quarta-feira, 6 de maio de 2020

Descodificador


A primeira linha de atuação da política monetária do Eurosistema assentou na disponibilização de liquidez em larga escala ao sistema financeiro (...) [F]oram alteradas as condições das operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas (TLTRO III), a vigorar entre junho de 2020 e 2021, cuja taxa de juro pode chegar a -1%, o nível mais baixo alguma vez disponibilizado pelo BCE, e que permite que os bancos tenham acesso a montantes mais elevados de financiamento do que anteriormente (...) A segunda linha de atuação da política monetária do Eurosistema passa pela compra de grandes volumes de dívida do setor público e do setor privado, para permitir que todos os setores da economia possam aceder a financiamento em condições favoráveis (...) Ao disponibilizarem liquidez em larga escala aos bancos e ao adquirirem grandes volumes de dívida pública e privada, os bancos centrais do Eurosistema, incluindo o Banco de Portugal, estão a assegurar que as instituições de crédito dispõem de condições e incentivos para financiarem, em condições favoráveis, as empresas e as famílias, mesmo num contexto desafiante como o que resulta da pandemia de Covid-19. Estas medidas de política monetária mostram que os bancos centrais da área do euro farão tudo o que for necessário no âmbito do seu mandato para evitar que a crise causada por esta emergência sanitária traga restrições ao financiamento à economia como um todo. 

Excertos do útil “descodificador” do Banco que não é de Portugal “como a política monetária está a ajudar a combater os efeitos da pandemia”.

No entanto, o descodificador tem de ser descodificado: quem é que está mesmo a ser ajudado?

O “eurosistema” foi claramente desenhado para colocar os bancos acima dos Estados em termos de condições de financiamento. Não há ali qualquer menção ao financiamento dos Estados, até porque o financiamento directo, no mercado primário, e o financiamento monetário são proibidos pelos tratados.

Se, como dizia Hegel, a verdade está na totalidade, é preciso descodificar o “financiamento à economia como um todo”. Os Estados são o todo, mas o financiamento aos Estados é indirecto, mediado pelos bancos.

Obviamente, sabemos que o BCE tem o controlo sobre as taxas de juro e que, no contexto das suas compras de dívida, parte do que a República pagar pela dívida pública acabará por ser devolvido ao Ministério das Finanças em dividendos pagos pelo Banco que voltará a ser de Portugal.

Cuidado, verdades destas preocupam os alemães, sobretudo quando falamos de países do Sul em momentos de crise. E daí os códigos.

Entretanto, todos sabem que são os Estados que estão em melhores condições para gerar a despesa que suporta os rendimentos e as condições literalmente de vida da população, que os bancos terão de ser salvos pelos Estados ou que, neste contexto de incerteza, são poucos os que no sector privado procurarão crédito. Afinal de contas, quem é que vai investir com tanta capacidade produtiva instalada por utilizar?

No BCE dizem que a actuação tem de ser conforme com os mercados, velha fórmula ordoliberal, marketkonform, pura ideologia. Os mercados já teriam colapsado, reparem. Como fazer algo conforme com um arranjo que depende da acção pública? Através da acção pública pós-democrática.

E os Estados têm de ir aos “mercados”, pagando taxas de juro reais positivas por emissões de dívida de longo prazo, excepto se forem a Alemanha, a quem se paga para financiar sempre que as coisas apertam: as taxas de juro das obrigações alemãs a dez anos registam valores negativos.

Já, por exemplo, na ilha que decidiu libertar-se da UE e que sensatamente nunca aderiu ao Euro, não é assim: o Banco de Inglaterra pode creditar uma conta do Tesouro para que este possa rapidamente realizar a despesa necessária e sem deixar lastro de dívida. É tão simples e decente que a mente, enredada nestes códigos do Eurosistema, bloqueia.

6 comentários:

PauloRodrigues disse...

O neoliberalismo pretende redefinir palavras e conceitos.
A crise do euro deixou de ser do euro e passou a crise das dívidas soberanas, o que pressupõe ignorar os 25 biliões de euros que os Portugueses ESBANJARAM nos bancos, para pagar CALOTES privados.
Manter os estados altamente endividados e a pagar juros aos bancos alemães e franceses também deixou de ser agiotagem.
Passou a ser FRUGALIDADE dos agiotas e ESBANJAMENTO dos que fazem fila no banco alimentar contra a fome.

Anónimo disse...

"Uma rosa será sempre uma rosa, mesmo que lhe dêm outro nome".
O Eurosistema é apenas um enviesado Marcosistema, rigoroso, controlado pelo poder político alemão.
Quem não gosta bem que pode sair, tal como entrou, apredida que foi a lição.

PauloRodrigues disse...

Bill Mitchel publicou hoje um pequeno artigo dedicado à decisão do tribunal constitucional alemão de intimar o BCE a "parar com a tourada" do programa de compras de obrigações dos países membros.
Para além de demonstrar a falsa independência do banco central, Bill Mitchell afirma que ESSA É A DECISÃO CORRETA, porque expõe a total vigarice em que a UE e a zona euro se tornaram.

Jose disse...

A par do Banco Alimentar teríamos o Banco de Rendimentos promovido pelo Estado, e como não se pode falar em austeridade, são desconhecidos os montantes a que isso poderia chegar.
Quanto ao investimento público, na parte que não signifique mais serviços e despesa pública, o silêncio dos augures é total, pelo que fica a dúvida se há alguma estratégia elaborada nessa área ou se a situação que vem decorrendo há já cinco anos traduz um normal a manter.

Anónimo disse...

Paulorodrigues pimentel ferreira

Paulorodrigues pimentelferreira está à procura de um curriculum

Saiu de cima do meio da ponte de onde invectivava a direita e a esquerda, para se assumir deste modo berdadereimente rebolucionário. Está numa de arranjar pontinhos de crédito para efeito manipulador no futuro. E tudo lhe serve, como idiotas e confrangedoramente aldrabadas citações.

Num dia, em que estava baralhado com o nick que estava a usar,revelou o que lhe vai na alma:

"Sair do euro ordenadamente e a volta do escudo, com uma taxa de conversão desastrosa para os depósitos bancários (em euros, claro), ou a expulsão de Portugal do euro e a volta do escudo, com taxas de conversão ainda mais desastrosas, bancos fechados, multibancos fora de serviço, falências como nunca vimos, supermercados vazios, pessoas a matarem-se por 1 kg de arroz"

Uma conversão desastrosa ou uma conversão ainda mais desastrosa?

Agora assume-se como um berdadeiro rebolucionário que até lê Bill Mitchell ( nem o nome sabe escrever bem)

Pimentel ferreira continua às voltas com a sua desonestidade

Anónimo disse...

Pimentelferreirapaulorodrigues também é "útil" para permitir "deixas" usadas depois por outros dos seus nicks. Ou por Jose.

Jose há pouco queixava-se amargamente pelo facto do "país e o sentir da nação" no fascismo não seja hoje respeitado nos dias de hoje. Assumia assim aquela ternura particular pelo salazarismo

Hoje assume a sua ternura peculiar pelo austeritarismo de Passos, da troika, dos vende-pátrias vulgares.

Onde está patente todavia um notório ressabiamento pafista traduzido assim desta forma sui generis:"como não se pode falar em austeridade"...

Ensandeceu? Não ajuda ele falar no investimento público,na parte que não signifique mais serviços e despesa pública.

O trabalhão que tiveram para tentarem dar cabo do SNS...

Passado este processo descodificador das bojardas com que se tenta esconder o debate,voltemos ao texto de João Rodrigues.

Que é o de de facto interessa e que estas "coisas" tentam esconder