terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Pôr @s deputad@s a debater o desenvolvimento do país

A economia e a sociedade portuguesas apresentam debilidades estruturais que irão condicionar as possibilidades de desenvolvimento do nosso país por muitos anos, qualquer que seja a evolução macroeconómica e o contexto político europeu nos tempos mais próximos.

Portugal tem um dos níveis de habilitações mais baixos do mundo desenvolvido. Uma estrutura produtiva especializada em sectores de baixo valor acrescentado e pouco intensivos em conhecimento. Uma elevada dependência energética. Um tecido empresarial pouco dinâmico. Grandes grupos económicos centrados em sectores rentistas. Partidos do arco do poder que se revelam demasiado vulneráveis à captura por interesses particulares. Um sistema de justiça disfuncional. Níveis de desigualdade social extremamente elevados, que são causa e consequência das debilidades anteriores.

Apesar da sua relevância, o espaço concedido pela comunicação social portuguesa a estas questões é reduzido, especialmente quando comparado com o destaque dado a polémicas circunstanciais, como os dados mais recentes do PIB ou do défice orçamental, para não falar dos faits-divers irrelevantes que enchem o horário nobre das televisões. Não é de admirar: os temas que mais interessam ao desenvolvimento do país são complexos e pouco dados a polémicas superficiais que fazem vender jornais. Rendendo-se com facilidade à agenda mediática, o debate parlamentar tende, também ele, a prestar pouca atenção a várias das questões fundamentais para o nosso futuro colectivo.

Visando contribuir para contrariar estas tendências, apresentei três propostas que foram integradas nas linhas programáticas do Tempo de Avançar. Como a exclusividade programática e os direitos de autor não são para aqui chamados, partilharei estas propostas com todos os partidos que estão empenhados em encontrar um novo rumo para o país e que tiverem paciência para me ouvir. As propostas são:

1º A adopção pela Assembleia da República de uma bateria de indicadores de desenvolvimento sustentável, sustentado e inclusivo, que permita a monitorização permanente da evolução do país nas vertentes económica, social e ambiental (uma ideia inspirada na experiência australiana).

2º A criação de uma unidade técnica de apoio à avaliação de políticas – à semelhança do que foi feito para o acompanhamento da execução orçamental em Portugal, com a criação da UTAO – que sustente tecnicamente o trabalho da Assembleia da República na monitorização e avaliação das políticas públicas de desenvolvimento (uma ideia inspirada na experiência do Congresso Federal dos EUA).

3º O agendamento obrigatório de uma sessão parlamentar anual para debate do Estado do Desenvolvimento do País, tendo em vista a discussão dos indicadores referidos acima e de estudos relacionados, bem como das políticas públicas que visam prosseguir aqueles objectivos.

Seguramente, não será pela mera implementação destas propostas que as debilidades estruturais de Portugal serão superadas. Mas são medidas que podem ajudar a focar as atenções no que verdadeiramente interessa a médio e longo prazo, o que é um passo na direcção certa.

Em qualquer caso, ficamos com todo o curto prazo para gerir: a começar por definir uma estratégia consequente de relação com as instituições europeias e com outros governos nacionais da UE, de modo a responder aos bloqueios que representam a dívida, a austeridade e as ameaças veladas do BCE e do eurogrupo a que estão permanente sujeitas as democracias europeias que decidem funionar como tal.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Leituras

«O holandês, com os caracolinhos de um "pãozinho sem sal" de político "by the book", percebeu que estava numa peça com um "script" que não podia controlar, pelo que, num tom um pouco embaraçado, limitou-se a dizer (lendo-as) as "deixas" que trazia alinhadas de casa. Nada de novo e nada de surpreendente: a UE limita-se a dizer o óbvio da cartilha bruxelense e a deixar que sejam os gregos a ir a jogo e apresentar as novidades. Ai dele se, perante Berlim, cometesse algum erro, ousando um improviso que pudesse vir a ter leituras ínvias. Mais holandês do que socialista (a "Internacional Socialista" é, historicamente, um albergue espanhol, onde cabe sempre mais um), o jovem Dijsselbloem (só soletrar isto divide a Europa!) mostra uma ousadia de movimentos de um moinho do seu país e deve sofrer imenso ao ter de confrontar-se com estes "bárbaros", que põem em causa a ortodoxia do "consenso de Bruxelas".»

Francisco Seixas da Costa, Grécia - Europa

«Nada o impedia de reconhecer que vira Salgado e de lembrar cordatamente o seu dever de reserva. (...) Mas Cavaco, que sempre foi vingativo e provinciano, não ficou pela solução mais lógica e acrescentou muito excitado que nunca comentara a situação do BES, tinha citado simplesmente a opinião do Banco de Portugal sobre o BES. (...) Ora, como o país logo concluiu, o Presidente da República não citaria a opinião do Banco, se não concordasse com ela. E, como o Banco se enganara, isto levou à ruína uns milhares de accionistas e depositantes do BES, que acreditavam na autoridade e no bom senso do dr. Cavaco. (...) O dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o puseram. Este incidente não é uma gaffe inócua e desculpável, é uma intervenção profunda na vida material do país, agravada por uma fuga desordenada à franqueza e à verdade política. O sr. Presidente da República devia daqui em diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou.»

Vasco Pulido Valente, Voto de não-confiança

O FMI tem quase razão...



Felgueiras, fábrica de calçado, 1987



















No passado dia 30 de Janeiro, o FMI voltou à carga com a necessidade de Portugal voltar ao início, com mais cortes nos salários e pensões. Deixou críticas ao enfraquecimento do espírito reformista em vésperas de eleições e apelou "para esforços de revigorar reformas estruturais, de forma a orientar a economia para mais elevadas exportações e investimento, reconstruir o stock de capital da economia e absorver" - e agora leia-se os termos usados para designar desemprego... - a significativa folga de trabalho" ("the significant labor slack"), para criar as fundações de um crescimento sustentável". 

Por outras palavras:
1) o investimento não descola;
2) as exportações não desgrudam das importações;
3) o desemprego não está a ser absorvido por aquela magnífica criação de postos de trabalho que o Governo e a Maioria tanto repetem estar a acontecer.
4) o crescimento não está a ser sustentado.

Ou seja, a receita não está a funcionar. 

Sobre este relatório, já Nicolau Santos disse tudo na Antena 1, no programa de hoje das "Contas do dia" (é possível que não esteja já disponível hoje, mas a crónica é imperdível).

Estatísticas das Empresas, INE
Em todo o seu mandato, o Governo esteve bastante empenhado em reduzir os gastos de pessoal, o que redundou numa enorme transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, sem efeitos na melhoria de competitividade externa.

Agora, no final de mandato, deveria ocupar-se dos restantes 80% dos custos de produção, nomeadamente nos serviços externos contratados pelas empresas, como energia, telecomunicações, etc., etc... Aliás, na linha do que sempre foi reivindicado pelas confederações patronais, quando se reuniram pela primeira vez com a troika, em 2011.

Os sindicatos poderão dizer: "Nós já pagámos, agora paguem os outros".

Venham, pois, as reformas estruturais!

Dos mitos, da casta

A semana passada, marcada pela discussão em torno dos efeitos de uma palavra que é grega, confirmou a natureza da sabedoria convencional das elites nacionais, as que se imaginam no centro europeu, as que se imaginam no topo da cadeia imperialista, credoras, a olhar de cima a chusma periférica: ridículas, certamente; desonestas, claro; objectivamente antipatrióticas, sempre; perigosas, sobretudo. Consideremos só um exemplo, mas bem representativo: dizem-nos com gravidade que cada português terá já emprestado, em média, mais de 250 euros aos paralíticos gregos e que por isso cada português deve seguir fielmente a linha alemã papagueada pelas elites. Ninguém pode esquecer que globalmente Portugal é um país devedor ao estrangeiro, obra da integração disfuncional em que os da “Europa connosco” nos meteram, e dos maiores devedores mundiais em termos relativos (mais de 100% do PIB, em termos líquidos). Ninguém pode esquecer por isso que Portugal é o país que mais tem a ganhar globalmente com o precedente que seria aberto por uma reestruturação bem sucedida da dívida oficial grega, mesmo que perdesse parte do que emprestou à Grécia. Isto é simples, mas é algo que é ofuscado pela sabedoria convencional. Nós estamos na periferia, entre os devedores, mas temos uma elite que fala e age como se não fosse daqui. E sabem que mais? Num certo sentido não é mesmo, dado que a sua posição depende, hoje mais do que nunca, da dependência do país face ao centro, face a Bruxelas-Farnkfurt. A palavra casta aplica-se a uma gente que olha para o povo grego da mesma forma que olha para o povo português. Está na altura de reciprocar: nunca as questões nacional e social estiveram tão imbricadas e nunca o patriotismo, da Grécia a Portugal, foi tão internacionalista...

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A quem compraria o carro em 2ª mão?

Há qualquer coisa de desmistificador nesta imagem da conferência de imprensa entre o presidente do eurogrupo e o ministro grego das Finanças.

Já nem falo de Varoufakis – à semelhança de Alexis Tsipras – não usar gravata, como um sinal de desconfiança pelos símbolos de honradez numa sociedade dominantemente burguesa. É o facto de a imagem ser ela mesma um confronto. Entre um funcionário obediente, de óculos aprumados e cabelo em desalinho organizado, que tem todo o ar de ter sido promovido para apenas repetir que os compromissos são para cumprir e que as reformas estruturais para ser introduzidas; e o ar arejado de um ministro que visualmente nada tem a ver com a burocracia nem com os joguinhos de alcatifa nos corredores comunitários.

E deve ter sido isso que assustou tanto. As declarações de Varoufakis pareceram apenas ilustrar essa sensação: um aparentemente ofendido Jeroen Dijsselbloem terá dito quando se levantou: “Acabaste de matar a troika” , enquanto um descontraído Varoufakis terá respondido: “Uau”.

A imagem foi tão clara que os jornalistas presentes e os que mais tarde a viram com tradução legendada ou dobrada acharam que Varoufakis terá cortado com as instituições que compõem a troika. E que a carta que Tsipras enviou à agência Bloomberg teria sido um recuo da posição inicial de Varoufakis. Cá escreveu-se sobre o recuo ou tentativa de sossegar os mercados. E até aquela triste figura do “comentador” Marques Mendes deu conselhos ao governo grego para não ser radical, entroncando o seu discurso ofendido com a posição oficial do Governo e da troika.

Agora, ouça-se um Varoufakis a descompor a jornalista da BBC pela deficiente cobertura jornalística


Interessante. Até parece que a campanha internacional já começou. Mas a quem é que compraria um carro em 2ª mão? (Se está com dúvidas, leia: "Mestrado falso obriga presidente do Euroogrupo a corrigir currículo")

A estatística está contra esta política

Revisão em baixa do investimento empresarial em 2014 e expectativa de  redução em 2015, diz o INE: é a procura, como não nos cansamos de defender por aqui, indicando que toda a conversa sobre a transformação estrutural é uma fraude, porque sem investimento não pode haver modernização indutora de ganhos de produtividade.


Entretanto, o risco de pobreza continuou a aumentar em 2013, diz o INE: crianças, desempregados e trabalhadores com baixos salários, ou seja, pobres são as principais vítimas de uma política iníqua e ineficiente; a desigualdade faz mesmo muito mal à economia, até porque comprime a procura que é popular...

The times they are a-changin'



«Come senators, congressmen ▪ Please heed the call ▪ Don't stand in the doorway ▪
Don't block up the hall ▪ For he that gets hurt ▪ Will be he who has stalled ▪
There's a battle outside ▪ And it is ragin' ▪ It'll soon shake your windows ▪
And rattle your walls ▪ For the times they are a-changin'»

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

A bazuca não é o que parece


"Bazuca", "dragon ball", "passo histórico". As metáforas superlativas para caracterizar o novo programa de quantitative easing (QE) europeu têm sido muitas, mas as certezas em relação ao seu impacto efectivo são bastante menos. É normal que assim seja: estão em causa mecanismos complexos num contexto que é ainda mais complexo. Na minha análise, o QE europeu não é exactamente o que parece. Não é uma bazuca, não tem uma escala sem precedentes e provavelmente não dará origem a uma expansão da massa monetária. Mas do ponto de vista político é um passo importante em direcção a uma solução possível para parte dos problemas da zona Euro. Vamos por partes.
O QE não é bem o que parece
À primeira vista, o novo programa de QE é uma programa não-convencional de expansão monetária, uma forma do BCE imprimir Euros a uma escala sem precedentes de modo a aumentar a oferta de moeda e actuar de forma contracíclica sobre a procura, estimulando a actividade económica na zona Euro e afastando o espectro da deflação.
Claro que não se trata de imprimir Euros literalmente, mas metaforicamente. A criação de moeda ocorre de forma escritural, através da concessão de créditos ao bancos (reservas adicionais que estes passam a deter junto do BCE) em troca de títulos da dívida pública de estados de zona Euro e de títulos de participação no BEI e em fundos como o Mecanismo de Estabilidade. Nesse sentido, o BCE propõe-se expandir a chamada base monetária, agregado monetário que é constituído pela soma das notas e moedas físicas com as reservas detidas pelos bancos junto do banco central.
E é aqui que encontramos o primeiro aspecto em que o QE não é o que parece: não é uma expansão da base monetária a uma escala sem precedentes. Os valores anunciados (€60 mil milhões por mês, €1,1 biliões no total) não representam uma mudança de paradigma ou alteração radical face à escala das expansões da base monetária da zona Euro levadas a cabo pelo BCE nos últimos anos. Em particular, a concessão de créditos de baixo custo ao sistema bancário no âmbito do programa  Long-Term Refinancing Operation, ou LTRO , em finais de 2011 e meados de 2012, correspondeu a um aumento da base monetária em cerca de 700 mil milhões de Euros em poucos meses, o que não está longe da escala do QE agora anunciado. 

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Aproximações à verdade


Mais do que nunca, devemos deixar bem claro que não há meio caminho entre o confronto e a capitulação. O momento da verdade está próximo.

Stathis Kouvelakis

Um dos melhores intérpretes da ideia da teoria política enquanto pensamento da conjuntura que eu conheço nos dias de hoje é o filósofo grego Stathis Kouvelakis, Professor em Londres e membro do comité central do Syriza (da sua ala esquerda, digamos). Vale a pena ler o que escreveu numa revista, a Jacobin, que não me canso de recomendar para quem queira ter acesso a um pensamento socialista tão clássico quanto renovado (oportunamente traduzido). Para quem quiser saber muito sobre o Syriza no contexto da formação social grega, esta longa entrevista é indispensável.

Entretanto, o novo Ministro das Finanças grego é o economista heterodoxo Yanis Varoufakis, coautor da proposta pouco modesta para um relançamento euro-keynesiano da integração europeia e especialista em teoria dos jogos, uma ferramenta que até pode dar muito jeito para pensar interacções estratégicas. Por outro lado, Costas Lapavitsas, economista da Universidade de Londres e coautor de uma das melhores análises críticas do euro e dos meios de dele sair, foi eleito deputado do Syriza. A aliança com os nacionalistas democráticos de direita confirma a opção por uma atitude negocial firme, sendo, juntamente com a paragem das privatizações ou a intenção de subida do salário mínimo, uma excelente notícia. Trata-se, como afirmou Jacques Sapir, de privilegiar a luta pela recuperação da soberania, a contradicção principal da presente conjuntura histórica. A vitória e a derrota democráticas jogam-se aqui, ou seja, na conquista ou não de margem de manobra para as escolhas colectivas que fazem a diferença.

Enfim, Varoufakis pode ter o plano A, mas creio que é Lapavitsas que tem o plano B. Dado que quem manda no centro se recusará a abrir um precedente para que por todo o lado se diga podemos, é caso para dizer que também no campo dos planos, o B poderá ser o A, o último poderá ser o primeiro. Aproxima-se mesmo o momento da verdade.

Amanhã: Debate sobre decência e Salário Mínimo


«Ao Estado incumbe assegurar "o estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento" (Constituição da República Portuguesa, Artigo 59.º). A questão da redução dos salários "ultrapassa em muito a negociação anual das remunerações e torna-se cada vez mais numa questão geoeconómica". Garantir um salário adequado é um dos fatores constitutivos do Trabalho Digno (OIT) e condição para o exercício da liberdade real dos trabalhadores.» (António Casimiro Ferreira, 2012, "Salário" in Dicionário das Crises e Alternativas)

Por ocasião da publicação do 12º número do Barómetro das Crises, dedicado ao Salário Mínimo, o Centro de Estudos Sociais e o Observatório sobre Crises e Alternativas promovem uma sessão de apresentação e debate na próxima quinta-feira, 29 de Janeiro, a partir das 18h00, no CES Lisboa (Picoas Plaza, Rua do Viriato, 13E). Participam no evento João Ramos de Almeida (Observatório sobre Crises e Alternativas), que apresenta as conclusões do estudo, João Vieira Lopes (Presidente da Confederação de Comércio e Serviços de Portugal) e Pedro Lains (Investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa). O debate será moderado por Manuel Carvalho da Silva (CES). Apareçam.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Ricardo Paes Mamede no Prós e Contras



«Não é pôr os gregos a pagar impostos. É pôr todas as multinacionais na Europa a pagar impostos. Esta ideia de que fugir aos impostos é uma coisa dos cidadãos que recebem 350€ por mês está ao nível daquela ideia de que Portugal entrou em crise porque as pessoas andavam a comprar écrans LCD. É absurdo. Portugal não entrou em crise porque as famílias compraram écrans LCD e os gregos não têm pouca receita fiscal porque são vagabundos e fogem aos impostos. A Europa vive uma situação em que permite offshores e em que - como vimos no caso português, no caso do BES e em todos os casos de grandes empresas internacionais (nós sabemos que existem 18 empresas do PSI20 que não têm sede registada em Portugal) - as empresas declaram a sua sede na Holanda para pagarem muito menos impostos. E outras, mesmo declarando sede na Holanda, não só pagam poucos impostos na Holanda como conseguem, através de offshores, assegurar que não pagam os impostos que devem. Isso é uma responsabilidade da Grécia? As empresas alemãs fazem exactamente a mesma coisa. Há uma diferença fundamental na Alemanha, que tem que ver com o modelo de governação interna das empresas alemãs e que é um aspecto extremamente positivo: na Alemanha os conselhos de trabalhadores têm assento na administração das empresas, o que permite um muito maior controlo daquilo que é a sua actividade e a gestão interna (que leva por exemplo a que o valor bolsista de uma empresa alemã tenda a ser muito mais baixo que o valor bolsista de uma empresa equivalente americana).»

A ver na íntegra este excerto (do Sítio com vista sobre a cidade) de uma das intervenções do Ricardo Paes Mamede no programa Prós e Contras de ontem, sobre a «Grécia e a Europa», no rescaldo das eleições do passado domingo.

Amanhã, debate Le Monde Diplomatique


Tendo como referência o dossier de Janeiro do Le Monde Diplomatique (edição portuguesa), pretende-se aprofundar a reflexão e o debate em torno das questões do desemprego e da precariedade em Portugal, assinalando as suas raízes europeias e propondo pistas para sair de um paradigma fundado nos baixos salários, na desocupação involuntária e em vidas precárias. Apontando-se, acrescidamente, para um novo regime de direitos e de crescimento económico com emprego.

Participam no debate João Ramos de Almeida e Paulo Miguel Madeira (que escreveram o artigo «Desemprego português com raízes europeias», no último número do LMD) e Tiago Gillot (autor do texto «Recibos verdes e Segurança Social: lutar por um novo regime de contribuições e direitos», que integra igualmente a edição de Janeiro). O debate tem lugar no «Associativo» (Rua dos Anjos, 12F, em Lisboa), a partir das 21h30. A entrada é livre.

E se a dívida não for o problema?


A vitória do Syriza ontem abre, sem dúvida, uma nova página no contexto político europeu. Os dados estão lançados e os termos da eventual negociação com a UE bem definidos. O Syriza clama por um perdão da dívida resultante de uma conferência europeia. A probabilidade de tal acontecer é muito reduzida, dada a posição alemã. No entanto, provavelmente esse não será um grande problema no curto prazo. A Grécia já paga pouco sobre a sua dívida – 4% do seu PIB, 2,6% se considerarmos os reembolsos do BCE a que a Grécia tem direito (Portugal não).Com a actual descida das taxas de juro, ainda pagará menos. Acresce que a UE estará disponível a alongar prazos e a descer a taxa de juro ligeiramente nos empréstimos bilaterais, provavelmente substituindo-os por empréstimos do Mecanismo Europeu de Estabilidade. Tais dados apontam por isso para um serviço de dívida muito baixo no curto-prazo, dando alguma margem de manobra orçamental ao novo governo. O Syriza poderá pois deixar de lado a sua exigência, com o argumento da espera por futuras transformações políticas noutros países europeus que fortaleçam esta posição. Isto quererá dizer que a dívida passa a ser sustentável? Não. Este baixo serviço da dívida deve-se em parte à moratória sobre o pagamento de taxas de juro durante dez anos e às baixas taxas de juro praticadas nos mercados. Não é credível que este cenário se mantenha no médio e longo prazos. Qualquer pequena mudança na taxa de juro de mercado implicará um salto no custo da dívida grega, dado o seu tamanho. A dependência do financiamento da EU permitirá a esta um controlo apertado sobre os destinos gregos indefinidamente no tempo.

Mas os verdadeiros problemas que se colocam ao Syriza dizem sobretudo respeito à sua política orçamental. O seu ambicioso plano de relançamento da economia, em torno de 6% do PIB, financiado pelos fundos estruturais europeus e pelo combate à fuga ao fisco, se possível, será muito dificilmente neutro do ponto de vista orçamental. Ora, não é de todo credível que a UE esteja disposta a financiar e fechar os olhos ao agravamento do défice. A única margem de manobra tolerada é a da poupança nos juros atrás assinalada. O confronto tornar-se-á inevitável. Acresce a vontade do Syriza em parar e reverter com as famosas reformas estruturais, nomeadamente no mercado laboral, pondo em causa a "desvalorização interna" desejada pela UE. E aqui chegados, tocamos no ponto essencial dos desafios que se colocam. Com uma “valorização interna” seria possível à Grécia recuperar algum crescimento económico, mas na ausência de política industrial, comercial ou cambial (proibidas pela UE), tal valorização traduzir-se-ia num retorno aos défices externos e à dinâmica de endividamento já que a estrutura da economia seria pouco alterada.

A UE irá fornecer alguma margem de manobra ao Syriza, que poderá ser ampliada se o ataque à oligarquia grega for bem-sucedido. No entanto, ele será insuficiente para qualquer recuperação económica robusta que faça cair o desemprego. O Syriza terá pois que optar, muito rapidamente, entre a vitória de Pirro que a UE lhe oferece ou levar o confronto até às últimas consequências, saindo do euro. Não acho que qualquer dos resultados esteja escrito nas estrelas. Tudo dependerá da correlação de forças sociais interna e da capacidade da mobilização popular influenciar este governo, eleito graças a ela. O que não é opção é esperar por uma qualquer mudança externa na Europa. Ela estará mais dependente da acção do governo grego do que o contrário.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

O Syriza está a falar a sério


Depois da vitória eleitoral de Domingo, o Syriza ficou obrigado a negociar um acordo de governo para viabilizar a sua política, naquilo que ela tem de mais central: a restruturação da dívida. Sem uma restruturação da dívida que imponha perdas substanciais aos credores, incluindo os credores institucionais que detêm, de longe, a maior fatia da dívida grega, qualquer discurso sobre o fim da austeridade é conversa.

Nesse sentido, temos já duas boas notícias: o acordo de governo com o Anel e a nomeação de Yanis Varoufakis como Ministro das Finanças. Sobre esta segunda notícia, a escolha parece-me incontroversa. Varoufakis tem sido um incansável e qualificado defensor da restruturação da dívida e o homem certo para conduzir o que será um processo dificílimo, do ponto de vista técnico e político.


Já a escolha do Anel como parceiro para um acordo de governo tem animado um debate esclarecedor entre a esquerda portuguesa. Não é surpreendente: este partido é conhecido por ter posições contra a imigração e os homossexuais que o colocam nos antípodas de um partido como o Syriza. A esse respeito, são relevantes duas notas: (1) a posição do Anel sobre imigração é semelhante à das grandes famílias europeias (PPE e Socialistas) e, portanto, compará-lo à Frente Nacional ou à Aurora Dourada é um exagero que só pode ter propósitos propagandísticos. (2) O acordo Syriza-Anel incidirá sobre as questões económicas e da dívida, deixando de parte qualquer compromisso sobre direitos individuais, área em que as posições são antagónicas e o Syriza tem parceiros bem mais frequentáveis. Era melhor que o Syriza tivesse tido maioria absoluta para dispensar más companhias? Era. Mas não teve.

Seria melhor o Syriza ter privilegiado outros parceiros? Quais, então? O Partido Comunista Grego aceitou reunir com o Syriza, mas apressou-se a adiantar que não faria qualquer acordo de Governo, em coerência aliás com o que já tinha feito na sequência das anteriores eleições. O Pasok defende o memorando e o "respeito pelos compromissos do Estado grego". Os compromissos com os credores, bem entendido, que com os cidadãos não há compromissos relevantes. O Partido de Papandreou não entrou no Parlamento, tal como o Dimar, reduzido à total irrelevância.

Restaria o Potami, um partido de centro, euro-entusiasta, que se tornou a esperança de vários comentadores para "moderar" o Syriza na sua relação com as instituições europeias. O Potami é um partido com o qual o Syriza tem pontos de convergência em muitas áreas e com o qual terá, com toda a probabilidade, muitas alianças pontuais. Tem um pequeno inconveniente: não é um aliado fiável para a condução de um processo de confronto com as instituições europeias sobre a questão da dívida. E esse confronto é decisivo.

Defender a restruturação dívida não é achar que era uma óptima ideia se toda a gente se pusesse de acordo sobre o assunto: Merkel, Tsipras, Juncker, Draghi, etc. Quem governar a Grécia tem de ter uma posição de força. Se essa posição depender de um acordo com quem andou a destruir a Grécia, então esse Governo não estará a negociar. Estará a pedir batatinhas. E terá o mesmo sucesso que tiveram os pedintes anteriores.

Ao contrário do Potami, o Anel mostrou-se disponível para esse confronto. O que resulta desse acordo é o que se poderia classificar como um Governo de unidade patriótica. Esse governo, se honrar o seu compromisso, terá um apoio social esmagador. E precisa dele para enfrentar dificuldades tremendas. Não sabemos se o Anel se aguentará à bronca. Sabemos, sim, que se o Syriza se amarrasse a um parceiro cuja primeira preocupação é entender-se com as instituições europeias, o Governo do Syriza não durava três meses. Nem um. Cairia na primeira chantagem, na primeira retaliação. E haverá muitas.

Estou naturalmente a excluir o cenário louco-furioso de rejeitar qualquer acordo de Governo e provocar novas eleições, exigindo uma maioria absoluta. Semelhante disparate deixaria o Syriza politicamente isolado e ainda mais distante da maioria absoluta ou mesmo… da relativa.

Naturalmente, está quase tudo por fazer. As dificuldades que o Syriza enfrentou até agora são uma brincadeira comparadas com o que agora os espera. Era bem mais fácil enfrentá-las com uma maioria absoluta. Os gregos não quiseram assim. Resta esperar que o Syriza consiga apoios sólidos no Parlamento. E saiba manter os que tem na rua.

Grécia: dia um da mudança


«A Grécia renasceu hoje. O medo falou e perdeu. Ganhou a democracia. Ganhou a esperança. A Grécia mostra hoje o caminho que pode ser de todos: deter a austeridade, renegociar a dívida, garantir a saúde, a educação, as pensões e o emprego, desenvolver.
Esse é o programa comum de recuperação da esperança. Na Grécia e também em Portugal. Este é o momento de saudar o povo grego e o partido Syriza e exprimir solidariedade. É também o momento de lembrar que entre nós há ainda um caminho longo a percorrer. Um caminho que deve ser feito de empenhamento político, participação, organização, unidade na pluralidade das forças da mudança.
É tempo de avançar por aqui para fazer renascer a esperança também em Portugal.»

José Castro Caldas (via facebook)

A incómoda vitória do Syriza

Os comentadores passam do espanto à normalidade. Da Coligação da Esquerda Radical - com muitos sublinhados no Radical - já se fala da "esperada" e "normal" vitória do Syriza na Grécia. Agora, a nova linha de raciocínio é saber como é que o Syriza vai ceder à UE e, para isso, calhou mesmo bem o Syriza não ter maioria absoluta no Parlamento, para poder "vender" ao eleitorado que a culpa da cedência não foi sua.

Mas já se explica a vitória "esperada" e "normal" porque a Grécia sofreu uma contracção do PIB de 25% em quatro anos, com um desemprego a trepar para os 25% da população activa, em que o desemprego jovem se situa em 60%. Tudo como se se pretendesse dizer que a esquerda se alimenta da desilusão e da desgraça, mas sem que se retire a conclusão de que foi todo um programa radical de austeridade que levou a essa situação sem solução à vista.

Pelo contrário. Manfred Weber, líder do grupo PPE no Parlamento Europeu a que pertence o PSD e o CDS, já veio entristar-se pelas opções do povo grego que não reconheceu o caminho traçado pelo Governo de Samaras. "É decepcionante ver que o caminho correto e honesto escolhido por Antonis Samaras para a Grécia não foi reconhecido. O caminho de reforma está a dar frutos e precisa ser continuado. Em breve tornar-se-á claro que as promessas feitas pelo Syriza ao povo grego não são nada além de mentiras eleitorais", disse. Declarações incomodadas que não se distanciam do que tem vindo a ser afirmado em Portugal.

Passos Coelho, hoje de manhã, quando confrontado se a vitória do Syriza não punha em causa as políticas de austeridade da Europa, respondeu: "A Europa não tem seguido políticas de austeridade ou deixa de seguir. Países dentro da Europa com desequilíbrios orçamentais muito graves - a Grécia foi o primeiro - precisam de corrigir essas situações". A Grécia - "como caso único - tem tido mais dificuldades em ultrapassar as suas circunstâncias". E sobre o "novo capítulo de políticas europeias", Passos disse que o debate "é um bocadinho desfocado: Foi o Governo português que chamou a troika". Portugueses deverão entender que "a fase em que a Grécia está, nós felizmente vencemos. Nem Portugal nem a Irlanda têm esses problemas. Nós conseguimos trazer os nossos défices para limites aceitáveis (...), temos as nossas contas externas equilibradas, temos acesso a financiamento em mercado que é decisivo". Mas que espera que a Grécia "consiga conciliar a necessidade de crescimento com o cumprimento das regras". E essa "correcção" com "o apoio da UE" trará o crescimento novamente.

Sente-se o incómodo, o nervosismo. A ponto de repetir as velhas ideias ouvidas desde 2010 que não evitaram o que aconteceu em Portugal: Portugal não é a Grécia, o problema está no Estado. Para eles, o que se passa hoje é o que se vê no gráfico em cima (com base nos valores divulgados pelo Eurostat).

Mas a realidade é bem mais triste. E até um indicador tão genérico como o valor do PIB dá a imagem da desgraça, da situação de caos social em que a Grécia caiu e que não é uma variação das taxas homólogas que ilustra o que se passa no terreno.

Olha-se para o caso português e a direita respira de alívio porque estamos longe de uma desaparição do eleitorado do PS que venha encher os caminhos da uma esquerda "Radical". Mas a nossa estagnação - porque é disse que se passa em Portugal, uma estagnação prolongada - é bem mais forte, quando se observa a evolução do PIB em volume, divulgado pelo INE.

O valor do PIB em volume está ao nível do PIB no ano da criação da moeda única, em 2000. Desde o valor mais alto em 2008, o PIB não deixou de cair e agora está tão levemente a despontar que enche de alegria o Governo e o Conselho de Finanças Públicas que antevê que as previsões oficiais se irão cumprir. Mas que situação é esta em que vivemos há década e meia?

O investimento privado está abaixo do valor de 1995! O Consumo privado está ao nível do ano de criação da moeda única, tal como o Consumo público.

E tal como se antevê pelo Tratado Orçamental, nada disto ficará por aqui e ter-se-á de fazer cortes bem mais pronunciados para permitir défices mais reduzidos e uma redução da dívida pública.



E se houve equilíbrio nas contas externas, como se vê no gráfico ao lado (em que as importações caíram), isso deveu-se sim à forte contracção de actividade. Quando se começar a consumir mais e a investir, lá voltará o défice externo comercial.
Consegue-se perceber onde vamos parar, dado que, salvaguardadas as diferenças de situação, a Grécia tem um ano de avanço em relação a Portugal...


Mas, enfim, cumprimos as metas, como diz o Governo.

sábado, 24 de janeiro de 2015

Ainda um dia dirá que sempre foi favorável a que Portugal saísse do euro


(Dimas Pestana, via Câmara Corporativa)

«Pedro Passos Coelho recusou ter caído em contradição, ao comentar as críticas do líder do PS, António Costa. "Aproveitei para revisitar as declarações que tenho feito sobre esta matéria e elas são particularmente coerentes". (...) O primeiro-ministro disse esta sexta-feira, que a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de comprar dívida pública é "bem-vinda" e que espera que ela "seja tão eficaz quanto se deseja". Trata-se de uma contradição em relação ao que afirmou em 2011, quando Cavaco Silva defendeu uma solução parecida com aquela que agora foi adoptada: seria um "péssimo sinal" se para resolver o problemas dos países indisciplinados o BCE imprimisse "mais euros", afirmou então o primeiro-ministro.»

Revista Sábado

«Em Junho de 2012, no Parlamento, em resposta ao então líder do PS António José Seguro, Passos Coelho opôs-se à compra de dívida por parte do BCE e explicava porquê. "Se o senhor deputado entende que o BCE deve actuar em mercado secundário com programas mais intensos de compra de títulos de dívida soberana dos diversos países; se é isto que o senhor deputado entende deixe-me dizer-lhe: não concordo e não preciso de pedir licença a ninguém - nem em Portugal, nem na Europa – para lhe dizer aquilo que penso. Não aceito essa visão porque em primeiro lugar não cabe ao BCE em circunstância nenhuma exercer um papel de monetização dos défices europeus".»

Rádio Renascença

«Na realidade, PPC nunca disse nada daquilo que disse, porque faz sempre o que a sua pulsão ideológica lhe dita e diz seja o que for que lhe pareça conveniente no momento. Passos Coelho é o político que "jurava" ser contra o aumento dos impostos, que antes de ser governo afirmava que o país não precisava de mais austeridade, que criticava o governo anterior porque estava a atacar o Estado social (!), que dizia (com razão!) que apertar o cinto demasiado podia matar o doente (que descaramento!), que se queixava de termos desempregados sem subsídio, que acusava o governo anterior de estar a atacar a classe média, que afirmava ser preciso defender os reformados e pensionistas. Quando estava na oposição, Passos Coelho até se pronunciava contra a alienação de participações do Estado, dizendo que isso era vender os anéis.»

Porfírio Silva, Um P.M. muuuuuito esquecido

«Alguém avise Luís Montenegro que a razão pela qual Portugal pode beneficiar das medidas ontem anunciadas pelo BCE não é a conclusão do programa de ajustamento, não são as reformas estruturais, não é o seu empenho austeritário, nem a sua submissão face aos alemães. A razão pela qual Portugal pode beneficiar do Quantitative Easing é a manutenção de um rating acima de lixo por parte da agência de rating canadiana DBRS [a única que segura Portugal neste critério de elegibilidade do BCE]. Pequeno pormenor (delicioso): este rating precede o programa de ajustamento e é anterior ao governo PSD-CDS.»

João Galamba (facebook)

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Quando todos fingem que o euro pode sobreviver


Ao longo do ano de 2014 a economia da zona euro foi-se afundando na estagnação, acompanhada por uma desinflação que progressivamente se encaminhou para a deflação. Com um crescimento real anémico, o PIB tende a reduzir-se em termos nominais. Tal significa que o peso das dívidas, em percentagem do PIB, mais juros acumulados, ganha uma dinâmica alarmante e insustentável. Mario Draghi bem alertou os governos da zona euro para a necessidade de uma intervenção mais enérgica da política orçamental para relançar a economia, mas apenas obteve do presidente da Comissão um plano de investimentos construído sobre engenharia financeira. Só os europeístas lunáticos não viram que era apenas propaganda para camuflar o veto da Alemanha a qualquer política orçamental europeia pró-crescimento.

Nos últimos anos, o clamor dos protestos contra a austeridade não produziu mais que um fechar de olhos da UE à derrapagem no cumprimento dos objectivos do Tratado Orçamental, aliás uma forma de amaciar os efeitos perversos da política adoptada. Já as expectativas dos especuladores quanto ao reembolso dos seus créditos mereceu a maior atenção. Temendo o efeito bancarrota de uma deflação instalada, os "mercados" clamaram por uma intervenção do BCE (QE - Quantitative Easing) para que compre em larga escala títulos de dívida pública na posse dos bancos. Hoje quase todos os observadores qualificados assumem que esta intervenção não tem condições para salvar a zona euro [ver Richard Koo]. Em primeiro lugar, porque o aumento da liquidez na posse dos bancos não se converte automaticamente em aumento do crédito às empresas e famílias num tempo de grande incerteza. Ou seja, não se traduz num aumento de procura efectiva capaz de fazer subir os preços. Ainda assim, nas instituições da UE todos fingem que esta é a grande arma que vai travar a implosão do euro.

Em segundo lugar, os bancos não vão guardar a liquidez em depósitos no BCE porque teriam de pagar juros, em vez de receber. Também não vão ficar com ela imobilizada. Vão aplicá-la em activos de natureza diversa, o que alimentará bolhas especulativas na bolsa e no imobiliário, na Europa e noutros continentes. Temendo o afluxo em grande escala de mais euros, a Suíça e a Dinamarca já anteciparam medidas defensivas. Assim, em resultado da saída de capitais, o euro está a desvalorizar a um ritmo considerável, de que resultará o agravamento do excedente comercial da Alemanha e a agudização da guerra global de moedas já em curso. Ainda assim, a Alemanha vive na ilusão de que todos os países podem ter excedentes, assim se esforcem.

Em terceiro lugar, o clamor da opinião pública alemã e seus partidos maioritários contra a execução de um QE numa escala significativa vai gerar receios nos mercados financeiros quanto à viabilidade do euro, dados os efeitos colaterais que terá na esfera jurídica. É importante não esquecer que as decisões do Tribunal Constitucional alemão vinculam as instituições alemãs, incluindo os representantes do Bundesbank no BCE, mesmo que o Tribunal de Justiça da UE considere que o QE é compatível com os Tratados da UE. Que fique bem claro para os europeístas lunáticos: a Alemanha cumpre as normas europeias, mas apenas na medida em que são compatíveis com a sua Constituição. Na verdade, não haveria riscos para o contribuinte alemão com a compra de dívida dos países da periferia feita pelo BCE, dado que se trata do banco emissor da moeda. Ainda assim, os contribuintes alemães acreditam que um banco central pode ir à falência e boa parte das elites alemãs partilha essa ignorância, ou pelo menos finge bem.

Num contexto em que ninguém ao mais alto nível quer enfrentar o problema da inviabilidade da moeda única, resta esperar uma resposta corajosa do povo grego à chantagem a que foi sujeito nas últimas semanas. E esperar também que o Syriza esteja à altura do desafio que lançou à Alemanha. Afinal de contas, a crise do euro é sobretudo uma crise política que dramaticamente tarda em chegar ao fim.

(O meu artigo no jornal i)

Seminário UNIPOP: Política, Austeridade e Emancipação | A metrópole em tempos de crise

«A actual crise deu nova visibilidade ao problema da pobreza. Em alternativa aos discursos paternalistas do assistencialismo social e aos discursos que propõem enquanto solução para o problema da pobreza receitas individuais como o empreendedorismo, este seminário procurará promover uma discussão que coloque a emancipação colectiva enquanto hipótese urgente nestes tempos difíceis.»

Integrado na Exposição «O tempo e o modo, para um retrato da pobreza em Portugal», promovida pelo Centro Nacional de Arte Contemporânea (e que pode ser visitada até 27 de Fevereiro no Pavilhão 31 do Hospital Júlio de Matos), o seminário da UNIPOP, «Política, Austeridade e Emancipação: A metrópole em tempos de crise» pretende discutir «os processos de privação material que as actuais políticas de austeridade têm vindo a acentuar e as práticas discursivas que identificam a pobreza a uma posição de exclusão e marginalidade», procurando nessa perspectiva explorar «possibilidades de acção emancipatória que se afirmem a partir de condições sociais menos privilegiadas».

O seminário estrutura-se em três painéis: «O comum em revolta: do pobre à multidão» (com Antonio Negri e Judith Revel); «Crítica das políticas da pobreza: do policiamento à caridade» (com Otávio Raposo, Nuno Serra e Inês Galvão); e «Do pobre enquanto sujeito da sua emancipação: associativismo e agencialidade» (com Eduardo Ascensão, António Brito Guterres e Nuno Rodrigues). No final, realiza-se uma visita à exposição, guiada pelos curadores Emília Tavares e Paulo Mendes. É amanhã, 24 de Janeiro, entre as 10h00 e as 18h00, no Auditório do Hospital Júlio de Matos, em Lisboa. A entrada é gratuita.

A estupidez e a cupidez ao comando da política


Vale a pena ler este texto de Joseph Stiglitz intitulado "A política da estupidez económica":

"Nos últimos seis anos o Ocidente acreditou que a política monetária poderia resolver tudo. Esta crise conduziu a enormes défices orçamentais e a dívidas crescentes pelo que, diz o pensamento dominante, a necessidade de desendividamento exige que a política orçamental seja posta de lado. O problema é que as taxas de juro baixas não levarão as empresas a investir se não tiverem procura para os seus produtos. Nem as taxas de juro baixas levarão as famílias a pedirem empréstimos para consumo se estiverem apreensivas quanto ao futuro (e devem estar). O que a política monetária pode fazer é criar bolhas nos preços dos activos. Mas é importante falar com clareza: a probabilidade de políticas monetárias excepcionais restaurarem a prosperidade global é nula."

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Vemo-nos cada vez mais gregos


Compromisso com o "equilíbrio orçamental", no espírito dos tratados, sendo a questão os meios para o atingir, menção à "economia social de mercado" e tudo: estes são alguns dos elementos de um artigo de Alexis Tsipras no Financial Times. E, claro, há uma referência à já famosa e nebulosa conferência europeia para resolver o problema da dívida. Mais moderado e multilateral seria impossível. O Syriza ganha, conquistando o espaço da social-democracia europeísta. Não há mal nenhum nisso, claro. Ganhar e conquistar o poder são coisas muito importantes. Há só um detalhe, que é o de saber se é possível um programa social-democrata, mesmo que diluído por décadas de derrotas, na Zona Euro. Não creio que seja. As coisas são como são feitas e não é à escala europeia que começarão a ser desfeitas e refeitas. Creio que Tsipras tenta a quadratura do círculo e creio que a direita vê bem quando fala do precedente que concessões relevantes ao Syriza criariam. Dito isto, a cooptação não é inevitável (é só um dos dois cenários que se colocam em última instância, creio). É muito importante, talvez seja mesmo o mais importante, saber se esta vitória estimulará ou não o movimento popular, gerando confiança para um movimento consciente de pressão interna que contrarie a pressão externa e não só. O futuro está em aberto. Vemo-nos cada vez mais gregos.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Amanhã, debate CDA: Deixem-nos decidir!


Promovido pelo Congresso Democrático das Alternativas, o debate «Na Grécia e na Europa: Deixem-nos decidir» tem lugar um dia depois da entrega - por uma delegação composta por Ana Drago, Helena Roseta, Henrique de Sousa, João Mineiro, João Ricardo Vasconcelos, Manuela Graça, Nuno Fonseca e Ricardo Paes Mamede - de uma Carta subscrita por 222 personalidades de diversas áreas políticas, sociais e culturais.(*)

O texto da carta, hoje entregue na Representação da Comissão Europeia em Portugal (Centro Jean Monet), é o seguinte:

«No próximo domingo, dia 25 de janeiro, realizam-se eleições na Grécia, país que vive uma gravíssima crise humanitária provocada por um programa de austeridade. O desemprego e a pobreza aumentaram para níveis insustentáveis e assiste-se ao colapso das instituições fundamentais do seu Estado Social. O programa previa uma estabilização da dívida em 2012, seguida de um decréscimo sustentado, mas a dívida pública em percentagem do PIB em 2014 estava mais de 30 pontos percentuais acima do inicialmente previsto e continua a subir.
Portugal e outros países da União Europeia também sofreram as consequências desastrosas de políticas de austeridade, que falharam em toda a Europa. No entanto, a Comissão Europeia nunca realizou um balanço crítico das políticas que impôs.
Na Grécia, como em Portugal ou em Espanha, 2015 será o ano em que esta política pode ser julgada em eleições legislativas. A democracia coloca aos cidadãos o direito e o dever de fazer escolhas livres e aos partidos políticos a missão de apresentarem programas com caminhos alternativos.
É inadmissível que, ao longo dos últimos meses, se venham multiplicando declarações de responsáveis das instituições europeias, incluindo comissários europeus, sobre o processo eleitoral na Grécia, carregadas de ameaças mais ou menos veladas, com as quais procuram condicionar as escolhas que só os gregos podem tomar.
Tais declarações violam o dever de neutralidade a que estão vinculadas todas as instituições europeias e respectivos titulares, dever esse consagrado no direito comunitário. Estas tentativas de ingerência agravam a crise de legitimidade democrática e o descrédito dessas instituições.
Nós, cidadãos portugueses e europeus abaixo-assinados, repudiamos qualquer tentativa de chantagem ou condicionamento das escolhas da democracia. Exigimos respeito pelas opções dos cidadãos gregos, como exigiremos respeito pelas nossas. Porque sem democracia não haverá saída para a crise, dizemos: Deixem-nos decidir!»

(*) Fazem parte, da lista de 222 subscritores, Ana Drago, Alexandre Alves Costa, André Freire, António Borges Coelho, António Pedro Vasconcelos, António Pinho Vargas, Boaventura Sousa Santos, Constantino Sakellarides, Daniel Oliveira, Daniel Sampaio, Eduardo Vitor Rodrigues, Eugénio Rosa, Francisco Louçã, Guadalupe Simões, Helena Roseta, Henrique de Sousa, Inês de Medeiros, Isabel do Carmo, Isabel Moreira, João Cravinho, Jorge Leite, José Castro Caldas, José Gigante, José Manuel Pureza, José Reis, José Soeiro, José Vitor Malheiros, Luís Urbano, Luísa Costa Gomes, Manuel Alegre, Manuel Carvalho da Silva, Manuel Freire, Maria Augusta Sousa, Marisa Matias, Martins Guerreiro, Mário de Carvalho, Nuno Teotónio Pereira, Octávio Teixeira, Pilar del Rio, Ricardo Paes Mamede, Rui Tavares, Sandra Monteiro, Teresa Vilaverde, Vera Mantero, Viriato Soromenho Marques e Vitorino.


É a procura

Com uma economia europeia estagnada, não me parece que haja grandes oportunidades de investimento e, portanto, o resultado desta operação [o chamado alívio quantitativo do BCE] no consumo e investimento, sem estímulos públicos orçamentais, será muito limitado. A experiência do Japão, país onde o QE foi primeiro tentado, é eloquente em relação aos efeitos limitados do programa que serviu sobretudo para manter um sistema bancário semi-falido.

Sensata declaração do Nuno Teles num artigo de Sérgio Aníbal no Público. Entretanto, para os que acham que a variável cambial não conta, vale pena ler a análise de Manuel Caldeira Cabral sobre a depreciação recente do euro e os seus efeitos na promoção da procura externa nacional. Se é assim com o euro, imaginem com moeda própria. Bom, parece que também o governo está com sorte. Sim, a esquerda que quer salvar o euro anda toda entusiasmada com os desenvolvimentos recentes na frente europeia, mas são os neoliberais que continuam a ganhar o essencial neste contexto estrutural. De facto, e na melhor das hipóteses, os estímulos do BCE e um certo alívio na frente orçamental, num contexto de tépida recuperação, servirão para facilitar ainda mais a vida aos que querem prosseguir com o processo de reformas estruturais em curso, ou seja, com a economia política da regressão. É que os que querem prosseguir com tal linha estão bem defendidos por toda a tralha política e institucional europeia.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

O debate das desigualdades ainda mal chegou a Portugal

Na semana passa participei no colóquio “Desigualdades em debate 2015”, organizado pelo Observatório das Desigualdades, no ISCTE-IUL. O painel que integrei era dedicado ao livro O Capital no Século XXI, o ‘best-seller’ do economista francês Thomas Piketty, que já originou milhares de páginas de debates em revistas, jornais e blogs no mundo inteiro.

Na sua edição portuguesa, o livro de Piketty tem cerca de 900 páginas, repletas dados e análises relevantes. Sendo impossível sintetizar uma obra deste volume em poucas palavras sem correr o risco de simplificação excessiva, resumiria assim as mensagens principais do livro.

Em primeiro lugar, no desenvolvimento do capitalismo a evolução das desigualdades não seguiu uma trajectória linear. Se no início do século XX os países ricos eram caracterizados por níveis muito elevados de concentração dos rendimentos e da riqueza (por exemplo, 1% da população europeia ocidental detinha 50% do capital), entre o início da primeira Guerra Mundial e o segundo pós-Guerra os níveis de desigualdade reduziram-se de forma acentuada. Desde as décadas de 1970 e 1980 a desigualdade não tem parado de aumentar, mas ainda se encontra a níveis distantes do início do século passado (por exemplo, os 1% mais ricos detêm 25% do capital na Europa).

Em segundo lugar – e esta é a tese central de Piketty – é possível explicar o essencial das dinâmicas de crescimento das desigualdades (até ao início do século XX e nas décadas mais recentes) através da relação entre a taxa de rentabilidade do capital e a taxa de crescimento económico. Mais precisamente, há cinco ideias no raciocínio de Piketty que importa reter:

i) é possível mostrar teoricamente que uma ligeira diferença entre a taxa de rentabilidade do capital e a taxa de crescimento económico é suficiente para que as desigualdades se acentuem ao longo do tempo;

ii) em termos empíricos verifica-se que essa diferença foi substancial durante a maior parte do processo de desenvolvimento do capitalismo;

iii) só a ocorrência de acontecimentos dramáticos relacionados com as duas guerras mundiais do século XX (destruição física de bens de capital, revoluções, descolonizações, nacionalizações, inflação elevada, congelamento de rendas, tributação agressiva de rendimentos e património, etc.) permitiram corrigir (temporariamente) as assimetrias na repartição da riqueza e do rendimento que decorrem de i) e ii);

iv) a combinação de um baixo crescimento demográfico (que implica a desaceleração do crescimento económico) e de uma forte concorrência fiscal a nível global (que conduz ao aumento da rendibilidade dos capitais) fazem antecipar uma tendência para o aprofundamento das desigualdades no futuro; e, consequentemente,

v) são necessárias mudanças institucionais profundas para prevenir que as desigualdades no século XXI regressem aos níveis verificados no início do século XX (tornou-se famosa a proposta de Piketty de um imposto mundial sobre o capital, que exigiria um maior controlo sobre os fluxos de capitais a nível internacional).

O trabalho de Piketty tem suscitado os mais variados tipos de críticas (muitas injustas, outras nem por isso): desde a fiabilidade das fontes e do tratamento dos dados, passando pelo conceito de capital que utiliza, até à ideia subjacente de que é possível regenerar o capitalismo através da fiscalidade sobre o capital, ou ainda a escassez de análise teórica sobre os fenómenos identificados.

Aqui interessa-me menos revistar todas aquelas polémicas do que salientar dois aspectos. Primeiro, o trabalho de Piketty mostra de forma inequívoca que a tendência para o aprofundamento das desigualdades está bem presente nas nossas sociedades, pondo em risco alguns dos valores fundamentais sobre as quais assentam. Segundo, ao contrário do que sucedeu na maioria dos países ocidentais nos últimos anos, o debate sobre as desigualdades ainda é pouco mais do que uma nota de rodapé no debate público em Portugal.

Podemos culpar a dimensão da obra de Piketty, que não facilita a sua leitura e discussão alargadas (ainda que a abordagem não seja muito técnica e o estilo de escrita seja convidativo e acessível). Podemos também argumentar com a falta de dados sobre a distribuição do património em Portugal – e até mesmo a fragilidade dos dados disponíveis sobre os rendimentos. Não podemos, no entanto, deixar de registar que é precisamente num dos países mais desiguais de todo o mundo industrializado que a discussão sobre as desigualdades é mais escassa. Já vai sendo hora de acabar com este paradoxo.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Como inverter a tendência?

Na passada sexta-feira no Parlamento, durante o debate quinzenal, o primeiro-ministro afirmou algo parecido com isto:

O que o Governo fez, ao longo do programa de ajustamento, "não o fez para agradar", mas fez "o que era preciso fazer". Às vezes, é preciso ter coragem para governar sem agradar. "Não funcionamos para as corporações, mas para os portugueses". "Os nossos objectivos foram alcançados e foi por isso que o programa de ajustamento acabou". "Os valores recentes do desemprego, dos últimos dois meses, preocupam o governo, mas do ponto de vista do médio e longo prazo o que interessa é a tendência. Não estamos seguros que signifique uma inversão de tendência".

Estes "últimos dois meses" referem-se aos dados mensais do desemprego, que o INE passou a divulgar. Pela primeira vez desde o 2º trimestre de 2013, o número de desempregados cresceu. Passou de 684,2 mil em Setembro para 717,5 mil em Novembro. E a taxa de desemprego parou de descer e subiu 13,3 para 13,9%, antecipando uma subida no último trimestre de 2014.

Aceite-se então esse optimismo do primeiro-ministro relativamente aos dois últimos meses de 2014. E olhe-se então para a tendência de fundo, aquela que, "do ponto de vista de médio e longo prazo", importa olhar.

As palavras de Passos Coelho no Parlamento poderiam ser ditas por qualquer dirigente da oposição, se fossem a propósito do desemprego que começou a cair desde 2013:

"Do ponto de vista do médio e longo prazo o que interessa é a tendência. Não estamos seguros que signifique uma inversão de tendência".




"Os nossos objectivos foram alcançados e foi por isso que o programa de ajustamento acabou", disse Passos Coelho no Parlamento.

Claro que esses "objectivos" não foram os do pleno-emprego, mas as metas orçamentais. Mas isso demonstra que o pleno-emprego nunca foi o objectivo primeiro do programa de ajustamento. Mesmo quando o desemprego não parou de crescer desde 2000!


Julgou Passos Coelho – e a troika – que bastava pressionar os custos laborais e flexibilizar ainda mais as regras do Direito Laboral, para tudo desabrochar de novo?

De facto, "do ponto de vista do médio e longo prazo o que interessa é a tendência" de fundo. Porque tem a ver com artroses estruturais. E, sem um diagnóstico correcto, arriscamos a vida do paciente. Aliás, um "paciente" muito paciente, dado o elevado nível de desemprego.


Para atacar este problema de fundo, era importante que o Governo não caísse na tentação de iludir as pessoas, usando expedientes de curto prazo que tendem a jogar com a vida já fragilizada dos desempregados. E atacasse as questões de fundo, pronunciando-se sobre como vai atacar o PROBLEMA do crescimento económico. Já acertou as contas do Estado e mudou a legislação laboral. Não deu. E agora? Ou será que vai apenas prolongar a "tendência"?

Claro que vai. O Governo já anunciou aliás um novo programa de estágios, que se encontra em discussão na Concertação Social. Mas para quê discutir se o Governo tudo fará, mesmo indo contra todas as "corporações"?

Do mesmo modo, era essencial que o PS - como o partido da oposição melhor colocado para ir para o Governo - se pronunciasse sobre o que vai fazer para o país crescer economicamente e, assim, reduzir o desemprego.

Claro que, do ponto de vista táctico, é melhor que o debate político se faça apenas na campanha eleitoral: "Não queimar já todos os cartuchos", "deixar o Governo a lidar com os problemas que criou", "evitar possíveis erros de política que possam ser explorados pelo PSD e CDS", "não ir demasiado à esquerda, para não o centro à direita". Mas isso não é nada.

O problema é que o Governo – como o disse Passos Coelho no Parlamento – vê-se como tendo uma missão, mesmo que vá contra todos. E ainda tem muitos meses pela frente. O PS pode – se quiser - desarmar o risco de prolongamento da "tendência". Basta assumir como pretende reverter as políticas seguidas. E fazer política com P maiúsculo.

Ou será que o PS vai, ele também, prologar a tendência?

domingo, 18 de janeiro de 2015

Cumprir e fazer cumprir o quê?

Será que os portugueses querem continuar, através da Presidência da República, com a economia política e moral do cavaquismo depois de Cavaco? Coloco esta questão por causa de António Vitorino, aventado como um putativo candidato de “esquerda”, as aspas nunca foram tão necessárias, com possibilidades de ganhar a Presidência, segundo uma estranha sondagem recente. Quero crer que os portugueses não colocarão na Presidência mais um facilitador, mais um europeísta disposto a esvaziar o que resta da soberania democrática em troca de umas migalhas mal distribuídas do soberano pós-democrático que está em Bruxelas-Frankfurt. Em relação a Vitorino, e por agora, limito-me a recomendar a leitura do último livro de Gustavo Sampaio, “Os Facilitadores”, sobre a economia política dos grandes escritórios de advogados, onde aparece com destaque.

É claro que Guterres, com outro percurso pós-governamental, não é politicamente muito melhor: enquanto Primeiro-Ministro, limitou-se a continuar e até a consolidar a economia política e moral do cavaquismo, com poucas notas de rodapé dissonantes, sendo responsável, entre outras, por maciças e desastrosas privatizações e sobretudo pela confirmação da catastrófica adesão ao euro, com uma das mais equivocadas e reveladoras profissões de fé: “Euro, tu és o euro e sobre este euro edificaremos a União Europeia”. Lembram-se?

No entanto, não creio que o panorama esteja limitado a estes dois putativos candidatos. Não estamos assim tão mal. Felizmente, à esquerda, podem existir candidatos populares, dos tais imprescindíveis, da luta pela educação para todos ou pelos direitos dos trabalhadores, e que não deixarão certamente de pugnar pela realização do artigo 1º da nossa Constituição: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.”

Tu não és Charlie, Zé Manel. Tu és um pândego

«Custa-me assistir ao processo de achincalhamento daquela instituição [ICS] que um grupo radical tem conduzido, com as cumplicidades mais variadas. (...) A forma de actuação do grupo que provocou esta situação [ensaio sobre grafittis na Análise Social] distancia-se radicalmente das regras da Academia – que são as regras da Análise Social – e, também, da regras da decência. A sua agenda é outra: é uma agenda política. (...) A provocação não foi obra de brincalhões ou ingénuos – a provocação teve uma motivação ideológica, que os próprios assumiram no comunicado que escreveram depois da revista ter sido suspensa. (...) A Academia não tem, não pode ter, um programa “contra o grande capital” – ou contra os sindicatos, ou contra os pobres. Não está em causa o que pensam os académicos, que são cidadãos de pleno direito, está sim em causa que não podem transformar órgãos de produção e reflexão científica em panfletos ideológicos melhor ou pior disfarçados

José Manuel Fernandes, Chantagem moral e cobardia intelectual (13 de Novembro de 2014)

«As balas hoje disparadas na redacção do Charlie Hebdo foram balas disparadas contra todos os jornalistas, contra todos os que defendem a liberdade de expressão, contra todos os que apenas desejam viver numa sociedade aberta, tolerante e plural. A tragédia não é só do Charlie Hebdo, nem só dos parisienses ou dos franceses. É do jornalismo mundial. É de todos os homens livres. (...) Amanhã muitos pensarão duas vezes antes de escreverem, de filmarem, de reportarem. E depois de amanhã até pode acontecer que surjam mais leis anti-blasfémia, que mais gente veja na crítica a certas práticas dos islamistas uma condenável "islamofobia".»

José Manuel Fernandes, Hoje somos todos Charlie Hebdo (7 de Janeiro de 2015)

Duplicidade de critérios à parte, parece-me que o Zé Neves é que tem razão, quando assinala no facebook que «é bom ver jornalistas e comentadores como José Manuel Fernandes (...) defenderem o direito à liberdade de expressão [quando] ainda há dois meses tive que os aturar a elogiar um acto de censura». Tal como importa fazer justiça às palavras exactas proferidas por José Manuel Fernandes (essa referência de proa, no mundo académico, sobre o que é e não é ciência). Ele disse hoje «somos» todos Charlie, não disse que ontem o «éramos» nem garantiu que amanhã o «seríamos».

sábado, 17 de janeiro de 2015

Imprimir dinheiro e distribuí-lo: simples de mais para ser verdade?

Se toda a gente tivesse emprego, todas as máquinas estivessem a trabalhar 24 horas por dia e os campos cultivados, havendo mais dinheiro, o preço das coisas produzidas aumentaria porque não seria possível produzir mais coisas, logo, criar mais dinheiro seria estúpido e prejudicial. Mas, numa crise económica há muitas pessoas e máquinas paradas, há campos por cultivar porque não há procura, e não há procura porque as pessoas não têm dinheiro. E há muita pobreza e fome. Neste caso, imprimir dinheiro e distribuí-lo bem, ajuda.

Manuel Carvalho da Silva, Jornal de Notícias

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Um Robin dos Bosques ao contrário: a direita, o fisco e as famílias



«Se há coisa que esta reforma fiscal garante é que um filho de um rico vale mais do que o filho de um pobre. Olhemos para a política de natalidade desta maioria, que começou em 2011. É a emigração, o aumento do desemprego, o corte dos salários, o aumento do horário de trabalho, o corte dos feriados, a diminuição dos direitos laborais, a dificuldade do acesso à saúde, a degradação do acesso à educação... Tudo isto, senhora deputada, afecta as famílias portuguesas.
(...) O CDS e o PSD degradaram objectivamente a vida das famílias portuguesas nestes três anos e não é com pequenas migalhas, que são sobretudo para as famílias de mais altos rendimentos, que vão corrigir o mal que fizeram. (...) O que é que o CDS diz às mais de 30 mil famílias que perderam acesso ao Rendimento Social de Inserção? O que é que o CDS diz às mais de 40 mil crianças que perderam o acesso ao RSI? (...) Diz que vai continuar a piorar a vida dessas famílias. Porque neste orçamento dizem que vão cortar mais 100 milhões de euros em prestações sociais, que vão afectar sobretudo crianças e famílias.
(...) Quando nós olhamos para o IRS, senhora deputada, há mais de 50% de portugueses que não pagam IRS. E portanto uma política de natalidade centrada no IRS logo à cabeça exclui 50% das famílias. E dos 50% dos portugueses que pagam IRS, o que o CDS lhe tem a dizer é: nós apoiaremos tanto mais quanto mais dinheiro tiverem.»

Da intervenção de João Galamba na Assembleia da República, na quarta-feira passada, em resposta à declaração política do CDS/PP sobre a reforma do IRS e o apoio à família (via Câmara Corporativa).