segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Então os salários dos gestores não eram um assunto privado?

Um dos aspectos mais caricaturais da actual crise financeira é o discurso generalizado de diabolização dos gestores das empresas financeiras, cuja a ganância desmedida é apresentada como estando na origem da crise. Tal como nos conta o Luis Rego (correspondente do Diário Económico em Bruxelas) na sua coluna de hoje: «A Comissão Europeia (...) propôs em 2004 um quadro de referência para tornar os salários dos gestores mais transparentes, sobretudo para os accionistas. Apenas um país o adoptou. E no entanto todos os ministros e líderes europeus andaram no último ano com uma linguagem marxista a diabolizar na praça pública a gula salarial e a tratar os gestores (em abstracto, claro) como sanguessugas do sistema.»

A farsa continua agora com o texto adoptado ontem pela cimeira de Chefes de Estado e de Governo da zona euro, onde se lê: «estaremos atentos aos interesses dos contribuintes e garantiremos que os accionistas e gestores actuais irão suportar as consequências da intervenção». Só não explicam é como - e eu percebo a dificuldade. É que, como explica bem Crotty neste texto indispensável, a arquitectura do sistema financeiro está montada de forma a promover comportamentos de alto risco (embora conformes com o actual quadro legal laxista), os quais favorecem os lucros das empresas financeiras (e, logo, os bónus atribuídos e os dividendos pagos aos accionistas) enquanto os tempos são de bonança, mas que aprofundam a fragilidade do sistema e aumentam a propensão para a ocorrência de crises. Quando as coisas correm mal ninguém lhes pode pedir de volta o dinheiro que ganharam. De uma forma ou de outra, serão os contribuintes a pagar agora a irresponsabilidade dos agentes da finança.

Este problema de 'risco moral' é um dos motivos pelos quais se insistiu inúmeras vezes neste blog (por exemplo, aqui, aqui e aqui) que o salário dos gestores de topo não é, não pode ser, um assunto exclusivo das empresas e dos seus accionistas. Para garantir o mínimo de equidade e de sentido de justiça, não há alternativa ao controlo público do que se passa dentro das empresas.

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