terça-feira, 14 de abril de 2015

"Zonamento" do IMI podia tributar a riqueza, mas não o faz

Qual o objectivo para a mexida dos coeficientes de localização do imóvel ("zonamento")? As reportagens televisivas sobre as mexidas nos coeficientes de localização dos imóveis referem que se trata: 1) de uma reavaliação trienal já prevista desde a reforma de 2003 que criou o IMI; 2) e que visa apenas adaptar esses coeficientes aos valores de mercado. E que, por isso, é provável que os valores patrimoniais dos imóveis - e, consequentemente, o IMI a pagar - possam baixar.

Para lá da desconfiança sobre quem diga que, nesta fase, os impostos vão baixar – sobretudo em tempo de eleições - há outra questão que convém abordar: quem vai ser mais tributado e quem vai ser aliviado?

É que o coeficiente de "zonamento" não é despiciendo. Esse coeficiente é tanto maior quanto melhor for a zona de localização do prédio. Mas na altura em que a reforma foi aprovada, em 2003, houve a decisão política de não tributar excessivamente os imóveis de valor mais elevado.

A sugestão técnica era que o coeficiente de localização variasse entre 0,35 e um valor máximo de 4, mas o Governo Durão Barroso reduziu esse limite máximo para 3. Ou seja, os proprietários de imóveis em zonas privilegiadas tiveram um corte de imposto de 33 por cento. "Houve uma decisão política na altura" do Governo e dos deputados, afirma Manuel Reis Campos então presidente da associação de construtores AICOPN, com assento na CNAPU. "Do ponto de vista técnico, não faz sentido", mas considerou-se que os custos com a habitação não deveriam ser ilimitados e que não deveriam ser proporcionais aos bens adquiridos pelo rendimento. E isso limitou a aplicação da fórmula nas zonas de luxo. O limite máximo "foi discutido e resolveu-se fixar" num nível mais baixo. O então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Vasco Valdez admitiu: "Não existe fórmula para esses casos, é verdade. Houve muita gente que reclamou (...) Houve algum receio, sim, que os valores ficassem muito altos".

Em 2009, procedeu-se às alterações previstas no Código. No Orçamento de Estado para 2012, aumentou-se o valor máximo desse coeficiente para 3,5. Mas ainda assim, há muitos imóveis que não estar a ser devidamente tributados.

Em 2011, com um coeficiente máximo de 3 fiz umas contas grosseiras que foram publicadas no PÚBLICO e que não sei se ainda estão actualizadas. É provável que não. Mas suponho que a questão de fundo se mantenha. Fica o alerta. Passo a citar o que escrevi e que não encontro na internet:

"Segundo informação vinda da administração fiscal e que é confirmada por Manuel Reis Campos e Vasco Valdez, as discrepâncias entre o valor dado pela fórmula e os valores de mercado são maiores nas regiões de Lisboa e Porto, onde se encontram os prédios mais caros. No resto do país, a fórmula até parece acompanhar o mercado. "Agora com a crise, os imóveis não residenciais são que têm valores mais baixos e a fórmula é capaz de dar valores próximos do mercado", adianta Manuel Reis Campos. Mas não na habitação. Os valores médios "não baixaram muito, mas não se vende". O mercado perdeu dinâmica e está a 20 por cento do que era no início do século.

E imóveis situados nas zonas nobres, como várias zonas em Cascais ou mesmo bairros mais acessíveis, pelos cálculos grosseiros feitos pelo PÚBLICO, ficarão com valores de avaliação pelo Fisco entre 5 a 30 por cento do valor de mercado pedido para negociação.

Depois, a fórmula subavalia claramente os terrenos envolventes da construção da habitação. Isso acontece porque a fórmula é função sobretudo da área de construção. O Governo fixa administrativamente o preço de construção que multiplica pela área útil e depois surgem todos os factores de ponderação – idade do imóvel, a localização, tipo de habitação, qual o índice de conforto, etc. Os terrenos à volta pouco entram no cálculo. A área até duas vezes a área construída é ponderada com factor de 0,05 por cento e a área para lá desse dobro da área de construção é ponderada com um factor de 0,025 por cento. Ou seja, um imóvel em Cascais com uma área circundante por exemplo de 9 mil metros quadrados pouco é agravado por ter esse terreno. E no entanto trata-se de um bem considerável que quase nada paga de IMI. Vasco Valdez admite que sim, mas que lhe disseram na altura que os valores tinham sido "testados”.

Veja-se o exemplo extremo de um imóvel no Estoril, colocado recentemente à venda por 15 milhões de euros. Possui uma área de quase dez mil metros quadrados, dos quais 800 de habitação. Está numa zona com um coeficiente de localização de 2,5. Mesmo considerando tratar-se de um imóvel com mais de 60 anos, com todos os confortos, o valor do imóvel ficaria em 5 por cento do valor pedido.

Noutro caso, situado na Malveira (perto de Cascais), o valor de avaliação é afectado tanto pelo terreno como pelo coeficiente de localização. Por um imóvel de mais de 60 anos, com uma área bruta de quase mil metros quadros e um terreno de oito mil metros quadros e todos os confortos, o vendedor pede 5,5 milhões de euros, mas a avaliação só chega a 13 por cento desse valor. Já um imóvel novo em Birre (Cascais) com uma área de 140 metros quadrados e um terreno de 760 metros quadrados, com todos os confortos, avaliação fica a 60 por cento do valor pedido pelo vendedor – 750 mil euros. Mas os ponderadores de conforto se reduzirem, a avaliação cai para 35 por cento do valor pedido."

8 comentários:

Albino M. disse...

Peço desculpa, mas o título quase me dissuadiu de ler... o resto. Porque não é sério, ou não parece...
Porque o imp. sobre o património tem de tributar o património, o valor do. A riqueza tributa-se em IRS...
Mas afinal o escrito é correcto, percebendo -se que o que critica é apenas a subaavaliação dos imóveis mais valiosos. Certo.

Anónimo disse...

O problema do imposto é que é muito simples, devia ser muito mais complexo para atender a todos as situações particulares. Sugiro uma avaliação de cada imóvel por uma comissão de 5 elementos, com 100 parâmetros. Só assim a avaliação seria justa.

Avaliador Anónimo disse...

Esta notícia é irrelevante e tratada jornalisticamente como propaganda do governo. Os media já nem fazem o trabalho de casa de se informarem sobre o assunto, simplesmente transcrevem a papa feita dos gabinetes de informação.

A verdade é que a Autoridade Tributária prejudica intencionalmente os cidadãos através dos mecanismos de avaliação do património. A saber...


A AT criou um sistema informático altamente robusto para a operacionalização da avaliação geral de imóveis. Quem conheça o sistema por dentro compreende a complexidade da sua construção, ou seja, que foi um sistema muito bem construído e pensado.

Ora esse mesmo sistema contém duas pequenas “falhas”, muito simples de evitar, que é impossível presumir não terem sido intencionais. E que operam em favor da AT.

Primeira: a antiguidade do imóvel (factor de vetustez) é um dos campos que mais reduz o valor tributário do mesmo, à medida que a idade do imóvel aumenta. Ora sucede que o cálculo da antiguidade do imóvel não é automático, ou seja, não se actualiza automáticamente. Porquê? Porque o campo de preenchimento — deixado ao avaliador — não é para o ano da construção. Num sistema eficaz o avaliador introduziria o ano que a construção foi feita, digamos, em 2005 — e o sistema calcularia a vetustez automaticamente. Estamos em 2015, logo a construção tem 10 anos. No ano seguinte, 2016, o sistema ditaria qua a construção tem 11 anos, e o quociente de vetustez seria o correspondente, e por aí em diante.
Mas não. Ao avaliador é deixado um campo onde coloca a idade no momento da avaliação. O prédio tem 10 anos no ano da avaliação. E para o ano seguinte o campo continua a dizer 10 anos, e daqui a cinco anos continuará a aplicar o quociente referente a 10 anos — e não se alterará até que seja realizada uma nova avaliação — o que é deixado à iniciativa dos proprietários que o peçam, claro.

Segunda: o valor de referência por m2 para o cálculo do valor tributário. Não é actualizado automaticamente todos os anos. Actualmente o valor de cálculo de referência é de 603 € o m2. Mas no ano de 2007 e 2008 esse valor era de 615; em 2009 era de 609. Assim, todos os imóveis que foram avaliados nesses anos continuam calculados em relação ao valor de referência desses anos, logo majorados em relação ao valor de referência actual. E como estes imóveis já foram avaliados ao abrigo da nova legislação, não foram abrangidos pelo processo de avaliação geral, logo não foram actualizados, ou seja, recalculados em relação ao valor inferior actual — excepto nos casos em que os proprietários mais informados pediram uma nova avaliação.

Como a maioria da população é alheia ao conhecimento destes factos, é prejudicada intencionalmente pela AT. Eis um caso em que duas pequenas subtilezas do sistema informático são deixadas para fazer perdurar uma “ineficácia” em favor da cobrança. O cidadão é mesmo prejudicado, sem qualquer contemplação. Isto é o oposto de uma cultura de serviço público.

Apenas a DECO vem alertando para isto, mas a verdade é que não tem conseguido mudar o modo de operar da AT. Um caso lamentável do modo como o Estado — ou esse Estado dentro do Estado que são as Finanças — trata os cidadãos.

E agora a Autoridade Tributária, que nada faz para corrigir estes "erros", vem atirar areia para os olhos com propaganda jornalística que "eventualmente" "poderá" baixar o IMI. É para rir.

António Pedro Pereira disse...

Caro João Ramos de Almeida:
Não nego a pertinência do tema - a subavaliação tributária de imóveis luxuosos - a partir e uma incorrecta definição do coeficiente de localização.
Mas há muito mais IMI para além do que pagam os prédios luxuosos.
Por vezes a árvore ofusca a floresta, mas é dentro da floresta que se acoitam o lobos que nos comem, não é por detrás das árvores, por mais frondosas que sejam e se destaquem da floresta.
Porque não trata a injustiça do IMI que abrange a maioria dos portugueses, dado que 70% têm casa própria, a partir dos seguintes tópicos?
- actual intervalo das taxas (bastante alto, quer a mínima – 0,2 – quer a máxima – 0,5 – especialmente a máxima);
- pouca divulgação de informação sobre a possibilidade de pedirmos, de 3 em 3 anos, a actualização do Valor Patrimonial Tributário (VPT) da nossa casa (pedido que é gratuito);
- os anos mais favoráveis para se pedir a referida actualização do VPT (2, 9, 16, 26, 41, 51 e mais de 60 anos);
- isenção de 3 anos na compra de casa de habitação própria para valores até 125 mil euros;
- isenção de pagamento de IMI para rendimentos até 15.295€ e, simultaneamente, 66.500€ de VPT;
- gritante injustiça que tem vigorado desde 2004 e até 2015, em que 1/3 das pessoas que têm casa tem estado a pagar uma pipa de massa de IMI de acordo com as novas regras do CIMI (Código de Imposto Municipal sobre Imóveis), portanto, com os VPT actualizados.
Enquanto os outros 2/3, que demoraram 10 anos a ser reavaliados, e a ter os VPT de acordo com o CIMI, e que só o tiveram recentemente por imposição da Troika, têm estado protegidos pela CS, pagando, por isso, quantias bem mais simpáticas. E por vezes tratamdo-se de apartamentos no mesmo prédio ou moradias semelhantes ao lado umas das outras.
Atenção: eu não defendo que os 2/3 paguem pipas de massa também, defendo que paguem todos pelo mesmo critério, todos valores aceitáveis, o que pode ser feito mesmo sem perda de receitas para as câmaras.
E o que vemos: este ano, talvez não pelas melhores razões, porque foi apenas para obter receita, o governo acabou com a CS. Quem pagava pouco vai pagar uma pipa de massa. Mas isso é justo, pois põe todos no mesmo pé de igualdade, a pagar pelo mesmo critério.
E o que pediram: o PS, o PCP e o BE?
A manutenção da Cláusula de Salvaguarda: logo, a continuação do tratamento altamente desigual dos cidadãos.
Isto anda tudo doido ou quê?
(Ressalva: o PCP não o fez com muita convicção e fê-lo ainda com menos veemência e em quase silêncio, ao contrário do barulho estridente que faz contra outras medidas iníquas. Mas desta vez não foi por causa de a medida, no fundo, ser justa, foi porque com o fim da CS as câmaras que governa terão muito mais receita para fazer os floreados do costume e ganhar as próximas autárquicas. E por outras razões que não vou agora aqui explanar, a não se a discussão o proporcione.)
Trate destes tópicos, João Ramos de Almeida.
Ou acha que não interessa à maioria das pessoas?
Que só interessa a política pura e dura; especialmente se tiver por alvo os muito ricos.
É apelativo mas muito pouco útil.
Embora seja justíssimo denunciar e acabar com essas iniquidades.

Paulo Batista disse...

Ainda que os assuntos estejam obviamente relacionados, existe alguma confusão entre a filosofia do IMI (imposto sobre imóveis / património) e o mecanismo utilizado para determinar o valor do imóvel para fins fiscais.
Ora, a questão principal do texto parece apontar para importantes erros no mecanismo de avaliação dos imóveis. É importante clarificar que um dos erros apontados não tem a ver com o zonamento, mas sim com a valorização das áreas não construídas de uma dada parcela - e este parece ser o erro principal para o desfasamento gritante no exemplo dado.
Já na questão dos coeficientes de localização, determinados pelo zonamento, o problema maior é a arbitrariedade do referido zonamento: que eu saiba, não se conhece minimamente a metodologia adotada. Aparentemente o referido zonamento é um exercício maioritariamente "ad-hoc", sem uma abordagem quantitativa de apoio (que permita estabelecer pelo menos uma série de critérios minimamente objetivos para a sua determinação - e eles existem!).
Ora, não sei quais foram as razões concretas, mas julgo que se pode referir outra justificação para uma limitação no coeficiente máximo utilizado: imagine-se que uma família de rendimentos médio-baixos, detém uma casa numa zona "premium" recente (note-se que muitos dos fenómenos de guetização de algumas destas zonas premium são relativamente recentes!), tal coeficiente poderia representar um aumento de impostos muito significativo (o IMI não é "progressivo" relativamente ao rendimento)! Desta forma, o IMI seria mais um elemento a pressionar estas famílias a abandonarem estas zonas, aumentado a guetização.
Ok, todo este exemplo é caricato. Mas é preciso reduzir o problema ao absurdo para tentar identificar potenciais consequências nefastas.
Refiro estas questões para sublinhar que a questão "tributar a riqueza" deve ser analisada do ponto de vista da filosofia do imposto - filosofia esta que depois determinará alguns dos critérios a utilizar na avaliação para fins fiscais.
É a ambiguidade conceptual do IMI que não é e deveria ser discutida: afinal para que serve o IMI?! Ou, melhor: afinal para que deveria servir?
Nesta última questão, deixo duas sugestões de possíveis respostas:
1) O IMI, enquanto imposto municipal, deveria direccionar-se precisamente para financiar as câmaras municipais em função daquilo que é a sua actividade - no caso em apreço relacionado com os imóveis, é as suas responsabilidades de gestão territorial! Ou seja, nesta perspectiva o IMI deveria ser uma forma de correcção das "inequidades territoriais", quer estas sejam ou não passíveis de ser totalmente resolvidas pela gestão territorial. Mais, colocaria a pagar aqueles que beneficiam com as operações de gestão / transformação / qualificação territorial.
2) O património imobiliário é um elemento incontornável do rendimento, desta forma, é legítimo ponderar que o mesmo deveria contar para efeitos de tributação de riqueza. Ora, neste aspecto, basta analisar o exemplo de vários países europeus, onde o património imobiliário conta efectivamente para a tributação da riqueza, de forma semelhante ao IRS! Mas, nesse caso, o imposto é ou tem regras diferentes de tributação daquelas que são utilizadas na simples tributação de imóveis (inclusive, por exemplo, as receitas revertem para o governo central).

O papel da tributação do património imobiliário é que deveria ser a grande discussão e, depois sim, discutir-se / aprimorar-se o processo de avaliação.

António Pedro Pereira disse...

Caro Paulo Batista:
Pensei que o meu comentário ficasse esquecido, sem resposta.
Se o ler com atenção, verá que não menosprezo nem o post nem os aspectos que refere.
Ma também é preciso atender aos mais práticos, os que eu refiro.
Ou não concorda?
Senão, em cima de uma iniquidade (a que refere) planta-se outra (a dos aspectos mais comezinhos), a de quem paga IMI ano a ano com bastante sacrifício e, por vezes, pagando mais do que deve por causa de desconhecer alguns aspectos que eu refiro.

Paulo Batista disse...

Caro Manuel Silva:

O meu comentário até surgiu mais na sequência do texto principal do blog - onde a "distinção" entre questões de filosofia do IMI e aspectos práticos da sua aplicação era mais confusa. O seu comentário, especificamente, aborda principalmente os elementos da "prática" do actual sistema. Concordo que são muito pertinentes. Mas, pessoalmente, julgo que é prioritária a discussão do "para que serve efectivamente o IMI" - tal como está, ainda que alguns supostos "erros" não sejam defensáveis sob nenhuma perspectiva aceitável de aplicaçãoi do IMI, qualquer tentativa de aprimorar o actual e confuso IMI terá grande probabilidade de perpectuar as inequidades e erros (porque a base e consequentes critérios justificativos de partida são ambíguos.)

Uma coisa é certa: este é um tema que praticamente ninguém debate nem fala. Nenhum partido, ninguém da sociedade civil e nem mesmo no "cybermundo" se vêem grandes discussões ou considerações sobre a tributação do património imobiliário! E no entanto, este representa uma proporção significativa dos impostos suportados pela generalidade da população.

Pessoa para todas as ocasiões disse...

Pedi em inícios de Junho a reavaliação do prédio do meu pai. Reparei, para minha surpresa, que o coeficiente de localização passou de 1,2 para 0,9. Não sei se será fruto do rezonamento, porque no portal das finanças ainda só consta o zonamento de 2009, com o coeficiente 1,2... Ou será que foi simplesmente erro das finanças? Na dúvida, não levantei a lebre. :)

Uma correcção:
«A sugestão técnica era [...] um valor máximo de 4, mas o Governo Durão Barroso reduziu esse limite máximo para 3. Ou seja, os proprietários de imóveis em zonas privilegiadas tiveram um corte de imposto de 33 por cento.»
Passar de 4 para 3 não é reduzir 335, mas 25%. A percentagem é sempre calculada face ao valor inicial: reduziu 1 ponto, sendo inicialmente 4, logo diminuiu 25%.
(Já passar de 3 para 4 é aumentar 33%.)