Vê-se e não se acredita. Na página 7 da Nota Explicativa que o ministério da Saúde enviou ao Parlamento, no âmbito da discussão do OE para 2025, consta uma tabela sobre a evolução das consultas nos Cuidados de Saúde Primários (CSP). Ao contrário do que se possa pensar, não se trata de um lapso, dado que uma segunda tabela, na página seguinte, é contruída da mesma forma.
Como a hipótese da iliteracia se torna pouco plausível (e inadmissível), tudo indica que a tutela pretendeu, à força toda, poder dizer que o número de consultas aumentou com a entrada em funções do novo governo. Para tal, procedeu à comparação do valor acumulado entre janeiro e abril (4 meses) com o valor acumulado (também desde janeiro) até setembro. Sugerindo assim, ao calcular a variação entre os dois valores, que houve um aumento de consultas entre o primeiro quadrimestre e o segundo (sendo que este último «quadrimestre» tem, segundo o governo, 5 meses).
Não surpreende assim que, nos termos da tabela, o aumento de consultas nos CSP, com a AD no governo, tenha sido estonteante. Segundo o ministério da Saúde, esse aumento, entre abril e setembro, mais que duplicou, atingindo um valor a rondar os 116%. Aliás, na verdade, quando feitas as contas desta forma - com ambos os valores acumulados desde janeiro - bastaria ter sido realizada apenas uma consulta entre maio e setembro para que a variação fosse positiva. Espantoso, não é?
Ora, o que se constata quando se corrigem os cálculos - comparando o número de consultas realizadas entre janeiro e abril com o número de consultas realizadas de maio a agosto (e não setembro, para que a comparação se faça por iguais períodos de quatro meses), lá se vai o aumento esfusiante das consultas realizadas desde a entrada em funções do novo governo. Pelo contrário, o que emerge é uma redução, em cerca de 6%, do total de consultas entre maio e agosto, face ao total de consultas entre janeiro e abril.
Este não é o primeiro exercício de contabilidade criativa do governo. Em junho, o atual ministério da Educação inflacionou o número de alunos que começou o ano letivo anterior sem aulas a pelo menos uma disciplina, de modo a criar a ilusão de que o atual ano letivo teria já começado com um valor inferior. E como se não bastasse, para ficcionar ter atingido a meta a que se propôs (diminuição em 90% dos alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano), ponderou os alunos nessa situação com o total de alunos sem aulas em dezembro do ano passado. Isto é, comparando indevidamente dois universos distintos.
O padrão começa, portanto, a tornar-se cada vez mais claro. Em vez de responder efetivamente aos problemas, que são estruturais e complexos, o governo prefere inventar e manipular números, para criar junto da opinião pública a falsa ilusão de que os mesmos estão a ser ultrapassados, por obra e graça do executivo. Até que as ilusões se desfaçam.
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