terça-feira, 21 de abril de 2015

Passos de Costa

Parece que um dia perguntaram a Margaret Thatcher qual era a sua grande herança e ela respondeu o novo trabalhismo. Um dia podem perguntar o mesmo a Passos Coelho e ele poderá imodestamente responder o PS de António Costa e agora também de Mário Centeno, o autor da "visão de mercado" para as relações laborais. Na realidade, este PS é muito mais o produto do euro: da agenda para mais uma década perdida a um cenário sem perturbadoras reestruturações da dívida, com algumas hipotéticas melhorias marginais, mas que servem sobretudo para embrulhar medidas bem gravosas. A política social-liberal é cada vez mais a arte do enquadramento, de uma certa manipulação, termo menos neutro, mas provavelmente mais realista para caracterizar quem diz querer acabar com a austeridade neste contexto estrutural.

Em linha com a especialidade do PS desde a paradigmática reforma de 2007 - o corte de pensões futuras, promovendo os mercados financeiros -, a descida da TSU para os trabalhadores é paga pelos próprios, já que o PS propõe um alívio temporário compensado por cortes nas pensões futuras. De forma reveladora, o PS embrulha este aumento míope do rendimento na retórica da "liberdade de escolha", com impactos mais do que duvidosos na dinamização do mercado interno. A redução da TSU paga pelas empresas, por sua vez, é a grande vitória de Passos, já que o PS reconhece implicitamente as virtudes do incentivo da desvalorização interna. Entretanto, o PS diz estar preocupado com a "sustentabilidade" da segurança social. Reduzir as contribuições nunca ajuda. Ao mesmo tempo, dá para o sempre revelador peditório demográfico, acenando no fundo com formas ditas complementares, de mercado, para pensões cada vez mais inseguras.

A "visão de mercado" das relações laborais manifesta-se também na aposta numa concreta liberalização furtiva dos despedimentos individuais, do género despeça já e espere que o trabalhador proteste em tribunal muito depois, que hipocritamente garante não aumentar o poder patronal. Em troca, oferece vagos acenos com a limitação dos contratos a prazo rumo à distopia do contrato único. Sobre a negociação colectiva pouco ou nada, ou seja, o mesmo dos últimos anos. O diagnóstico para esta prescrição é retintamente neoliberal, colocando trabalhadores contra trabalhadores em nome de uma suposta segmentação que é o alfa e ómega da desigualdade neste campo para Mário Centeno e para o PS (e não a real e cada vez mais profunda assimetria entre trabalhadores e patrões).

É claro que há uma aposta na política de mínimos no campo de um Estado social cada vez mais para pobres e também por isso cada vez mais pobre no futuro. Prova disso é a perversa, mesmo que vaga, subsidiação pública dos baixos salários, uma proposta original de Milton Friedman, toda uma visão para colocar a comunidade a subsidiar patrões medíocres. Todo um incentivo, como estes neoclássicos de mercado gostam de dizer.

Que dizer disto tudo, e de algumas medidas positivas aqui e ali, caso do simbólico imposto sucessório, ideal para colocar na lapela em Abril? Tudo pesado, trata-se do mais longo e rigoroso relatório de abandono da social-democracia jamais escrito no país, em linha com a aposta num euro que estará associado, também se depender da vontade do PS, a duas décadas perdidas para o país, mas ganhas para as privatizações que o PS no fundo prosseguirá.

O que estava na agenda para uma década perdida está então aqui, mas com o "rigor" de cenários macroeconómicos pouco esmiuçados no documento e que, de qualquer forma, pouco dependem de um país que quase só tem instrumentos perversos ao seu dispor no contexto do euro. O campo do social-liberalismo está cada vez mais ocupado, mas o do socialismo está definitivamente cada vez mais vazio.

13 comentários:

Jose disse...

Por uma vez, de acordo no essencial da análise.
Falta só concluir que o socialismo já era - por mérito próprio - e este social-liberalismo tem as roupagens que fazem do Estado o pertenso protector de trabalhadores para quem o estatuto de coitadinhos é não só pressuposto como promovido.
Aos patrões sugerem-se novas aptidões para prolongadas conversações/ justificações antes que lhes caia em cima a sentença do tribunal e são de novo convidados a esconder as fortunas. Tudo naturalmente temperado com diálogo e consensos no pressuposto de que os treteiros ocupem o Poder..

José Moreira disse...

Este post do João Rodrigues io que tem a mais em adjectivos tem de menos em fundamentação.
Já percebemos que o João Rodrigues é da tribo dos puros dos autênticos e verdadeiros. Logo os hereges que ousem pensar diferente são despachados com ferretes e condenados à fogueira, ponto. Fim da discussão.
É o debate a que os "detentores da verdade" se permitem porque não dá para mais.
Parafraseando Engels "a teoria deve justificar-se perante o julgamento da Razão ou deixar de existir". ESte post segundo Engels, é um nado morto.

Anónimo disse...

Com o título do seu artigo imaginei “ Passos de costas” mas e´ bom demais…de qualquer forma o PS e António Costa não iludem ninguém. Estes, tal como o PSD e P. Coelho sao só mais um poucochinho a´ esquerda do CDS. Alias o CDS e´ ate´ um poucochinho mais social-
Nos meus 76 anos de vida, em termos sociais políticos e económicos só tive vida fértil, produtiva e alegre no período 1974/1982. Diguem la´ o que quiserem!
Com ou sem liberalismo, socialismo de rosto humano e ou sovietismo o homem quer se livre e alegre de viver!
Utopia dirão uns. Néscio dirão outros! E´ verdade!
Prefiro assim. Rendido não!

Anónimo disse...

Com o título do seu artigo imaginei “ Passos de costas” mas e´ bom demais…de qualquer forma o PS e António Costa não iludem ninguém. Estes, tal como o PSD e P. Coelho sao só mais um poucochinho a´ esquerda do CDS. Alias o CDS e´ ate´ um poucochinho mais social-
Nos meus 76 anos de vida, em termos sociais políticos e económicos só tive vida fértil, produtiva e alegre no período 1974/1982. Diguem la´ o que quiserem!
Com ou sem liberalismo, socialismo de rosto humano e ou sovietismo o homem quer se livre e alegre de viver!
Utopia dirão uns. Néscio dirão outros! E´ verdade!
Prefiro assim. Rendido não!
de o catraio com respeito

António Geraldo Dias disse...

Um novo regime de cessação do contrato "por via conciliatória"em condições "equiparadas às do despedimento colectivo",taxa social única em função dos despedimentos uma trapalhada jurídica e política-o ps quer ganhar ao psd com os piores trunfos do social liberalismo...

Anónimo disse...

Um bom artigo de João Rodrigues que tem a coragem de chamar o nome aos bois para crispação de uns tantos. Pena que haja quem cite o Anti-Duhring de Engels, demonstrando que Engels continua a ser utilizado de forma desonesta.
O que vemos aqui é que os axiomas neoliberais não têm ultrapassado o julgamento da razão. O que temos aqui é que o PS tem-se assumido de facto como neoliberal. O que vemos aqui é que Engels zurziria sem piedade a traição assumida pelo PS ( e pelos partidos social-democratas em geral) perante o socialismo e perante o mundo do trabalho
Invertem-se assim as coisas. E quem denuncia que afinal a razão não sustenta a colecção de mimos saídos desta trapalhada do PS leva ainda por cima com citações de quem sempre pugnou pelo socialismo... e pela razão

Ora citemos Engels a propósito deste ruído de latão apresentado nestas quase centena de páginas:
" Ruído de latão em poesia, em filosofia, em política, em
economia, em história; latão na cátedra dos professores e na tribuna; em toda parte, um ruído de latão que
aspira à superioridade e à profundeza do pensamento".

Ruído de latão...thatcher sabia do que falava

De

Anónimo disse...

Quando ao primeiro comentário lastima-se a nota mas... o "socialismo não era". Isso queria o neoliberalismo e o social-liberalismo, na terminologia utilizada pelo autor do post. Logo, isso queria jose ,ávido defensor do neoliberalismo mais extremista, vivendo paredes meias com a direita-extrema.
Percebe-se que para quem assume tal posição, mesmo o social-liberalismo lhe caia mal no goto. A prova é aquela defesa quase animalesca do patronato e dos grandes interesses económicos, escondidos por vezes de forma ridícula atrás das Micas de ocasião , usadas e utilizadas como outros usam as prostitutas.

Tais processos deveriam servir de alerta aos que desgraçadamente parem ( do verbo parir) tais programas,comprometidos até ao tutano com os mercados e com esta UE fraudulenta,anti-democrática e saqueadora

De

Anónimo disse...

O José Moreira vem aqui atacar não sei para quê.
Não existem aqui nenhuns autênticos e verdadeiros, existem opiniões. E qual é a sua?

Anónimo disse...

João Rodrigues, o seu colega de blog escreveu um post que se aplica tanto a si como à pessoa do PSD.
Aquilo que escreve é mais um reflexo pavloviano, um exercício de desonestidade intelectual de um economista de citações que vive para a vaidade de alimentar um puritanismo artificial e absolutamente estéril.

Miguel disse...

Acabei de ler excertos do dito relatório e para falar a verdade acho que constam lá medidas sensatas e compatíveis com os valores da Social-democracia ou Socialismo Reformista: a restrição dos contratos a termo a situações de substituição de trabalhadores, o aumento das indeminizações por despedimento, a aplicação de um imposto suplementar sobre grandes heranças, o aumento dos abonos familiares, etc. Quanto à aplicação do complemento salarial para trabalhadores a auferirem rendimentos baixos, até acho que faz sentido, com a condição de ser acompanhada por um aumento progressivo do salário mínimo nacional. Admito que em alguns campos há uma certa aproximação ao Social-liberalismo, no entanto acho que ainda estamos bem longe de um Social Liberalismo à la Schroeder.

Anónimo disse...

Parece que se trata da apresentação de um documento apenas para marcar presença.A situação na Europa actualmente é de tal forma complexa que não é possível fazer previsões.
Quem tiver duvidas é ver os indicadores macroeconómicos da UE e mais concretamente da zona Euro.Nós não sabemos que modelos económicos ou econmétricos foram feitos para se chegar aqueles valores apresentados pelos tais peritos. É lícito perguntar como se chegou áqueles numeros , quando a Europa parece estar perante um novo 1929 em câmara lenta.
Num país de capitalismo fraco e que está quase desindustrializado
como será possível inverter a tendência ?
Por questões de natureza ideológica e por imposição do exterior não se aposta no investimento publico quando o nvestimento privado também não aparece.
Parece que enquanto não partirmos deste principio básico não chegamos a lado nenhum : A adesão ao Euro deu origem a uma enorme fuga de capitais e de cérebros.

Anónimo disse...

Salvo melhor opinião o anónimo das 23 e 39 é intrinsecamente desonesto.

Este anónimo diz que um colega de blog do João Rodrigues escreveu um texto que tanto se pode aplicar a este como à pessoa do PSD

Manifestamente falso e daí também a catalogação referida acima.

O que diz o Correia do PSD? "As propostas estão lá e não as conheço, não tive oportunidade de ler o documento..."

Ora o artigo de JR prova que este fez exactamente o contrário do que fez o psd de turno.
Porque ao contrário deste, pode-se ter a certeza que JR leu e estudou e conhece bem as propostas do PS.

Daí que pese o esforçado esforço do referido anónimo em apoiar este exercício do PS, pode-se com toda a legitimidade dizer que tal esforço é um reflexo pavloviano, um exercício de desonestidade intelectual de um anónimo que vive não só para a vaidade de alimentar uma corrente neoliberal artificial e absolutamente estéril, como também de seguir os passos do passos e companhia.

Assim com esta política económica não vão lá. Nem com tais entorses à verdade dos factos

De

Aleixo disse...

Não considerando o seu
" semelhante como igual ",

as espertezas saloias,
são muito expeditas a depreciar OS POUCOS (!) que,

têm a ousadia de colocar a opinião dos instalados,
em causa

– “ pimenta no cu dos outros… “.

A “representação”,

limita-se a subverter o interesse e vontade da maioria.

O que não falta são acólitos lambe-botas, a reforçar as muralhas do SISTEMA.


UMA PESSOA, UM VOTO.

…também na DECISÃO!

Eu sei…
é uma chatice!