sexta-feira, 10 de abril de 2015

A UE quer a Grécia fora do Euro


À medida que o braço-de-ferro entre instituições europeias e o novo governo grego, iniciado com a eleição deste último, e continuado após o acordo de 20 de Fevereiro, uma coisa está a tornar-se cada vez mais clara. As instituições europeias já decidiram o que querem e o que querem é a Grécia fora do Euro.

O governo grego foi eleito com um programa claro de inversão da política de austeridade, que só pode ser implementado com uma reestruturação da dívida e uma rotura inequívoca com a lógica dos programas de ajustamento. O embate entre este programa e as pretensões do governo alemão não se fez esperar. O acordo de 20 de Fevereiro marcou uma curtíssima trégua, após a qual o braço-de-ferro prosseguiu.

Em primeiro lugar, convém observar que, para as instituições europeias esse compromisso confuso e ambíguo é, em todo o caso, letra morta. O governo grego apresentou um vasto conjunto de medidas que vão ao encontro de muito do que estava no memorando, no plano da corrupção e da fraude e evasão fiscais. No entanto, as instituições europeias estão-se a borrifar para estas partes do memorando, como aliás estiveram durante cinco anos em que nada foi feito a este nível. Nem mesmo somando-lhe a privatização do Porto de Pireu, uma cedência do governo grego do tamanho do dito-cujo. Garantem que, sem liberalização dos despedimentos e corte nas pensões, o financiamento continuará bloqueado.

Nem este acordo, nem acordos anteriores, como o acordo sobre a devolução dos lucros do BCE com a dívida grega, também bloqueados, valem nada. As instituições europeias já deixaram claro que não têm de respeitar nenhum acordo passado. Mandam e acabou a conversa. E o governo grego obedece ou acabou o dinheiro.

Em segundo lugar, o BCE vai empreendendo várias ameaças e anúncios, sempre anunciadas como o estrito cumprimento de regras burocráticas mas, na realidade, totalmente discricionárias e ilegais, visando promover a fuga de capitais e desestabilizar a economia grega. O BCE sabe bem que a mera suspensão das medidas de austeridade anteriormente previstas pode, por si só, devolver alguma dinâmica à economia grega (como aconteceu ainda com Samaras, com propósitos eleitorais). Isso seria uma grande maçada e o BCE tem trabalhado afincadamente para impedir semelhante infortúnio, no que só pode ser descrito como sabotagem económica deliberada.

Em resumo, o que as instituições europeias estão a exigir é uma vitória sem compromisso. O governo grego deve implementar o memorando que combateu e violar, uma a uma, todas as suas promessas eleitorais, qualquer coisa como o que fez o governo português. Têm 6 dias e nada menos do que isto servirá. O Syriza tem de rasgar o seu programa, cuspir-lhe em cima e sujeitar o seu país a uma humilhação histórica, apenas comparável a uma ocupação pura e dura.

É, para mim, puramente impensável que a gente que hoje integra o governo grego esteja disponível para semelhante papel. E é igualmente impensável que haja algum eurocrata, ministro alemão ou outro qualquer, por mais estúpido ou alheado das coisas da democracia, que acredite em semelhante desfecho. Quanto mais não seja por saberem que se o Governo grego levasse a cabo tal barbaridade, cairia no mesmo dia.

Do que se trata não é, portanto, de conseguir uma cedência. Do que se trata é de imputar ao governo grego as responsabilidade de um incumprimento que resulte da retenção do financiamento europeu. Resta saber contra quem corre o tempo. O governo grego não escondeu a sua intenção de ganhar tempo para preparar todos os cenários decorrentes das negociações de Junho. Outra preocupação será, sem dúvida, a de fazer o máximo de pagamentos ao FMI antes de uma possível rotura, para não fazer todas as guerras ao mesmo tempo.

Por outro lado, as instituições europeias têm revelado um talento inexcedível para gerir conflitos no limite da loucura, espremendo e sangrando lentamente os poucos que se lhe opuseram. Acresce que o comportamento das instituições europeias indica não só que desejam a rotura, mas também que pretendem que esta se concretize nas piores condições possíveis, pois só assim o efeito vacina será melhor conseguido.

Uma coisa é certa: o governo alemão e as instituições europeias não vão dar espaço para que se cumpra o mandato de romper com a austeridade permanecendo no Euro, mandato com que o governo grego foi eleito. Isso mesmo vão reconhecendo vários responsáveis do governo e do Syriza, quando avançam com a possibilidade de voltar ao eleitorado com as escolhas que a Europa impuser.

Não será fácil para os gregos. Mas para quem há cinco anos é repetidamente castigado e humilhado, num ciclo interminável de empobrecimento, a continuação do inferno não é uma opção. As alternativas, graças à demência europeia, afiguram-se terrivelmente difíceis. Mas a escolha nem por isso.

12 comentários:

Patrick disse...

Desculpem-me a ignorância, mas isso é de fato possível, proibir a Grécia de usar o Euro como moeda?

Pergunto porque na América do Sul temos o Equador de Rafael Corrêa usando o dólar como moeda.

Ou a expulsão seria da Eurozona levaria a Grécia a tão somente perder o poder de participar da administração e regulamentação da moeda, ficando, digamos assim, na mesma situação de Andorra ou do Equador no exemplo que citei?

Jose disse...

Quem vai a jogo tem que fazer cálculos de probabilidade na forma como joga.
Primeiro arrogante e insultuoso, depois festivo, agora em vias de sair de jogo.
Para ninguém é a situação satisfatória.
Mas permanecer no euro a rasgar tratados e regras aprovadas acabou. Era tempo...

Unknown disse...

Quem governa na Grecia e nos bancos gregos é o Varofakis/Siryza.
A incompatibilidade insanavel de respeitar o voto dos gregos, desrespeitando o de todos os outros europeus só deve terminar com a indpendencia da Grecia-talvez antes de Julho.
Para nós é uma oportunidade excelente de etestarmos se vale a pena sair do euro sem correr riscos -dentro de dois anos já poderemos responder melhor a pergunra se queremos sair do euro.
Todas as filosofias que se possam argumentar caem sempre no chavão :se não fosse a falta de dinheiro eu era rico e feliz.

Anónimo disse...

Isso de permanecer no euro significa exactamente o quê?

Anónimo disse...

Não é só a privatização do Porto do Pireu, é a continuidade da generalidade do programa de privatizações, apenas moderado. Nomeadamente de todas as que já foram lançadas pelo governo anterior e que o governo do Syriza anunciara que suspendera e iria reverter.

Já para não falar agora da inacreditável proposta, por parte do governo grego, de um excedente primário de 3% este ano, que tanto combatera anteriormente.

A minha previsão. O governo grego vai chegar a acordo com o Eurogrupo e vai receber, antes do verão, os 7,2 mil milhões de euros que estão retidos do anterior programa de resgate.

Com esse dinheiro vai pagar as amortizações de julho e agosto. As do FMI vai pagá-las como tem feito, rapando os cofres do Estado e anulando, na prática, o cumprimento do seu programa eleitoral.

Não vai sair do euro, nem oficialmente vai começar a prepará-la, até ao final do ano. Mas também não vai assinar um terceiro resgate.

Ou seja, em 2015, não vai haver dilema entre o 3º resgate ou saída do euro.

Mas vai haver o dilema austeridade ou saída do euro. Neste o governo grego rende-se, fica com o euro e, certamente contrariado, também com a austeridade.

É evidente que mais gente, dentro e fora do governo, e dentro e fora do Syriza, vai compreender que não é possível uma política verdadeiramente de esquerda dentro do euro e que, no caso específico desse país, com a degradação social e económica, nem sequer é possível uma política de emergência social dentro do euro.

Veremos o que dá para o futuro, mas para este ano receio bem que seja isto.

Anónimo disse...

"Quanto mais não seja por saberem que se o Governo grego levasse a cabo tal barbaridade, cairia no mesmo dia".
Como a saída do Euro não foi sufragada, o mais responsável a fazer seria isso mesmo. Cair no mesmo dia.
Penso que seria um precedente gravíssimo um governo tomar uma decisão dessas sem a sufragar...

Cumprimentos,

FD

Anónimo disse...

"...o governo alemão e as instituições europeias não vão dar espaço para que se cumpra o mandato de romper com a austeridade permanecendo no Euro..."

Austeridade é uma outra palavra para dominação, é insuportável a aceitação generalizada do eufemismo, já poucos insistem em dizer o que se passa da forma como se passa, é um autêntico jogo de sombras, cada um procura desculpar a sua parte pela inevitabilidade dos acontecimentos, uma autêntica miséria moral e intelectual.

Anónimo disse...

Os portugueses ainda vão a tempo de, nas próximas eleições, escolher o caminho Grego: acabar com a austeridade e restaurar a soberania.

Anónimo disse...

O Syryza já se percebeu que quer fazer política com o dinheiro dos outros contribuintes. Os proprios gregos devem 72 mil milhões de euros em impostos ao Estado. Incapazes de reol erem os seus próprios problemas, culpam os outros...e pdem mais dinheiro!

Paulo Marques disse...

Não me parece que a Europa queira a Grécia fora do euro, mas julgam que não o fazem e que se o fizeram não haverá problemas. Espero que se enganem seriamente quanto às duas questões e que estejam a usar este tempo para que a questão seja rapidamente resolvida.
Depois ficaremos com um estado grego na UE com possibilidade de vetar qualquer acordo político europeu sem grandes receios e as coisas ficam ainda mais giras.

Quanto ao "sofragar a saída do euro" e "dinheiro dos outros", já não há paciência para tanto amadorismo económico de quem gostou de sofrer pelos erros dos bancos alemães.

Anónimo disse...

Engraçado como alguém ousa invocar o "jogo" como um "cálculo de probabilidades".
Quando é esse mesmo alguém que fica fora de si quando se fala que quem empresta também incorre num outro jogo.

Jogos que mostram que quem fala de jogos o faz de acordo com os interesses que o movem.
Um tanto sórdidos diga-se de passagem porque fica ao lado dos agiotas na mesma penada que está contra a soberania popular.

Entretanto...quem rasga Constituições e regras aprovadas sabemos nós quem é. Curiosamente apoiados pelo mesmo que anda aqui a falar em jogos e que tem abundante material escrito em que exprime o seu ódio à CRP.

De

Anónimo disse...

O Livre/Tempo de Disparatar apresentou uma proposta completamente nova: Unir as Esquerda Anti Austeridade para uma maioria parlamentar (então e o pézinho no Conselho de Ministros?, alguém já aconselho o Modesto Tavares a parar de dizer isso?). A grande novidade do Livre (porque o MAS tem uma proposta idêntica) é que metem o PS neste bolo. :) só dá vontade de rir.