1. A economia ecológica tem sacudido a complacência dos economistas convencionais, que tratam a natureza, quando a tratam, como se fosse “capital natural”. Tudo é aí comensurável, redutível a uma mesma bitola pecuniária. Avaliam os custos das alterações climáticas através de modelos com uma taxa de desconto, como se o futuro fosse um fluxo de custos e benefícios pecuniários mais ou menos certos, mais ou menos distantes, como se a multidimensional e incomensurável catástrofe não fosse aqui e agora, parte de conflito social sobre custos sociais. “A maior falha dos mercados da história” não se resolve com paliativos ineficazes, simulando mercados ou com taxas e taxinhas incapazes, mas sim com alterações nos modos de produzir e nas relações de propriedade e de coordenação que lhes subjazem – mais plano, menos mercado.
2. A economia feminista tem colocado no centro do debate as questões da desigualdade de género – do “altruísmo imposto” às mulheres na esfera da reprodução social, em particular às mulheres da classe trabalhadora, aos seus custos, privatizados ou socializados, o que faz toda a diferença, sobretudo para elas: por exemplo, “quem paga pelos miúdos?” já é uma pergunta clássica. A economia feminista indica que um Estado social robusto faz maravilhas pela igualdade de género e de classe, do emprego à igualdade salarial, passando pela socialização do tal altruísmo, alimentando outros altruísmos, noutras esferas.
3. A macroeconomia keynesiana, em geral, e a teoria monetária moderna, em particular, tem avançado o nosso conhecimento sobre aspetos fundamentais da totalidade de uma economia monetária de produção moderna, que requer poder soberano na sua pilotagem, uma articulação entre Tesouro e Banco Central, por exemplo: um “grande Banco”, parte de um “grande Estado”, ao serviço da socialização do investimento, do pleno emprego e da eutanásia do rentista, através de taxas de juro tendencialmente nulas por comando e controlo, não é de outra forma.
4. A economia institucionalista fundamental tem exposto a nossa dependência de infraestruturas coletivas cruciais para termos vidas longas, saudáveis e ilustradas, formas de capital social, do real, que, aliás, implicam uma dívida social à nascença e uma lógica intergeracional que só o Estado, domador do tempo e da incerteza, está em condições de garantir.
5. A tradição soberanista na economia tem exposto a importância do protecionismo seletivo ou dos controlos de capitais, a relevância económica da fronteira política, sem a qual a economia não pode ser pilotada e democratizada.
6. A economia desenvolvimentista e evolucionista, aplicada às dinâmicas industriais, tem mostrado a importância do “Estado empreendedor”, da política industrial robusta, incluindo para a missão de descarbonizar a economia.
7. A economia marxista tem aprofundado a nossa compreensão sistémica da evolução do capitalismo, da globalização à financerização (termo de origem marxista que hoje toda a gente interessada no tema usa), passando pelo rentismo fundiário, uma das ausências flagrantes na economia convencional, e pelas dinâmicas conflituais dos sistemas de provisão, pensando, nos seus momentos mais “analíticos”, em utopias reais.
8. A economia das desigualdades tem investigado os determinantes institucionais dos padrões de injustiça social, dos rendimentos à riqueza, e dos processos de igualização socioeconómica; articulada com a investigação na área dos determinantes sociais da saúde, tem confirmado, rigorosamente, que há uma economia que mata.
9. Apesar de já não ser há muito um entusiasta deste programa com algumas décadas, reconheço que a economia comportamental tem sistematizado as “anomalias” dos humanos, que os afastam sistematicamente dos postulados do homo economicus, com implicações para o desenho institucional indispensável para a microeconomia, reconhecendo-se também por esta via que a economia é moral. Afinal de contas, as instituições enquadram e moldam as “preferências”, assim vistas como “endógenas”, o que é uma maçada para tantos modelos económicos e correspondentes apostas políticas.
10. A história crítica do pensamento económico tem exposto as ruturas e continuidades entre liberalismo e neoliberalismo, não sendo ambos um slogan, antes instrumentos de poder; a nova história do capitalismo tem sublinhado como o racismo, o esclavagismo, o colonialismo ou o imperialismo configuraram um “capitalismo de guerra” em várias escalas. E que anda por aí, ou se anda.
11. A metodologia e a filosofia da economia têm confirmado que factos e valores estão entrelaçados, que a separação positivo/normativo, tal como os economistas a afirmam, é uma fraude, que os economistas convencionais têm uma filosofia social espontânea e grosseira – uma variante do utilitarismo – e que o seu fetiche com o mercado e sua putativa magia produz, enquanto encobre, desigualdade socioeconómica e corrosão moral, sendo tudo menos neutro, quer nos seus efeitos, quer nas suas justificações.
12. Numa disciplina demasiado regressiva, tem havido, apesar de tudo, progresso nas margens plurais, em diálogo com outras disciplinas interessadas na economia substantiva. O drama é que muito do progresso ainda passa ao lado da esmagadora maioria dos estudantes de licenciatura, de mestrado e até de doutoramento, dada a falta de pluralismo; e o progresso é demasiado ignorado nos “Prémios Nobel” (aspas, muitas aspas), com uma ou outra exceção, de Myrdal a Ostrom, passando por Sen. Sim, a economia substantiva é demasiado importante para ser deixada apenas a economistas com formação deficiente e com correspondente aposta neoliberal zumbi.
1 comentário:
E ainda existe gente que diz que a economia é uma ciência exata e a comparta à física e química...
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