sábado, 2 de maio de 2020

Sobre o que podemos esperar


A crise económica e social (possivelmente também financeira) que a pandemia do Covid-19 está a produzir leva muita gente a colocar a seguinte questão: como financiar tudo o que é preciso para evitar a fome, a falência de milhares de empresas, o desemprego de massa e, num segundo momento, também investir para recuperar a economia e a sociedade, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento verde?

O país não tem moeda própria, não tem um banco central para financiar directamente o Estado sem criar dívida. Contudo, é assim que as coisas estão a funcionar nos EUA, no RU, no Japão ... porque têm soberania monetária. Dentro da união monetária que é o Euro, Portugal tem uma moeda que não controla, e tem de aceitar o que os países da ortodoxia financeira - com a Alemanha a liderar - entenderem o que é bom para a UE, quer dizer, o que é bom para eles.

O que quer que venham a decidir no próximo Conselho Europeu será pouco (a garantia do Orçamento da UE para obter empréstimos nos mercados é muito pequena) e implicará um aumento significativo da dívida pública dos Estados da periferia na hora de lhes entregar o dinheiro (algum fundo perdido também será atribuído, mas será certamente em pequena escala e sob condições).

O que vai fazer a UE quando, daqui a dois anos, a nossa dívida pública estiver bem acima do que já esteve no pico da anterior crise? Como é que a UE vai enquadrar esta situação no Tratado Orçamental? Vai manter o Tratado suspenso e tolerar uma política orçamental expansionista que faça reduzir a % da dívida através de um crescimento do PIB pela dinamização da procura interna (o contrário do que até agora obrigou a fazer)?

Quando retomar a aplicação das regras do Tratado (limites de défice e dívida), voltaremos às cativações orçamentais para reduzir aceleradamente a dívida (vulgo 'austeridade fofinha', em vigor desde que Centeno passou a presidente do Eurogrupo) para tranquilizar os mercados financeiros, degradando o Estado social e a vida da maioria da população? Continuará a aplicar uma teoria económica comprovadamente errada?

É o futuro das gerações mais jovens, é o futuro do nosso país, que se vai decidir nos próximos tempos. E as alternativas são estas:

(1) mudar alguma coisa na UE para que o essencial fique na mesma => austeridade 'fofinha' com grave sub-financiamento do Estado social (no nosso caso sem a ajuda das bolhas do turismo e do imobiliário que rebentaram com a pandemia), continuado empobrecimento do país, emigração dos que ainda têm condições para arriscar em países que ainda possam acolher;

(2) pôr em causa a união monetária entregando o poder a um governo de libertação nacional - sustentado na AR por uma frente política ampla - que, dentro do espartilho do euro, explore todas as margens de manobra possíveis em nome de uma estratégia de desenvolvimento para Portugal, e também em nome de uma Europa de paz e cooperação entre Estados soberanos.

Um governo bem ciente de que só quando nos libertarmos de uma moeda demasiado cara para a débil economia do país, e recuperarmos o banco central e as políticas orçamental, industrial e comercial (assumindo um proteccionismo inteligente) haverá condições mínimas e necessárias para o lançamento de uma estratégia de desenvolvimento.

Ou seja, precisamos de um governo que assuma o comportamento de "mau aluno" perante os professores de Bruxelas, enquanto esperamos que um país fundador da UE ponha em cima da mesa a dissolução organizada da UEM. Precisamos de um governo que prepare o país para um tempo pós-euro de recuperação de duas crises numa década, desejavelmente através de um divórcio amigável.

9 comentários:

Anónimo disse...

Todo este tempo tem de ser aproveitado para a reconversão do país, independentemente do que possa vir a acontecer é essencial que este tempo seja aproveitado, já não espaço para mentiras ou omissões, os políticos sejam eles de que quadrante forem devem estar bem cientes do seu papel nisto tudo porque creio que não haverá lugar para choro ou para contemplações.

PauloRodrigues disse...

Como escreveu Barry Eichengreen, a política monetária não vai reabrir fábricas fechadas pela quarentena, não vai levar os clientes de volta ao centros comerciais, não levará os turistas de volta aos aviões, na medida em que as preocupações são sobre segurança, não sobre custos.
Políticas fiscais estimuladoras do crescimento terão o mesmo resultado.
Eichengreen é um liberal, mas já percebeu quais são as prioridades.
A comissão europeia, que devia ser um órgão acima de todas as tendências nacionais mas, que na verdade, é apenas uma correia de transmissão da esclorose germânica.
Em 11 de março, merkel anunciou a intenção de rever a regra germânica do déficit-nulo, considerada um dos maiores obstáculos ao lancamento do estimulo fiscal.
Como já todos conhecem as manhas dos hunos, os mercados reagiram imediatamente, afundando o DAX em 2% em poucos minutos.
O problema é que esta união está nas mãos dos germânicos, cuja única preocupação é manter o excedente, mesmo que tudo venha a colapsar em breve.

Anónimo disse...

De uma enorme clareza este texto

É preciso espalhá-lo para determos esta caminhada para o abismo

Paulo Marques disse...

Faz-se uma vaquinha.

https://www.euractiv.com/section/banking-union/news/commission-explores-eu-wide-crowdfunding-project-to-finance-recovery/

Ou umas vendas de rifas, pensem nisso.

Anónimo disse...

Neste jogo de tentar condicionar o debate pelo lado do neoliberalismo, percebe-se que paulorodrigues tente fazer passar uma imagem do que não é.

Mas "descuida-se"

Diz paulorordriguespimentelferreira:
"A comissão europeia, que devia ser um órgão acima de todas as tendências nacionais ..."

Essa é de cabo de esquadra. Eis mais uma vez o mantra neoliberal que o folclore euroinómano, andou a tentar passar durante anos consecutivos


Mas os "descuidos" de PR/JPF continuam:
"Como já todos conhecem as manhas dos hunos, os mercados reagiram imediatamente, afundando o DAX em 2% em poucos minutos"

Todos são os mercados? Ou os mercados são todos?

Estas confusões entre mercados e todos só mesmo na cabeça de um neoliberal... mesmo que escondido a ver se passa entre os pingos da chuva para vender a austeridade fofinha e as tretas sobre o "colapso em breve"

Anónimo disse...

Parabéns ao Jorge Bateira pela clareza com que pôs a questão. Para mim, é incompreensível que a ruína de Portugal e o empobrecimento da generalidade dos portugueses em resultado do euro não seja tópico de discussão generalizada no espaço público. Esta ausência ensurdecedora é terrível para a credibilidade das instituições e das classes dirigentes nacionais. O papel da comunicação social também não é bonito. Mas o mais estranho de tudo isto é que mesmo partidos que se afirmam de esquerda sejam complacentes com o imperialismo germânico exercido através da UE e, sobretudo, do euro.

Anónimo disse...

Pela mesma moeda - pun intended -, está criado um esquema para alterar a estrutura da economia portuguesa. Creio que isso era ponto assente aquando da adesão à moeda única, evidenciado na ideia da coesão, e que a redução da taxa de juro serviria para facilitar os investimentos necessários para essa alteração da economia portuguesa. Agora devíamos era investir para perceber porque isso não aconteceu, nem está a acontecer. Pun also intended. ;)

Vitor Correia disse...

Voto na segunda alternativa; mas receio que já não vamos a tempo. De qualquer modo, demos preparar-nos, não tanto para sair do euro, mas para o euro saír de nós.

Anónimo disse...

Ao menos Vitor Correia abandonou os seus panfletos de ódio contra o SNS e aparece aqui mais crítico em relação ao processo austeritário que andou a gabar

Vitor Correia sabe o que faz? Sabe.
E no papel que está a fazer, faz o papel de desmobilizador, assim deste modo fofinho, de como não quer a coisa
"receio que já não vamos a tempo"

Antes era a inevitabilidade do TINA

Agora é o "já não vamos a tempo"


Vitor pimentel correia ferreira sabe mesmo o que faz