Coimbra, 18 de maio de 2025
Está um céu plúmbeo, tempo abafado, decidi ir a pé votar, um passeio até à Escola Avelar Brotero, passando pelo Jardim da Sereia e pelo Penedo da Saudade. Muita gente a votar de manhã: ide votar, este direito custou muito aos antifascistas a conquistar, como escrevi no Twitter do blogue.
À vinda, passei pelo Jardim Botânico. Sentei-me no meu banco a ler. Acabei um breve e acutilante ensaio do historiador Enzo Traverso – Gaza perante a história –, primorosamente editado pela Antígona, como é hábito. Já há uns meses que não lia neste jardim.
Da última vez, tinha acabado um romance histórico sobre a vida de Walter Benjamin, por coincidência um pensador marxista da história que muito influencia a ideia de melancolia de esquerda sobre a qual Traverso escreveu e que já usei para os meus propósitos.
Nem por acaso, dado o que aqui escrevi ontem sobre o holocausto em Gaza, deparo-me com a seguinte passagem:
“Postular a absoluta singularidade do Holocausto é epistemologicamente improdutivo (os acontecimentos históricos podem ser comparados), politicamente irresponsável (os crimes podem repetir-se, pelo que devem ser compreendidos e não apenas comemorados) e moralmente dúbio (uma vez que cria uma hierarquia entre as vítimas).”
Levanto-me angustiado. Passa por mim um cortejo de excursionistas romenos, reformados na maioria. Tenho fome e sei que tenho comida e casa e filho à minha espera. Passarei a tarde com ele na nossa mesa de trabalho. Começo por eliminar comentários insultuosos e com ameaças no blogue (deve haver um qualquer desgraçado fascista que julga que me intimida), escrevo este texto e dedico o resto do tempo a rever um capítulo de livro que tenho de entregar.
Ao fim da tarde, levá-lo-ei a casa da mãe, a cinco minutos a pé, e dirigir-me-ei ao Centro de Trabalho do PCP, junto à estação de comboios, desgraçadamente encerrada. Darei uma volta um pouco maior, passando pela Sé Velha. Talvez pare.
Não estou só, nunca estive, nunca estarei e sei hoje melhor do que noutros tempos que a luta eleitoral é só um dos planos de uma luta mais vasta e que uma coisa é a relação de forças, o poder e as suas fontes, e outra é a validade dos argumentos. Gosto de pensar que estamos preparados para tudo.
Haja distinções, haja esperança.
3 comentários:
Nunca perderemos a esperança, nós somos a esperança!
Belo texto, João. Dos que dão sentido, dos que dão força. Escrito até ao osso. Plagio o Manuel Gusmão: "contra todas as evidências, a esperança."
(Manuel Branco; Évora)
Muito obrigado, Manuel Branco, pela generosidade. Um abraço fraterno.
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