segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A consciência de um economista de esquerda

«O premio Nobel da Economia foi atribuído ao norte-americano Paul Krugman pelo seu trabalho sobre as trocas comerciais» (Público). Prémio em memória de Alfred Nobel. Atribuído pelo Banco Central da Suécia. Um reconhecimento raramente dado a economistas críticos. O fim da era Bush e a crise devem ter ajudado. A Economia é sempre política. Mas o prémio é merecido do ponto de vista estritamente científico (se tal ponto existe em Economia...). Geografia económica. Vejam a posta do Ricardo abaixo. Para além do mais, Krugman é um dos pioneiros na introdução da concorrência imperfeita nos modelos convencionais de comércio internacional. Fica tudo muito mais complicado. O «vício ricardiano» tem de ser abandonado. As políticas tornam-se cruciais.

Krugman, cada vez mais crítico, defende hoje que a globalização pode ter impactos muito negativos. Por exemplo, na distribuição do rendimento. Uma das suas áreas actuais de investigação. Foi, juntamente com Stiglitz, um dos mais visíveis críticos do FMI na altura da crise asiática. Saudou os controlos de capitais e denunciou a liberalização da conta de capital num livro intitulado «O regresso da Economia da depressão» que publicou nessa altura. E a depressão regressou mesmo.

Mesmo hoje em dia, com toda a evidência disponível, ainda é ousado argumentar, como Krugman faz, que o enfraquecimento dos sindicatos norte-americanos, resultado em larga medida de políticas públicas deliberadas, teve um impacto socioeconómico negativo nos EUA. Juntamente com outras alterações institucionais regressivas, este enfraquecimento foi um dos grandes responsáveis pela emergência de um brutal e perverso padrão de desigualdades salariais.

Krugman reconhece, como o Ricardo já aqui tinha indicado, que as normas sociais e políticas contam na economia. E devem ser tidas em conta na Economia. Defende um seguro de saúde universal. Ousadia das ousadias: os impostos progressivos não impedem, muito pelo contrário, a prosperidade económica. Leiam esta entrevista na indispensável Alternatives Economiques. A economia é um campo de conflito social em torno das fronteiras e das regras do mercado e de outras instituições e da distribuição de recursos e de poder.

Enfim, um merecido Prémio em memória de Alfred Nobel para um economista e intelectual público muito corajoso. Um excelente bloguer. Também por isso nunca pensei que ganhasse. Parece que a Economia e a economia estão mesmo a mudar. Um símbolo do fim do consenso neoliberal.

10 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

O argumentum ad nobelum também é válido quando são o Friedman ou o Hayek a ganhar o prémio?

Luis Gaspar disse...

Não concordo nada, mas nada consigo, caro João. O Krugman é responsável por uma defesa intransigente da metodologia neoclássica (ver por exemplo os artigos em que exalta o formalismo e a matematização, ou os debates com Galbraith em que diz que tudo o que não é matematizável não é científico), e usa sempre a maximização da utilidade para fechar os seus modelos económicos. Eu gosto bastante de Krugman, mas não entendo que seja de esquerda, nem muito menos um heterodoxo.

Mesmo o que ele pensa da globalização é sempre dito como um "apesar de inequivocamente aumentar o bem-estar dos países que trocam livremente, pode aumentar a desigualdade".

Luis Gaspar disse...

Acabei por fazer um post sobre isso. Não me apetecia, porque cada vez gosto menos de falar de Economia, mas foi mais forte que eu. Abraço

Miguel Madeira disse...

"Não concordo nada, mas nada consigo, caro João. O Krugman é responsável por uma defesa intransigente da metodologia neoclássica (...), e usa sempre a maximização da utilidade para fechar os seus modelos económicos. Eu gosto bastante de Krugman, mas não entendo que seja de esquerda,"

O que é que tem a ver a metodologia neo-clássica com ser de esquerda ou de direita? ou vai-me dizer que o Rothbard ou o Israel Kirzner são de esquerda?

Alvaro Santos Pereira disse...

João,

O Krugman (ou o Dani Rodrik ou até o Brad deLong) é menos de esquerda do que a grande maioria dos nossos politicos, incluindo Manuela Ferreira Leite ou Marcelo Rebello de Sousa.
Todo o trabalho do Krugman tem apontado para a insuficiência e irrazoabilidade dos modelos neoclássicos mais simples. No entanto, isto não quer dizer que Krugman seja de "esquerda", pelo menos da mais tradicional.

Um "Liberal" ou um Democrata nos Estados Unidos é muito mais de direita do que a maior parte dos políticos de direita europeus. Krugman não é uma excepção.

Alvaro

Luis Gaspar disse...

"O que é que tem a ver a metodologia neo-clássica com ser de esquerda ou de direita? ou vai-me dizer que o Rothbard ou o Israel Kirzner são de esquerda?"

É uma confusão lógica a sua, se me permite. Pode-se ser de direita e ser contra a metodologia (como a escola austríaca), mas não se pode ser verdadeiramente de esquerda e aceitá-la.

L. Rodrigues disse...

Filipe,
Sim... E o Egas Moniz foi um grande cientista, mas a lobotomia já não tem o valor que tinha.

Miguel Madeira disse...

"É uma confusão lógica a sua, se me permite. Pode-se ser de direita e ser contra a metodologia (como a escola austríaca)"

Realmente, reconheço que o meu raciocinio era um bocado "se os humanos não são répteis e os gafanhotos não são répteis, então os humanos são gafanhotos"

"mas não se pode ser verdadeiramente de esquerda e aceitá-la."

Porquê?

Luis Gaspar disse...

Miguel, porque existe uma ideia central na esquerda (na esquerda europeia, vá) que é a existência de classe. A metodologia em causa é o individualismo metodológico, ou a enunciação de postulados básicos sobre o indivíduo e a consideração da sociedade como uma soma (ou agregação) destes indivíduos. É fácil de ver que esta metodologia encerra a possibilidade de haver factores sistéticos de sociedade, quanto mais de classe. Esta metodologia na verdade impede qualquer consideração de poder ou classe.

É por isso que considero que ser de esquerda implica a rejeição desta metodologia, pelo menos a nível macro (considero, ao contrário de muitos economistas amigos, que a nível micro a economia neoclássica tem algumas coisas a dizer, nomedamente na economia industrial, mas isso é outra história).

Miguel Madeira disse...

http://ventosueste.blogspot.com/2008/10/economia-neo-clssica-e-esquerda.html