quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Histeria e farsa (Parte 2)


Em debate recente na SIC Notícias, o deputado do PSD Leitão Amaro afirmou que a proposta de Lei de Bases da Saúde apresentada pelo governo se inscrevia na lógica de «sovietização do sistema», de «obsessão soviética» com o regime público, que faria o país «andar trinta anos para trás». Na mesma linha, Assunção Cristas considerou a proposta «orientada ideologicamente e prisioneira das amarras dos partidos mais à esquerda». Para compor o ramalhete, o António Costa do ECO acusou a ministra da Saúde de ter «uma agenda ideológica, cega: (...) acabar com a saúde dos privados».

Face a estas declarações, alguém mais desprevenido poderia julgar que se está perante a proibição iminente da saúde privada em Portugal e, consequentemente, o encerramento das clínicas e hospitais particulares existentes. O que vale é que já assistimos a este filme e ao respetivo nível de elegância argumentativa. Foi há cerca de dois anos, quando o Governo decidiu deixar de financiar os contratos de associação com escolas privadas nos casos de redundância face à oferta pública de ensino. Também então se rasgaram vestes contra a «obsessão ideológica», o «ataque soviético» em curso ou o «totalitarismo de Estado», sugerindo-se que o governo ia acabar com o ensino privado em Portugal.

Este paralelismo não surge do acaso. O que está em causa nesta proposta de Lei de Bases não difere muito, na sua essência, do que estava em causa nos contratos de associação: o princípio da supletividade como critério de provisão pública e enquadramento das relações entre o Estado (SNS) e o setor privado e da economia social. Ou seja, como refere a proposta apresentada pelo governo, a ideia de que - tendo em vista «a prestação de cuidados e serviços de saúde a beneficiários do SNS» - o Estado pode celebrar «contratos com entidades do setor privado, do setor social (...), condicionados à avaliação da sua necessidade». Tal como nos contratos de associação, trata-se da afirmação de princípios de serviço público (cobertura, universalidade, gratuitidade e equidade no acesso) e da cooperação entre os diferentes setores.

Ora, não estando em questão a alegada «perseguição» e «extinção» do setor privado, o que levará a direita política e económica a opor-se ao princípio, razoável, da supletividade? É aqui que entra a farsa, valendo a pena regressar ao texto da Lei de Bases da Saúde de 1990, aprovado apenas com os votos do PSD e do CDS e que se encontra em vigor. Nele se defende, explicitamente, o apoio ao «desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público». Aliás, quando Leitão Amaro se refere à posição do PSD, dizendo que «o Estado deve ter um papel central e primário na gestão, produção, regulação, avaliação, fiscalização e financiamento do SNS», é essencialmente do Estado-financiador-do-privado que fala, seguindo a lógica de que «é indiferente quem presta o serviço» e o quadro da desejada indistinção entre o «sistema nacional de saúde» e o SNS. Uma lógica convergente, de resto, com a proposta de Rui Rio relativa à generalização da ADSE, tendo em vista criar uma espécie de «cheque-saúde», que constituiria uma segunda forma de financiar o setor privado através de recursos públicos, enfraquecendo ainda mais o SNS.

14 comentários:

Jose disse...

«redundância face à oferta pública»

É esse o caminho do socialismo de pantufas.

Há falta de receitas ou de crédito estimula-se o investimento privado a que satisfaça necessidades públicas. Logo que possível investem-se meios públicos para tornar inviáveis os operadores privados.

Nacionalizar pode ser mal visto, e obra pública é sempre uma oportunidade de fazer amigos.

Mas seguro mesmo é criar emprego público, isso é que garante as clientelas no longo prazo

Unknown disse...

é a dança das PPPs, que bem podiam chamar-se LMGEs (lucro mínimo garantido pelo estado).

Sem risco, mesmo quando pisam o risco. É um maná!

Unknown disse...

Então, o José admite que os "operadores privados" só são viáveis com subvenção pública! Mas, não é melhor pagar a um funcionário do que subsidiar um subsídio dependente?

Álvaro disse...

Concorrência?! Não sabia que a Lei de 1990 estava escrita dessa forma... É um curioso conceito de concorrência: o Público tem as obrigações de serviço público, o privado seleciona pelo preço e ainda é indiretamente financiado via ADSE e PPP. Maravilhoso mundo do investimento privado sem risco, com renda garantida. Assim também eu era rico e sempre disponível para financiar campanhas políticas de partidos amigos.

Anónimo disse...

Estes neoliberais com tiques, deveriam olhar para o seu passado e dos seus partidos, que ao longo dos anos estiveram no governo e não mexeram um palha para a alterar seja o que fosse na defesa dos trabalhadores, reformados e desempregados.. Sempre estiveram e continuam a defender os seus interesses,da sua classe burguesa e reaccinário. E fico por aqui!!!

Anónimo disse...

Quem vota PSD e CDS deveria ter vergonha de ajudar a destruir Portugal e a roubar os portugueses!! Porque é isso mesmo que estes gatunos fazem ao arruinar o Sistema Nacional de saúde para privatizar por completo a saúde e financiar os privados com o dinheiro de todos nós.

Um enorme agradecimento à Ministra Marta Temido que está a lutar com todas as suas forças para defender o serviço público contra os lobbystas criminosos que o estão a destruir. Já a raposa lobbysta Maria de Belém só tem feito é procurar destruir o SNS em prol dos privados. Nem deveria estar no PS, mas no PSD que é o lugar dela, mas está no PS como uma raposa no galinheiro, a vampira.
Óptimo artigo. Bem hajam mais uma vez. M.M.

vitor disse...

"...acabar com a saúde dos privados."

Em Portugal a saúde e já agora a educação privadas são um grande embuste. Só rentistas à mama do OE. Sem acordos com o Estado não havia uma unidade de saúde ou educação privada em Portugal! Logo chamar-lhe saúde dos privados... Ainda se fosse mais uma renda dos privados.

Jose disse...

Os "operadores privados" só são viáveis para um dado volume de negócios.

Nenhum sobrevive em concorrência com um Estado que dá borlas e que não faz outras contas que não saber se hade sacar mais impostos.

Jose disse...

Todo o esquerdalho se gaba de que o Estado é o grande vencedor em concorrência com os privados

Pudera:
. É o monopolista do saque de impostos
. Faz os preços que lhe assegurem as clientelas

Anónimo disse...

Boas tardes ,

maravilhosos comentários que em nada esclarecem sobre o que está em causa. Táticas bem conhecidas do Barulho e Fumo

Ricardo Silva disse...

Então e o, de longe e com muita distancia para todos os outros, maior financiador da saúde privada em Portugal não acaba?

Unknown disse...

A Saúde é um direito, não uma mercadoria: não há "mercado" logo não há "concorrência", e o José bem o sabe. Trata-se de decidir se a provisão é directa, pelo Estado e através de funcionários públicos; ou através da concessão a "privados". Mais uma vez: prefiro pagar vencimentos a funcionários que lucros ao capital rentista.

Daniel disse...

O resultado de pôr o carro à frente dos bois, no caso das escolas!

https://expresso.pt/sociedade/2016-09-13-CDS-alerta-para-alunos-sem-escola-na-Venda-do-Pinheiro#gs.6f9EqRAu

“As escolas próximas disseram que não tinham vagas e as que podem receber estes alunos ficam na Ericeira, longe das suas casas, contrariando assim o estudo apresentado pelo Ministério da Educação onde se garantia que apenas seriam cortadas turmas onde houvesse oferta pública”, diz ao Expresso a deputada centrista Ana Rita Bessa.
“Acresce que a autarquia não tem transporte escolar, o que irá significar custos acrescidos para os pais”, acrescenta.

Encaminhamos para o mesmo na saúde!

Daniel Ferreira disse...

https://www.dn.pt/pais/interior/alunos-de-secundaria-de-leiria-levam-mantas-para-a-escola-para-enfrentar-o-frio-10425611.html

Com cerca de mil alunos, a ESALV tem vindo a aumentar o número de estudantes para dar resposta à redução de turmas financiadas nos colégios com contratos de associação. "Este ano não tínhamos cadeiras nem mesas em número suficiente para os alunos que recebemos".

Mais do mesmo: a perseguição ideológica contra a existência da iniciativa privada, mesmo contra os interesses do indivíduo.
Antes escolha nenhuma que livre escolha? É o que defende a Esquerda