domingo, 3 de maio de 2020

Combates por uma certa história


Em 1990, o saudoso historiador Eric Hobsbawm, uma das minhas principais referências intelectuais, escreveu um texto memorável sobre os cem anos do 1º de Maio, explicando como a data foi inscrita no calendário pela gente comum, a que não deixando o mais das vezes registo individual cria colectivamente tudo o que tem valor e faz a história andar para a frente.

A revista Tribune, um dos sinais de revitalização do pensamento socialista britânico, decidiu republicar o ensaio, acompanhado-o de belíssimos cartazes. Não andará por aí um tradutor?

Este texto foi escrito num período em que as coisas estavam mesmo a andar para trás, em que era urgente combater pela memória dos de baixo. Nesse mesmo ano, noutro artigo, Hobsbawm defendeu que o principal efeito de 1989 tinha sido o fim do medo entre os ricos, o que teria consequências danosas para os pobres. E nem os mortos estariam a salvo.

Entretanto, um discípulo de Hobsbawm, Donald Sassoon, autor de Cem Anos de Socialismo, que continua a ser a melhor história da esquerda europeia que eu já li, voltou, também na Tribune, ao tema da trajectória da social-democracia, depois de ter andado, entre outros, a escrever uma história global do capitalismo até 1914. E fê-lo, constatando a previsibilidade da derrota da social-democracia desde essa monumental obra:

“A maioria dos partidos social-democratas aderiu a políticas de austeridade, permitindo que os salários estagnassem, que as desigualdades aumentassem, privatizando serviços públicos numa extensão inimaginável há trinta anos atrás, sem sequer ousar taxar os beneficiários prósperos deste processo. Raramente compensa lutar no terreno do adversário.”

Realmente, não compensa. Lembrei-me da síntese de outro historiador britânico, Perry Anderson, sobre evolução da social-democracia europeia, feita logo em 1994:

“Outrora, nos anos fundadores da Segunda Internacional, tinha por objectivo o derrube do capitalismo. Depois tentou realizar reformas parciais concebidas como passos graduais para o socialismo. Finalmente, passou a ser favorável ao Estado-Providência e ao pleno emprego no quadro do capitalismo. Se agora aceita a destruição do primeiro e o abandono do segundo, em que tipo de movimento se irá tornar?”

A resposta é hoje clara.

Como já argumentei, aqui ou aqui, a europeização da social-democracia explica parte importante da crise terminal dos partidos para quem o movimento era tudo: participaram activamente num movimento integrador que, com a UE, gerou impotência democrática em tantos Estados europeus. A social-democracia, o movimento socialista, conquistou tudo através dos Estados.

Mas a história não acabou, aposto. O que tem mesmo de acabar é o globalismo, que jamais pode ser confundido com internacionalismo.

19 comentários:

PauloRodrigues disse...

"O passado morreu, mas o futuro ainda não nasceu. No interregno, surgem toda a espécie de sintomas mórbidos.
Antonio Gramsci

Jose disse...

Nada de imprevisível ma evolução da social-democracia.

Aceitar viver em regime capitalista, como em qualquer outro, é aceitar-lhe as vantagens e as desvantagens, tentando minimizar as segundas.

O capitalismo, assegurando um históricamente demonstrado extraordinário progresso económico e social, tem riscos individuais e colectivos: as empresas podem fracassar, os ciclos económicos são tanto mais certos quanto mais se aceleram as taxas de crescimento.

É assim uma cretinice pensar que tais variações não haverão de ter reflexos nas populações, e imaginar que haverá uma qualquer classe imunizada a tais acidentes é não só negar o sistema como ambicionar o improvável.
Evidentemente que dirão que haverá quem não sofra ou sofra menos que a maioria; assim será sempre, qualquer que seja o sistema e ainda bem que assim é, que o mal de todos não aproveita a ninguém.

Anónimo disse...

Paulorodrigues ou aliás,pimentel ferreira, tenta passar-se por um rebolucionário

Cita Gramsci

E cita mal,daquela forma de cábula à pressa, porque está do outro lado da barricada.

Cita-o como o aldrabão que é. Com a marca da desonestidade crivada no seu texto.

Ignorando quem é Gramsci, o que este disse e sequer o que significa a referida frase.

Anónimo disse...

Paulorodrigues junta duas frases. Se produto de igrorância, se fruto de vontade objectiva de manipular, não se sabe.(Geralmente estas duas coisas andam juntas)

"O passado morreu, mas o futuro ainda não nasceu." Esta frase é uma frase, mal traduzida de uma frase de Jules Michelet
"O que é velho está morto ainda que o novo não tenha nascido.“ — Jules Michelet

Ou então é um pastiche de um tal Vinicius Diego: "O passado esta morto, o futuro não nasceu, mas só o presente esta vivo."

A coisa começa mal para paulorodrigues pimentel ferreira

A esta frase, juntou pimentel ferreira algo de Gramsci

“La crisi consiste appunto nel fatto che il vecchio muore e il nuovo non può nascere: in questo interregno si verificano i fenomeni morbosi più svariat"

De como ele transforma "velho" em "passado" e de como transforma um "velho que está morrendo" num "passado já morto" é um mistério, não divino, mas de beato evangélico

Este tipo é (também) uma fraude




Anónimo disse...

Um excelente,muito excelente texto de João Rodrigues, que mais do que a coerência, surpreende pela capacidade de síntese com que aborda o finar de uma "social-democracia"

Não vale a pena conspurcá-lo com o desmontar dos lugares-comuns, dos mantras e das "cretinices" ( o termo é dele) dum sujeito que dá pelo nickname de Jose

Rão Arques disse...

DATAS QUE NÃO SÃO CRENÇAS
Respeitar o 1º de Maio e o 25 de Abril, é antes de mais não desbaratar a elevação do seu significado por abuso de confiança..
Uma vergonha quando governo e presidente fazem este miserável frete a quem os elevou e vai sustentando no poder.
Não menos repulsiva a atitude de quem se ofereceu para praticar o ato de mão estendida para cobrança à cabeça.

Jose disse...

O espírito religioso configura-se em torno de mantras que iludem áreas inundadas de dúvidas e incertezas.

Não vale a pena perturbar a paz dos crentes, quem vide de certezas é deficiente a ser tolerado por compaixão.

Anónimo disse...

Pobre Rao Arques pimentel ferreira

Completamente desbaratado volta agora ao Primeiro de Maio, quando vè denunciado o globalismo de que foi (é) um dos seus mais empenhados publicitários

Percebe-se o tom irado e a fuga apressada.

Mas quanto impotência, quanta choldrice em forma de letra, quanto levantar a mão acima da cabeça esconde tal linguarejar

Anónimo disse...

Com efeito

Não vale a pena manchar a qualidade deste texto com as pregações de Jose, agora nesta sua fase de beato neófito angustiado.

A "cretinice" que anda a badalar é apenas o verniz a estalar. Se rasparmos mais, ainda o veremos a abençoar.

Cerejeira e Salazar

João Pimentel Ferreira disse...

Celebrar o dia do Trabalhador a não trabalhar é um mais sintoma psicanalítico do Zeitgeist social vigente e da relação que o indivíduo comum tem com o trabalho (conceito da Física Clássica que significa apenas a produção de energia através de uma força).

Esta gente fala do trabalho como se ainda trabalhássemos por turnos nas minas de carvão do séc. XIX.

Jaime Santos disse...

O internacionalismo nunca foi mais do que uma folha de parra a cobrir a dominação imperialista da URSS, João Rodrigues. Pensar que ele regressará agora sob roupagens mais puras é ser-se ingénuo ou tomar os seus interlocutores por ingénuos.

Desglobalizar numa era em que a tecnologia que utilizamos é criada do outro lado do planeta (sempre gostava se saber de que marca é o computador em que escreveu isto) e em que certos investimentos tecnológicos requerem a mobilização de recursos à escala planetária? A globalização não serve apenas para movimentar dinheiro entre offshores, sabe?

Boa sorte para isso, se quer mesmo convencer os jovens a regressarem aos anos 70. Em particular, quando tais tecnologias serão seguramente essenciais para um Green New Deal.

Nick Cohen disse há tempos com graça que Blair e Brown fizeram mais em quatro horas de poder pelos pobres que Corbyn em quatro anos de oposição a falar de socialismo. O João Rodrigues esquece convenientemente e sempre que os Partidos Social-Democratas só chegam ao Poder fruto de uma coligação eleitoral entre os burgueses liberais e as classes trabalhadoras, que nunca constituíram uma maioria nas democracias ocidentais (no países ditos socialistas eram simplesmente dominados pela ditadura de quadros dos Partidos Comunistas locais).

A Terceira Via de Blair representa precisamente uma abertura às classes médias. Starmer terá agora que recuperar (ou não) os votos da classe operária fugida para os Tories... Depois dos disparates de Johnson a lidar com a pandemia, indo ao ponto de recusar a compra conjunta de EPI e ventiladores com a UE, porque Brexit é Brexit, talvez seja menos difícil, se ele souber chamar o PM britânico às suas responsabilidades.

Para o João Rodrigues, o PCP e a CGTP, o povo português não é constituído pelo colectivo dos cidadãos, que sistematicamente têm rejeitado nas urnas as suas teses. Alguns vão até ao ponto de classificar a nossa livre escolha como atropelos à CRP de 1976, como se lê nestas páginas. O povo trabalhador limita-se aos seus filiados e apoiantes, os outros são burgueses liberais-fascistas ou traidores à classe.

A organização do 1º de Maio, com ou sem condições de segurança, mostra bem isso. É uma medida estúpida pelo mau exemplo que dá, ou pensa que outros não quererão agora manifestar-se ou encher as Igrejas? O Governo naturalmente não queria colocar a hipótese de ter que ordenar cargas policiais sobre sindicalistas no 1º de Maio, mas era sempre possível escolher entre dar um bom exemplo, como fez a UGT, que acusa sem nomear (como sempre!) em post anterior, ou um mau exemplo como fez a CGTP.

Mais uma vez, quem cita Ruskin, dizendo que o único tesouro que vale a pena possuir é a vida e depois defende uma acção de rua que pode pôr em risco a vida de terceiros ou canta loas à obra do maquiavélico Lenine que não se importava de sacrificar a vida humana no altar da Utopia Comunista, ou é ingénuo ou pensa que nos pode tomar a nós por ingénuos...

Anónimo disse...

Jaime Santos continua na sua senda de aldrabão desonesto. É duro ser assim tão frontal mas a isso obriga a realidade dos factos.

Diz Jaime Santos:
"O Governo naturalmente não queria colocar a hipótese de ter que ordenar cargas policiais sobre sindicalistas no 1º de Maio, mas era sempre possível escolher entre dar um bom exemplo, como fez a UGT, que acusa sem nomear (como sempre!) em post anterior, ou um mau exemplo como fez a CGTP"

O governo não poderia ordenar cargas policiais ( isso serão os sonhos húmidos de Jaime Santos?). Tal ficou acordado previamente.

- as celebrações do 1º de Maio estavam expressamente referidas como excepção no decreto (que Rui Rio aprovou) do estado de emergência o que protege explicitamente as deslocações inter-concelhos que a iniciativa englobou ;
- as iniciativas da CGTP foram acertadas ao pormenor com as autoridades de saúde e ninguém consegue invocar a mais pequena violação das regras de protecção e segurança recomendadas;
- os autocarros transportaram apenas 16 pessoas cada um com distribuição de gel desinfectante;
- como as imagens documentam, as filas de activistas (com máscaras) estavam distanciadas 5 metros e dentro de cada fila a distância era de 3 metros;


Azar de Jaime Santos.Fica com mais uma medalha dum comportamento exemplar

Anónimo disse...

Dos bons exemplos de Jaime Santos estamos nós conversados. Continua com Blair, o criminoso de guerra ao serviço de Bush. Parece que este fez mais em algumas horas pelos pobres que Corbyn em 4 anos

Sobretudo pelos pobres, moderados e ricos do Iraque. Parece que é responsável por um genocídio de uma população inocente

Mas Jaime Santos tem este gosto de escolher muito bem os que idolatra,mesmo que não passem de facínoras

Anónimo disse...

Depois dos desastres de pimentel ferreira com os nicks de paulorodrigues e de rao arques, este resolve aparecer por aqui como ele próprio, acompanhado da sua fotografia de antanho

Pobre joão pimentel ferreira.

De tão pobre, produz coisas de tal forma pobres, que entram directamente no panteão da gargalhada.

Parece que o nútrido personagem não gosta que se celébre o dia do Trabalhador a não trabalhar.

Vai beber directamente às águas dos que tentaram abafar pela força o Primeiro de Maio. Adivinha-se de dedo no gatilho, patilhas grandes, botas de marialva , cabelo rapado, furibundo e a gritar em holandês para que os trabalhadores trabalhem no Primeiro de Maio

Está fora de si o coitado. Ou pela ignorância desmascarada pela citação anedótica que faz, ou pelas idiotices dos berros de Rao Arques não terem surtido o efeito esperado,ou por estar despeitado com o "bastardo", o certo é que o sujeito está nitidamente perturbado

De tal forma que ficarão para a próxima algumas lições sobre o significado das palavras.


Anónimo disse...

tchtchth

Francamente, caro Jaime Santos.

Uma pessoa de boa fé passa os olhos pelos seus discursos e pasma

Ou é um disco riscado ou o que acrescenta é a cada dia que passa uma pequena demonstração da sua capacidade argumentativa. Este exemplo basta para percebermos que está equivocado no sítio onde dá largas à sua bílis

Isto:
"O povo trabalhador limita-se aos seus filiados e apoiantes, os outros são burgueses liberais-fascistas ou traidores à classe."

Isto parece uma máxima do Arnaldo Matos. Ou então algum dos rapazotes que escrevem no Observador

E tão curioso o termo "liberal-fascista." Diz tanto de quem o inventou. Quer casar o fato com o seu personagem num desejo místico de vitimização? Enquanto tenta esconder o seu bandear para o neoliberalismo da união europeia?

Tchtchtch , Jaime Santos. Até onde vai no seu insulto à sua própria inteligência?

Alice disse...

Diz o Pimental:

Esta gente fala do trabalho como se ainda trabalhássemos por turnos nas minas de carvão do séc. XIX.

Fala de barriga cheia, como se percebe.

Só que há tantos canários por aí, mais do que algum dia serás capaz de ver. É por isso que não percebes, nem nunca irás perceber - mesmo que um dia te venha a calhar seres um deles.

A.R.A disse...

Alain Badiou escreveu de uma forma bem inteligível para explicar ate aos mais reacionários que perante o crescente populismo de genese revivalista do fascismo e a falencia (ou falácia) do capitalismo como modelo que estes factores serão o mote para que a Hipótese Comunista se torne,assim como eu acredito, numa realidade necessária para evitar a implosão das sociedades.

Anónimo disse...

Não deixa de ter alguma razão, Badiou

A.R.A disse...

Badiou aborda a Ideia como um todo abstrato partindo da subjectividade do indivíduo sem restringir o Comunismo aos espartilhos dos partidos.
Algo que, ironicamente,de grosso modo se explica com :
Não penses no que é que o teu partido poderá fazer por ti mas sim.o que tu poderás fazer pela Ideia Comunismo

Reflections on the idea of communism

Também uma boa sugestão de leitura

Cumprimentos