Há uma esquerda, ainda dominante por aqui e por ali, presa mentalmente na geografia ideológica da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO, no acrónimo mais conhecido, em inglês). Por exemplo, já se disse que é impossível a uma mulher ganhar num país tão conservador como os EUA.
Sim, nem sequer se digna a olhar para sul, para o México, por exemplo, onde a valorosa Claudia Sheinbaum ganhou há tempos de forma esmagadora, com um programa progressista na melhor tradição de nacionalismo económico em relação a setores estratégicos, como a energia, herdando também alguns dos resultados impressionantes de Obrador. E está a implementar o seu programa de forma consequente, com todas as contradições do que pula e avança numa formação social concreta, com tantos constrangimentos, tão longe de Deus e tão perto dos EUA.
E, obviamente, essa esquerda otanizada só olha para a República Popular da China com medo e desprezo ignorantes. Nada quer aprender sobre controlo público de sectores-chave, incluindo a finança e as infraestruturas sociais, sobre planeamento indicativo, com instrumentos impositivos de política industrial, indispensáveis para a enfrentar ameaças existenciais, etc.
Despreza o Estado nacional, onde se pode formar um consenso político consequente para tais tarefas socioeconómicas. Essa esquerda não alcança a perversidade do militarismo e do federalismo europeus e, no fundo, aceita o neoliberalismo, as guerras de classe sem fim contra os povos. Finge não saber que existe uma linha de cor e recusa-se a fazer a conexão com o imperialismo que a traçou e traça. As vidas palestinianas valem menos neste contexto.
Não é anti-imperialista e por isso não valoriza a ascensão pacifica da China e o efeito de freio e contrapeso aos EUA, parte de uma igualização sem precedentes históricos desde a primeira revolução industrial. É da OTAN, afinal de contas. O resto, a esmagadora maioria do mundo, só lhe interessa para o perverso intervencionismo humanitário.
Em O marxismo ocidental, o saudoso Domenico Losurdo denunciou histórico-filosoficamente uma parte dessa esquerda, a que é pseudo-radical na sombra da OTAN, a que desvaloriza o impulso nacionalista anticolonial até aos dias de hoje. Fê-lo talvez melhor do que qualquer outra pessoa: “na medida em que se satisfaz com a crítica e, aliás, encontra sua razão de ser na crítica, sem pôr-se o problema de formular alternativas possíveis e de construir um bloco histórico alternativo àquele dominante, ele é a ilustração da sabichonice do dever ser; quando, pois, desfruta da distância do poder como uma condição da própria pureza, encarna a bela alma”.
Essa esquerda merece todas as aspas. Lamento, mas tem de ser combatida no plano das ideias para vermos surgir um antifascismo digno desse nome. Sim, sem clarificações e cortes continuaremos no mesmo declínio. Sim, eu posso falar, já mudei de opinião e deixei registo. Outros podem fazer o mesmo agora, se calhar. Estamos todos vivos e queremos todos florescer.
Adenda. Título inspirado num dos últimos livros de António Avelãs Nunes: A Europa Otanizada.
3 comentários:
E no entanto, a esquerda parece dar-se bem com o capitalismo (que não lhes proíbe nada, lhes enche os bolsos e as carteiras), nas democracias liberais( que lhes permite todos os devaneios socialistas, activismos vários, até a "nova ciência do género", tudo o que a esquerda quer e apetece). Onde a esquerda não parece dar-se bem nem ter resultados que justifiquem ser apresentados como exemplos (o capitalismo de estado na china, mantendo o comunismo para esganar as mais elementares liberdades é para rir). É triste ainda não se ter percebido que sem liberdade, económica e ou outra, não vale a pena. Fico a pensar num complexo de inferioridade ou inveja da esquerda.
O ódio á NATO e á Europa revela alguns problemas do autor, sendo o mais evidente o ideológico. É evidente que NINGUÉM quer abandonar a NATO (antes pelo contrário) bem como NINGUÉM quer sair da UE. Muito pelo contrário. O estado, um adquirido civilizacional, quer-se eficiente (trabalhando bem com o mínimo de recursos para não sobrecarregar com impostos), e não ser o empregador do país inteiro. O estado quer-se eficaz, para alcançar os objectivos propostos. Deve regular, e não ser um empecilho burocrático e fiscal na criação de riqueza e emprego. Um país só com pobres é melhor do que um país com tantos ricos quanto possível? O problema do autor é saber o que dizem os portugueses eleições após eleições: socialismo, seja ele qual for, nunca mais.
A mim parece-me que o problema do Anonimo(s?) e ser um exemplo paradigmatico de lumpenintelligentsia.
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