do programa VEM, está lá tudo, nas linhas e nas entrelinhas.

A ideia é convencer as pessoas de que basta fazer umas cócegas ao dito «inverno demográfico» para ele se ir embora. Sem enveredar por loucuras próprias da social-democracia ou até da democracia cristã como a subida do salário mínimo, o combate à pobreza e à exclusão, a redução das desigualdades nos rendimentos ou a generalização do horário de trabalho de 35 horas semanais. E, de caminho, continuar a estiolar o mercado de trabalho, transferir recursos para as IPSS e fingir que se está a promover o regresso ao país daqueles que foram forçados a partir nos últimos quatro anos.

3 comentários:

Jose disse...

Duas notas sobre um chorrilho de negativismos.

Manter a evitabilidade da austeridade e recessão económica subsequente é a mais cinica, despropositada e vil presunção que pode imaginar-se.

O «iníquo quociente familiar» significa que o progressismo propõe que as familias numerosas sejam priivilérgio maior para quem não paga ou paga menos impostos e que para todos os outros uma tal opção vai sempre associada ao rebaixamento de nível de vida.

Mais do que o progresso é a raivinha classista que domina numa esquerda vergada à 'Agenda dos Coitadinhos'.

Jose disse...

Não vou ao teatro porque tenho o mau-jeito de acabar em lágrimas nos momentos dramáticos.
Mas o drama entrou-me em casa, pela televisão, pela voz da Grande Catarina, e é em lágrimas que vos escrevo...logo que recupere direi mais!

Anticapitalista disse...

Aos JOSÉS que aqui escrevem, bem como a todos os "pafistas" agora em minoria, aqui deixo uns versitos inspirados naquela célebre resposta que o 1º Secretário de Estado Da Cultura da primeira parte do reinado dos últimos Visigodos da Península Ibérica, passos & portas & gaspares & relvas & macedos & cavacos & cia, entre 2011 e 2015, de seu nome Francisco José Viegas:

Cessem, de todo o sábio político e burguês,
Os poderes que com promessas vãs têm alcançado;
Cale-se de comentadores jornalistas e tê vês
A fama das grandes vitórias que lhes têm dado;
Que aqui recantarei o peito ilustre Português
Que vergou Caetano e Spínola – o alucinado.
E que cesse tudo dos saudosos do que então ruiu,
Porque novas e gloriosas portas Abril abriu.

E Vós, meu Povo humilde, que de tanto explorado,
No campo na mina na fábrica no escritório
Na escola na universidade ou desempregado,
Que vais resistindo aos algozes desse relambório,
Mesmo que sejas idoso ou estejas emigrado,
Não queiras dar de novo para esse peditório.
Dos incomensuráveis logros dos “do arco” sabes Tu
E, se vacinado estás, diz-lhes [que vão tomar no cu].

Coragem, muita coragem, meus caros concidadãos… e muita paciência também…
E para os mais hidrófobos e ressabiados, a quem já nem ao XANAX os Vossos instintos obedecem, não esqueçam que, para defender a Liberdade, SE NECESSÁRIO, somos muitos os que, pelo espírito de fidelidade que nos liga à humanidade e a essa mesma Liberdade e que está alicerçado em SENTIMENTOS E DEVERES, e jamais em interesses ou ideias (como está o dos que defendem o capitalismo, esse hediondo sistema a que, imagine-se, até o Papa já desmascara, denuncia, ataca e põe a nu as consequências de terem idolatrado o "deus dinheiro"), estaremos disponíveis para regressar de novo à clandestinidade e até dar a própria vida. É que somos um grupo a quem Salazar não vergou e Caetano e Spínola obedeceram.
E não esqueçam também os saudosistas que, como diz o nosso Povo, QUEM AVISA AMIGO É!