sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Políticas de fomento e a retórica vazia do neoliberalismo

“Há século e meio que se tem evocado a pobreza e a fraqueza da economia para justificar o intervencionismo e políticas de ‘fomento’ que nunca libertaram o país dessa mesma pobreza. Não será altura de experimentar um caminho diferente?” José Manuel Fernandes (JMF) termina assim o seu artigo publicado no público de hoje. Fico a pensar se dedicará o artigo da próxima semana a descrever o tal “caminho diferente” que refere.

Pois eu gostaria de saber se JMF conhece alguma economia avançada do mundo que tenha desenvolvido as suas forças produtivas sem ‘políticas de fomento’. Achará JMF que foram ‘as livres forças de mercado’ que, por si só, permitiram à Alemanha ter um sistema ferroviário em meados do século XIX, um sistema de formação a partir de finais desse século e uma rede rodoviária em meados do século XX, elementos que se revelaram essenciais à ascensão daquele país como potência industrial? Ainda viverá na ilusão de que a Inglaterra poderia ter-se tornado campeã do comércio livre no século XIX sem antes ter vivido três séculos de ‘fomento industrial’ (com protecção aduaneira, apoio à espionagem industrial, apoio à construção de redes de canais, apoios ao investimento privado, etc.)? Acreditará JMF que os EUA teriam o poder tecnológico que têm hoje sem políticas públicas agressivas de ‘fomento’ da ciência e da tecnologia? Ou que o desenvolvimento das economia asiáticas mais avançadas (Japão, China, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura, etc.) se fez sem uma fortíssima intervenção do Estado, mobilizando recursos para sectores estratégicos seleccionados, investindo massivamente em educação, assegurando o escoamento de produtos de indústrias nascentes, promovendo de forma agressiva as exportações, impondo restrições e condições ao investimento estrangeiro (associadas, nomeadamente, à transferência de tecnologia)?

Gostaria de saber se JMF considera possível a economia portuguesa desenvolver-se sem que o país recupere o atraso histórico em educação, sem apostar no desenvolvimento científico e tecnológico, sem assegurar infraestruturas de transporte e logística que minimizem as desvantagens associadas à localização periférica do país, sem criar condições (nomeadamente de acesso a financiamento) favoráveis ao desenvolvimento de novas actividades, sem assegurar o ordenamento do território e a qualidade ambiental. Se acha que não, gostaria então que me demonstrasse – de preferência com exemplos de outros países – como é possível obter estes avanços sem uma forte intervenção do Estado.

Cometeram-se muitos erros e fizeram-se demasiados negócios desastrosos à boleia das políticas de fomento? Sem dúvida. Mas, na generalidade dos casos, os países que mais avançaram economicamente foram aqueles que se empenharam em construir condições institucionais para minimizar esses riscos – e não os que optaram por abdicar de 'políticas de fomento'.

12 comentários:

joao disse...

tenho uma proposta para fazer.
Dado que não há uma única ideia do José Manuel Fernandes que seja digna de nota, que tal nós o ignorarmos para não lhe dar importância que de facto não tem.

António Pedro Pereira disse...

Caro Ricardo:
A sua explicação (desmontagem da «ignorância») de JMF foi-nos útil, mas não perca mais tempo com aquela aventesma.
A narrativa dele (e dos seus «compagnos de route») tem outros objectivos que estão muito para além da discussão de caminhos de progresso a seguir pelo país.

Anónimo disse...

Eu gostaria q pessoas como o Ricardo tivessem mais acesso aos media mainstream e de caminho demonstrassem a fraude intelectual que é JMF!

Unknown disse...

Nem o Ricardo nem outros como o Ricardo terão acesso aos "grandes" órgãos de comunicação. A gente sabe porquê. Porque nem o Ricardo nem outros se vendem por um emprego bem remunerado.

Anónimo disse...

Não vale a pena demonizar o JMF. O papel do Estado tem sido de facto fundamental para o desenvolvimento do país ao longo da sua História. Mas o dos privados também. No século XV e XVI, a expansão foi dirigida pela coroa e os privados de então viajaram à 'boleia' e privatizaram os lucros. O Estado voltou tão pobre como partiu. Subsiste hoje em dia um problema, que não é pequeno, que é o da 'captura', como agora se diz, do Estado pelos grandes grupos e interesses. Sem resolvê-lo não vamos a lado nenhum.

Coelho, Jorge disse...

JMF, ex "his master voice" do Público, quem é esse gajo?!?

Coelho, Jorge disse...

JMF o director da revista dos emigrantes holandeses? essa brilhante cabeça, esse intelectual de génio, o empreendedor e o diretor da equipa para definir o que é serviço público de comunicação?
Concordo que estamos a dar exagerada importância a este sucedâneo de Camilo Lourenço ou vice versa.

Para a Posteridade e mais Além disse...

Injectou-se tanto dinheiro no atraso histórico na educação e em 101 anos o atraso histórico tornou-se congénito.

Eficiência no investimento nas políticas de fomento é muito mais importante do que inflaccionar as ideias de fomento e a economia real
(e a outra)
senão obtemos efeitos redistribuitivos muy injustinhos nesses fomentos politizados

historicamente o fomento estatal teve bons momentos na URSS e péssimos na DDR (ou RDA)...mas a cada qual as suas ficções económicas

é uma ciência(pseudo)muy emocional
basta ver o que aí vem....

António Dias disse...

Temos de desculpar JMF, até porque agora é um simples comentador em part-time. Sim. Descobri noutro dia que agora se dedica à construção civil. E com grande sentido autocrítico: ainda noutro dia o vi dizer no "Combate de Blogs" que "construímos casas a mais". É uma certeira alfinetada nos irresponsáveis colegas empreiteiros.

João Carlos Graça disse...

Caro Ricardo
Muito obrigado por trazer o Chang para a discussão. Aproveito para lembrar também que o Sistema Nacional do List foi publicado entre nós há poucos anos pela Gulbenkian, reparando-se assim uma falha escandalosa no nosso panorama editorial: http://www.tiraqui.com/loja/produto.php?id=1924
Quanto à aventesma, bom, trata-se duma personagem estritamente pós-moderna, isto é, estamos perante um mero simulacro, um trompe l'oeil... um ser cuja "essência" se reduz ao respectivo parecer. E fica tudo dito. Desviemos, pois, rapidamente daí o olhar.
Ah... mas um reparo tem de ser feito, que tem aliás a ver sobretudo com aspectos de retórica.
A palavra "fomento" evoca evidentemente os "planos de fomento", o que ajuda a manter a pintura do Estado Novo como pretensamente "intervencionista" e "regulador", até mesmo "estatista" e "autárquico" (ou "autárcico"), a que se contraporia um regime democrático fantasticamente desregulador, favorável à "economia aberta", modernizador, claro, e tendendo geralmente para posições não intervencionistas, "liberais" ou "liberistas".
Claro que tudo isto é uma enorme zurrapa ideológica/doutrinária da pior, aliás com pouquíssima adesão à factualidade.
A ideia do "fomento" vem já dos fins da Monarquia e perpassa toda a história da I República, onde permanece associada a círculos "seareiros", entre outros. Configura no fundamental um projecto desenvolvimentista, que entre nós permaneceu infelizmente falhado e subalterno.
Salazar coopta-a parcialmente depois, sim, aliás num contexto global de "consenso keynesiano", mas ela não tem nada a ver com o projecto "intrínseco" do Estado Novo, ao contrário do que muita historiografia liberal mainstream, de direita e "de esquerda", tem andado por aí a garantir erradamente.
Mas essa historiografia condiciona ela própria erradamente o debate democrático? Ah sim, isso condiciona. E veja lá o que nós todos lhe podemos já agradecer, que mais não seja, pelo que ela contribuiu para que o país (de direita e "de esquerda") comprasse por exemplo a retórica europeísta pelo respectivo valor facial...

Maquiavel disse...

Vou fazer a analogia com a agricultura (tanto em voga, já que em Portugal o que há mais é bom campo fértil ao abandono):

Para medrar um rebento e criar uma planta vigorosa o que é que se faz? Faz-se um canteirinho com terra especial mais nutritiva, ata-se a uma estaca para crescer amparada, cobre-se com plástico por causa do granizo, enfim, tem-se todo o cuidado. E depois de tudo, aduba-se.

Quando a planta estiver forte, grossa, resistente, aí sim, deixamos de cuidar tanto dela, é só regar e podar.

Mandando um bago para a terra e deixá-la à mercê das intempéries, predadores, pragas, ... ela morre antes sequer de pensar em dar fruto.

O agricultor é o Estado, se ainda näo perceberam.

É o mesmo com uma economia. Por isso Keynes sempre disse que austeridade fiscal só quando a economia está em crescimento.

Maquiavel disse...

Esta retórica dos neoliberais faz-me lembrar aquela gente que muito fala em democracia...

... do tipo os que estäo em grupo a decidir onde comer, häo várias hipóteses, e antes que se discuta o valor de cada uma dizem logo "EHPÁ, vamos mas é votar imediatamente" porque lhes parece que sem maior discussäo a opçäo DELES vai ganhar.

Alguém já inventou o paradigma do "falso democrata"? Ou acabei de o inventar?