quinta-feira, 23 de abril de 2015

E se sair no Expresso, já é Ciência?

«Qual é a verdadeira taxa de desemprego?», perguntava o semanário Expresso no passado sábado, apresentando um gráfico com os «vários 'tipos' de desempregados» e uma caixa de texto que reza assim: «A poucos meses das eleições, os números do desemprego continuam a animar discussões. Um tema clássico é a chamada taxa 'real' de desemprego, que inclui mais casos do que os considerados pela taxa oficial do INE, que segue a metodologia europeia. O Expresso ilustra a questão somando aos desempregados oficiais outras categorias que podem ser incluídas numa versão alargada de desemprego, como os inactivos que querem trabalhar mas não procuraram ou não podem começar de imediato, as pessoas em part-time que querem trabalhar mais ou os estágios».

Contas feitas, o semanário de Pinto Balsemão estima que no passado mês de Fevereiro existisse um número de desempregados, em sentido amplo, a rondar os 1,3 milhões, e que contrasta portanto com a contabilidade oficial (739 mil). Ou seja, um valor que chega a ser superior ao apurado para o final de 2014 no recente estudo do Observatório sobre Crises e Alternativas, onde se estima um desemprego «real» na ordem dos 1,1 milhões de pessoas (excluindo, para permitir comparações, a parcela dos activos migrantes).

Atendendo a que esta estimativa de 1,3 milhões de desempregados não foi feita pelo Avante, pelo Esquerda.net e nem sequer pelo Acção Socialista, mas sim pelo insuspeito semanário Expresso, talvez fosse de perguntar a Maria de Fátima Bonifácio (que saiu em socorro de João Miguel Tavares), se também neste caso considera tratar-se de mais um exercício de «catequização ideológica», «desfiguração e «desconchavo», resultante da transformação da academia «num espaço de militância, subversão e destruição do ethos académico».

Aliás, o próprio INE, tal como o IEFP (e já agora o Expresso), que manuseiam conceitos como «inactivos desencorajados», «desempregados ocupados», «inactivos à procura de emprego mas não disponíveis» ou «inactivos disponíveis mas que não procuram emprego», mereciam integrar, por inerência, essa espécie de Index Scientia Prohibitorum que tanto Maria de Fátima Bonifácio como João Miguel Tavares parecem querer instaurar. E só é pena que, no seu afã persecutório - como bem assinalou o João Mineiro (e o José Neves, no facebook) - Fátima Bonifácio até se tenha esquecido de ler, na definição de «inactivo desencorajado», as palavras «pretende trabalhar» (o que complica um pouco mais a vida a quem acha que esses inactivos querem é passar as tardes na moinice, «a tomar chá com a Kiki Espírito Santo»).

21 comentários:

Anónimo disse...

Ciência de Bilderberg...

Anónimo disse...

No Expresso não tem de ser ciência. Tem de ser jornalismo. Já no Observatório do CES tem de ser ciência e não jornalismo (ou politiquice). Por exemplo, a utilização do termo "desemprego real", perfeitamente aceitável num contexto jornalístico, não é aceitável num contexto científico (continuo à espera de referências bibliográficas que o expliquem). O próprio Nuno Serra, talvez por pudor, recorre a um termo ("desempregados, em sentido amplo") que é, nesse sentido, mais neutro (o FMI refere Labour market slack). Para uma instituição do sistema científico o rigor da linguagem (aferido pela sua definição prévia no próprio sistema) deveria ser fundamental. Curioso também é que mais ninguém além do CES parece ter contabilizado (parte) dos activos migrantes no "desemprego real" em Portugal. Porque será?

Anónimo disse...

pudor devias ter tu
a verdade é que os números do INE apenas servem para mascarar a realidade
se o rigor cientifico para ti, ó anónimo facioso, é o apego a diferenças de metodologia estamos conversados. A ciência é para reflectir a realidade e não para sustentar modelos/metodologias que servem para a distorcer...e nem sequer se fala aqui de quem emigrou e foi riscado do mapa da população activa

Anónimo disse...

Caro Anónimo das 14:05 23 de Abril

Isto vai sem "referências biográficas" mas como só tenho a antiga 4ª classe, posso dar-me ao luxo de ficar pela substância e não ligar a berloques.

Desemprego escondido. Sabe o que é ? Estar escondido anula-o ? Dá vómitos num contexto científico ?

Científico ? Científico daquele género de ciência que a casa gasta ?

Anónimo disse...

Na mouche:

" A ciência é para reflectir a realidade e não para sustentar modelos/metodologias que servem para a distorcer"

Como também os do FMI, cujas teorias e conceitos estão tão longe da realidade como os axiomas neoliberais.

A prova provada está não só nos terríveis resultados que as suas políticas têm levado aos povos sacrificados ( vide América do Sul) como no vergonhoso discurso a duas e a três e a quatro vozes sobre a política austeritária na europa, nomeadamente em Portugal.
Todo um rigor científico perfeitamente "aceitável "segundo os modelos dum "investigador" que espera referências bibliográficas sobre o "desemprego real"...

Eu sei.É isso que procuram esconder a todo o custo.Certo?

O Expresso não lhes serve porque não tem que ter ciência diz um.
Outro , ou o mesmo , diz que não serve porque não obedece aos axiomas dos seus mandamentos.

Há todavia um problema.Mais tarde ou mais cedo a realidade estilhaça toda a porcaria com que a procuram esconder.E a Ciência ajudará a desmascarar esta hipocrisia de meia-tijela enfeudada aos interesses da governança e do poder económico.

De

Jose disse...

Um desempregado científico vale tanto como um desempregado real, e um estagiário mal pago vai pelo mesmo caminho.
Qual o interesse de semelhante discussão?
Só deveria levar a pensar em soluções, mas nisso o esforço é todo no sentido de manter paradigmas que nos trouxeram até esta miséria.
Se em vez de trabalhadores falassem de trabalho...

Anónimo disse...

Já sabíamos.

A dimensão humana escapa sistematicamente à ala da direita extrema da sociedade, aboneque-se ela com o neoliberalismo abjecto ou com as saudades do 24 de abril

Não são as pessoas que interessam de facto, mas números. E números ainda por cima a manipular e a serem enquadrados nos limites adequados aos postulados pseudo-científicos.

Sabemos o que nos conduziu a esta miséria.Sabemos que a governança se governou, enquanto governava.Sabemos que as desigualdades aumentaram e que a exploração do trabalho alheio atingiu níveis inimagináveis. Sabemos que a corrupção acompanha de forma endémica a governança e sabemos que é este modelo de sociedade que gera uma sociedade iníqua e abjecta.

Sabemos que quem defende esta podridão já não tem nada a oferecer que os cheque-vôvôs ditos de forma odiosa ou os apelos à continuação do roubo das pensões e dos salários.

Esta é a situação que querem perpetuar.Por isso esta sociedade tem que mudar radicalmente e o capitalismo ir para o lixo da história.Porque é uma questão civilizacional. Ou eles, ou todos nós

De

Anónimo disse...

Caro De

"...mandar o capitalismo para o lixo" ? porquê ? a culpa não é do sistema mas dos homens. Este regime onde os lucros são privados mas os prejuízos públicos e onde não há separação entre o poder politico económico e judicial é que tem que ir para o lixo. Todos os sistemas são, no geral bons no papel, são os homens quem os adultera ou que não os consegue sustentar. E isto vai das ideias puras às religiões

Anónimo disse...

1ª parte da questão (aa mais importante)
A responsabilidade pela produção de estatísticas fiáveis cabe ao INE. Que o faz com base em conceitos estatísticos bem definidos (necessários até por questões de comparabilidade internacional), possibilitando depois que outros (partidos políticos, jornalistas, analistas, instituições científicas, ...) os analisem. O INE está a cumprir o seu papel, e a prova disso é que os dados por si produzidos com rigor estão a servir de base a diversos estudos e análises sobre o desemprego.
O jornal Expresso fez o seu papel. Analisou os dados do INE e, livre de constrangimentos do rigor conceptual do INE, colocou a pergunta "Qual é a verdadeira taxa de desemprego?" e deu-lhe resposta mostrando "número [total] de desempregados, em sentido amplo" como muito bem referiu o Nuno Serra.
Análise semelhante já tinha sido feita pelo FMI, num relatório já aqui citado neste blogue, referindo-se a "Labour Market Slack", um conceito definido com rigor na comunidade científica.
Estes 3 exemplos bastavam para perceber que:
1) O governo faz propaganda eleitoral (como fazem todos os agentes políticos) optando por se referir apenas aos desempregados stricto sensus.
2) Não é por isso que deixam de existir dados que possibilitam outras análises e que permitem outras leituras da realidade. Essas leituras são feitas e são divulgadas. Talvez o que seja de estranhar é que não sejam mais "aproveitadas" por outros agentes políticos. Mas não se pode argumentar que os dados estão a ser escondidos quando estão à disposição de todos e são publicados em jornais como o Expresso (por exemplo).

2ª parte da questão (porventura com menos relevância que a primeira).
E o Observatório do CES? O que é o Observatório do CES? Qual deve ser a sua postura? Uma postura jornalística, uma postura de actor político ou uma postura de agente do sistema científico, que tem regras próprias (diferentes do jornalismo, do INE, ...)?

Anónimo disse...

...a postura do CES devia ser a de agente cientifico mas necessariamente diferente do INE. Se for para replicar o trabalho do INE qual a necessidade da sua existência ?

Anónimo disse...

"...a postura do CES devia ser a de agente cientifico mas necessariamente diferente do INE. Se for para replicar o trabalho do INE qual a necessidade da sua existência ?"

Replicar o trabalho do INE seria recolher, tratar e disponibilizar dados seguindo regras dos sistemas estatísticos. Claramente não deve ser esse o papel do Observatório. Se o Observatório se quiser posicionar como agente científico deve, antes de mais, seguir as regras do método científico (independentemente de podermos ou não concordar com elas) e analisar os dados (neste caso específico os dados já são recolhidos e disponibilizados). O Observatório analisou os dados mas de uma forma que, no meu ponto de vista, não segue as regras do processo científico (como define se define, segundo a literatura, o "desemprego real"?). O que fez foi trabalho jornalístico e/ou "trabalho" político. mas, tratando-se do Observatório, dando-lhe um cunho pretensamente científico. E aí é que, a meu ver, reside a crítica ao Observatório.

Nuno Serra disse...

Caros Anónimos (de 23 às 13h22 e de 24 às 12h12),

Uma nota apenas, a juntar a algumas observações e referências que outros leitores já aqui deixaram:

Como será que os «conceitos» foram surgindo e sendo, ao longo do tempo nas diferentes áreas científicas, assumidos como «científicos»?

A menos que exista uma espécie de livro sagrado e intemporal, que defina as perspectivas e os conceitos que se podem e não podem utilizar, parece-me bastante fácil perceber que a evolução das ciências passa justamente por ir incorporando (ou marginalizando) teorias, conceitos e expressões que - até dado momento - eram consideradas como «exteriores» ao leque de conceitos existente.

Para dar um exemplo extremo: se para que o seu trabalho pudesse ser verdadeiramente considerado como científico, os Físicos tivessem que pensar recorrendo exclusivamente às teorias e aos conceitos «consagrados» a dado momento pela Física, as palavras «relatividade» ou «quântico» seriam ainda hoje consideradas «apócrifas», «não científicas».

Na verdade, será certamente mais fácil encontrar análises em publicações científicas (livros, revistas, artigos) que tratem da diferenciação entre, por exemplo, «desemprego em sentido restrito» e «desemprego em sentido amplo», do que o tal livro mágico e intemporal que estabelece que conceitos se podem e não podem usar para produzir conhecimento.

E este assunto sobre torres de marfim e fronteiras torna-se tanto mais disparatado quanto o tema é suficientemente interessante e controverso para permitir um debate substantivo, assente em argumentos construtivos.

Anónimo disse...

"Como será que os «conceitos» foram surgindo e sendo, ao longo do tempo nas diferentes áreas científicas, assumidos como «científicos»? "

Faz parte do processo científico propor e acrescentar novos conceitos. Mas para isso é necessário que (simplificando) a sua proposta e definição assente em sólidas bases conceptuais e que sejam sujeitos ao escrutínio dos pares. O que não me parece de todo aceitável numa instituição de carácter científico é que calcule um indicador (neste caso desemprego "real" - com aspas !) sem previamente sujeitar o conceito que lhe está subjacente, o seu significado preciso, a sua forma de cálculo, ... à opinião crítica da restante comunidade científica.
Note que ressalvo aqui que não sou especialista na área (a minha área de investigação é outra) por isso baseio o que afirmei apenas no facto de até agora não ter sido apresentada qualquer referência científica que defina o conceito de 'desemprego "real"' nem uma simples pesquisa no Google Scholar (real unemployment" ter produzido qualquer resultado.

Nuno Serra disse...

Muito bem caro anónimo, inteiramente de acordo. O estudo aí está, disponível para debate e escrutínio com os pares (e já agora os "impares" também).
Já agora, deixe-me dizer-lhe que, como é hábito, o Observatório promoveu um debate publico, aquando da sua apresentação.

Anónimo disse...

"Já agora, deixe-me dizer-lhe que, como é hábito, o Observatório promoveu um debate publico."

Caro Nuno Serra,
penso que não está a distinguir dois planos de actuação do Observatório:
- o plano científico;
- o plano "público" (divulgação e análise de resultados);

O debate público (divulgação e análise de resultados) não tem qualquer relevo para a definição de conceitos.
Poderia ter tido: se tivesse, por exemplo, sido conduzido à priori um debate público (focus group, ...) para identificar preocupações dos cidadãos, linguagem utilizada, ... (não sou sociólogo).

Realizado à posteriori não tem qualquer relevo para a definição da variável (desemprego "real") ou da sua forma de cálculo. Serve apenas (salvo seja) para discutir os resultados, e essa deve ser uma preocupação de qualquer entidade do sistema científico, em particular um Observatório de Ciências Sociais.

Mas a questão coloca-se noutro plano, prévio: o plano científico. Não faz sentido uma instituição do sistema científico (porque é nessa qualidade que ela é percebida no momento do debate público) defina um indicador, o calcule e apresente os resultados para discussão pública sem previamente sujeitar o conceito que lhe está subjacente, o seu significado preciso, a sua forma de cálculo, ... à opinião crítica da restante comunidade científica (um debate público de divulgação não cumpre esta função).
Se assim não for, o Observatório não se distingue de um órgão de comunicação social (como o Expresso), que pegou nos dados disponibilizados pelo INE e os agregou sem qualquer método reconhecido e validado previamente pela comunidade científica.


Anónimo disse...

Mais uma pequena achega.

"disponível para debate e escrutínio com os pares ..."

O escrutínio com os pares (outros intervenientes no sistema científico) faz-se noutros fóruns: revistas científicas, conferências científicas, ... e não em debates públicos.

Nuno Serra disse...

Demorei um pouco mas acho que já percebi: o estimado Anónimo das 14h58 e 15h01 o que quer mesmo é restringir a discussão a estes rodriguinhos em torno da normatividade científica, não é?
Enquanto andamos nisto, o essencial do debate fica a marinar, certo?

Anónimo disse...

Caro Nuno Serra,

A questão de fundo mais importante é sem qualquer dúvida a análise do desemprego. Nesse sentido a análise do Expresso, do Observatório e do FMI aí estão para que o assunto possa ser discutido publicamente.
Sem prejuízo, pensei (erradamente) que também estava interessado em reflectir sobre a forma de actuar do Observatório.
Peço desculpa por ter tomado o seu tempo e, principalmente, por ter ocupado o seu espaço de comentários. Se quiser pode apagar esta discussão lateral para não desviar a atenção do essencial do seu post. Pessoalmente gostei da oportunidade de reflectir sobre o assunto. Obrigado.

Anónimo disse...

O Anónimo das 14h58 e 15h01 acha que conhecimento é só o habitual.

Nunca aceitaria o salto das newtonianas para as relatividades.

Chama-se burocracia funcionária, essa que à análise prefere o cálculo.

Nuno Serra disse...

Caro anónimo,
Não dei o meu tempo de troca de impressões consigo por perdido. E é bom saber que reconhece existirem dois planos na discussão (pedindo-lhe desculpa por isso pelo processo de intenções que acabei por formular, injustamente).
Sucede porém que fiquei com a percepção de que as opiniões chegaram a um ponto irredutível. Não tem mal nenhum. Trocámos pontos de vista. O consenso não é necessariamente o bom desfecho de debates.
Cumprimentos

Anónimo disse...

24 de abril de 2015 às 09:22:

A culpa é dos homens não do sistema?

Mas que disparate é este?

Sistema como validado cientificamente, pelo que o seu mau uso depende de quem o usa?

Um rotundo disparate.Desde quando um sistema iníquo pode continuar a sua órbita em volta da terra?


Mas infelizmente o disparate continuia.
Todos os sistemas são bons pelo menos no papel?

Oh anónimo.Mas o esclavagismo hoje em dia ninguém o defende,pelo menos no papel.

Claro que na prática,essa é outra história. E neste estado do Capitalismo há mesmo quem o defenda na prática quotidiana.

De