quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Eles têm medo

Uma das múltiplas virtudes da mobilização popular intransigente, dos coletes amarelos, é a transferência de algum medo de baixo para cima. Só desta forma realista, alguma transferência de recursos de cima para baixo pode ocorrer. Macron está com medo. Esperemos que tenha cada vez mais medo. Agora, parece que até está a considerar reinstituir um dos impostos que a sua presidência dos ricos, para os ricos e pelos ricos tinha abolido: o imposto de solidariedade sobre as fortunas. Voltar ao quase tão impopular status quo de Hollande não chega, claro. Portanto, bravo povo francês, ainda mais um esforço, ainda mais um exemplo.

Actualização. Afinal, o amedrontado e desorientado Macron ainda se opõe à reinstituição do imposto de solidariedade sobre as fortunas. Entretanto a notícia do The Guardian, a que fiz ligação, foi alterada, sem qualquer indicação da mudança do título e da profunda revisão feita ao texto. Confirma-se que Macron ainda é o presidente. Só dos ricos, claro. Portanto, bravíssimo povo francês, muito mais esforços, muito mais exemplos.

13 comentários:

S.T. disse...

Para reforçar a ideia do post recomendo este artigo do Les Crises.

Demasiado longo para traduzir na totalidade e difícil de escolher excertos de tão rico de conteúdo.

https://www.les-crises.fr/gilets-jaunes-le-sens-dune-revolte-par-eric-juillot/

"ÊTRE À NOUVEAU UN PEUPLE

Ce qui frappe le plus lorsque l’on participe à ces réunions spontanées sur tous les ronds-points du pays, c’est peut-être, par-delà la colère, la joie qui anime les gens. Comme si le seul fait de sortir de chez soi, d’occuper l’espace public et d’engager des conversations à caractère politique avec des inconnus représentait déjà une fin en soi, le début d’une renaissance. Car cette expérience est d’un genre inhabituel : humaine et vivante, à la façon des manifestations sportives, mais ô combien plus profonde par sa dimension civique. Tous les Gilets-jaunes sentent en effet confusément qu’ils font à nouveau peuple pour la première fois depuis des décennies ; qu’un système par eux haï, qui croyait les avoir vaincus, est d’emblée délégitimé par leur apparition ; que, de citoyens virtuels, appelés à exprimer leur choix sous contrainte lors d’élections ponctuelles, ils redeviennent des citoyens réels, aptes à jouer un grand rôle dans la vie de la cité. Dans ces centaines d’agoras improvisées, chacun sent renaître en lui un authentique lien civique, la fraternité qui naît spontanément des discussions politiques. C’est une source de joie profonde, que cette parole libérée et échangée entre citoyens."

""SER DE NOVO UM POVO

O que é mais impressionante quando se participa dessas reuniões espontâneas em todas as rotundas do país, é talvez, além da raiva, a alegria que anima o povo. Como se sair de casa, ocupar o espaço público e engajar-se em conversas políticas com estranhos já fosse um fim em si mesmo, o começo de um renascimento. Porque essa experiência é de um tipo incomum: humana e viva, como eventos desportivos, mas muito mais profunda pela sua dimensão cívica. Todos os coletes amarelos sentem confusamente que são mais uma vez povo pela primeira vez desde há décadas; que um sistema odiado por eles, que pensava tê-los conquistado, é desde de rompante deslegitimado pelo seu aparecimento; que os cidadãos virtuais, chamados a expressar sua escolha sob restrição em eleições específicas, tornam-se cidadãos reais, capazes de desempenhar um papel importante na vida da cidade. Nestas centenas de agoras improvisadas, todos sentem um autêntico vínculo cívico nele, a fraternidade que surge espontaneamente das discussões políticas. É uma fonte de alegria profunda, que essa palavra seja divulgada e trocada entre os cidadãos."

S.T.

S.T. disse...

Mais alguns excertos

"Les Gilets-Jaunes ont trouvé inadmissible qu’au prélèvement fiscal accru sur leurs revenus s’ajoutât une restriction de fait de leur mobilité, quand celle-ci est une partie intégrante de la liberté individuelle."

"Os coletes amarelos consideraram inaceitável que ao aumento do imposto sobre seus rendimentos se somasse a restrição de fato à sua mobilidade, quando esta (mobilididade) é uma parte integrante da liberdade individual".

"Trente années de frustration, de ressentiment et d’amertume face au déclin de la chose publique imposée à une France réticente par des gouvernants conformistes et veules, au nom d’une adaptation sans fin à la mondialisation et de la soumission nécessaire à une construction européenne prétendument salvatrice. Trente années de régression sociale, de dérégulation financière, d’affaiblissement économique et de recul de l’Etat dans tous les domaines. Trente années de colère rentrée qui explose soudain à la face de nos dirigeants, sidérés par la résurrection inopinée du peuple comme force politique directe et agissante. Aujourd’hui, par un juste retour des choses, se produit un brusque rappel à la réalité fondamentale de notre univers politique : il n’y a pas de démocratie sans démos. Qu’il faille rappeler cette évidence au point où nous en sommes rendus, voilà qui en dit long sur la dégénérescence politique, sur la dévitalisation de la démocratie qui a caractérisé les trois dernières décennies."

"Trinta anos de frustração, ressentimento e amargura face ao declínio da coisa pública impostas a uma França relutante por governantes conformistas e covardes em nome de uma adaptação sem fim à globalização e submissão necessárias para uma construção europeia supostamente salvadora. Trinta anos de regressão social, de desregulação financeira, de enfraquecimento económico e de recuo do estado em todos os domínios. Trinta anos de raiva reprimida que de repente explode na cara dos nossos dirigentes, atordoados pela ressurreição súbita do povo como força política directa e activa. Hoje, num justo retorno, ocorre um relembrar súbito da realidade fundamental do nosso universo político: não há democracia sem demos. Que seja preciso recordar essa evidência no ponto em que estamos, é algo que diz muito sobre a degeneração política, a desvitalização da democracia que caracterizou as últimas três décadas."

Confessem lá que vale bem a pena ler esta bela prosa no original, para quem possa.

S.T.

Diógenes disse...



Os manifestantes franceses, fazem tremer o poder em França. Como significado simbólico deviam ocupar a Praça da Bastilha em Paris……...

S.T. disse...

Mais uns excertos:

"Le peuple français, si longtemps humilié, méprisé, effacé même, par ceux qui faussement gouvernaient en son nom se réveille d’un long sommeil, sort de l’état de sédation profonde dans lequel on aurait aimé qu’il restât. Il a fallu pour cela que le système arrive au terme de son potentiel de destruction : élu par les 16% d’inscrits qui l’ont placé en tête au premier tour de l’élection présidentielle en 2017, Emmanuel Macron a mis en œuvre depuis dix-huit mois, et avec superbe, une politique qui ne profite vraiment qu’aux Français les plus riches, c’est-à-dire à 10 ou 15% de la population. Sous couvert de progressisme, il n’a fait qu’aggraver le délitement généralisé auquel le néolibéralisme nous condamne, tout en croyant sincèrement que le verbiage creux et la bouillie conceptuelle de ses discours allaient susciter l’enthousiasme et l’adhésion des masses."

"O povo francês, durante tanto tempo humilhado, desprezado, e até apagado, por aqueles que falsamente governaram em seu nome, acorda de um longo sono, saiu do estado de profunda letargia em que gostariam que ele permanecesse. Para isso foi preciso que o sistema tenha chegou ao extremo do seu potencial destrutivo: eleito pelos 16% de eleitores que o colocaram na liderança no primeiro turno das eleições presidenciais de 2017, Emmanuel Macron implementou desde oito meses, e com soberba, uma política que realmente só beneficia os franceses mais ricos, isto é, 10 ou 15% da população. Sob a capa do progressismo, não fez mais do que agravar a desintegração generalizada à qual o neoliberalismo nos condena, embora acreditando sinceramente que o palavreado oco e o caldo conceptual dos seus discursos iam provocar o entusiasmo e o apoio das massas ".

"Loin de vouloir détruire la République, il entend la ranimer en restaurant la plénitude ses pouvoirs. « Le principe de toute souveraineté réside essentiellement dans la nation. Nul corps, nul individu ne peut exercer d’autorité qui n’en émane expressément » dit notre Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen dans son article trois. C’est pour avoir oublié ce principe fondamental, pour avoir cru étrangement qu’il devait être dépassé que nos dirigeants se retrouvent aujourd’hui coincés entre, d’une part, les revendications d’un peuple trop longtemps floué et, d’autre part, les exigences du système technocratique et économique nommé « Union européenne » qui a phagocyté ou détruit des pans entiers de la souveraineté nationale."

"Longe de querer destruir a República, ele (o movimento dos coletes amarelos N.T.) pretende ressuscitá-la, restaurando-a na plenitude dos seus poderes." O princípio de que toda soberania reside essencialmente na nação. "Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que não emane dela expressamente" diz a nossa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu artigo 3. É por ter esquecido este princípio fundamental, por ter pensado que deve ser ultrapassado que os nossos dirigentes estão hoje entalados entre um por outro lado, as reivindicações de um povo demasiado tempo iludido e as exigências de um sistema tecnocrático e econômico chamado "União Européia", que fagocitou ou destruiu setores inteiros da soberania nacional. "

Notável, não é?

S.T.

Anónimo disse...

Mais uma vez a França, 230 anos depois, a dar um forte sinal para uma mudança necessária. Espero que não se deixem enganar nem ir nalguma conversinha mole do intruja do Macron. Porque é sabido que a permanência de Macron, representante dos 10% mais ricos e sabujo regedor do euro, é incompatível com a instauração da da decência em França.

S.T. disse...

Também a Marianne e o L'Obs publicam artigos interessantes para se perceber o fenómeno dos "gilets jaunes".

No L'Obs:

https://www.nouvelobs.com/economie/20181205.OBS6605/les-impots-ne-sont-plus-justes-l-economiste-julia-cage-appelle-a-retablir-l-isf.html

Na Marianne:

https://www.marianne.net/politique/annonce-edouard-philippe-gilets-jaunes-discours

https://www.marianne.net/politique/gilets-jaunes-edouard-philippe-macron-lrem-ramasse

Boa leitura!

S.T.

Aleixo disse...

O problema está na desigualdade dos instrumentos,

ao dispor das forças em confronto -

Povo / Razão

versus

"instalados" / estado ( ...com letra pequena.)


Estão a ver o filme:

... arruaceiros...lugares próprios...estado de direito...infiltrados...patata...patata...arruaceiros...

Só a polarização do confronto terá hipótese de sucesso.

Jose disse...

Agora temos a cena de fazer dos coletes amarelos um movimento político, com agenda e programa.


Ainda não vi o Mélenchon de colete amarelo mas deve estar para breve.

S.T. disse...

Já agora mais uns excertos do excelente artigo do Les Crises:

https://www.les-crises.fr/gilets-jaunes-le-sens-dune-revolte-par-eric-juillot/

"Les ministres ont à plusieurs reprises affirmé qu’il était difficile de savoir ce que voulaient au juste les Gilets-jaunes, tant leurs revendications sont diverses et parfois confuses. Il est pourtant possible de les résumer en une seule idée : ils veulent que le gouvernement adopte une politique économique exactement inverse de celle qu’il a menée jusqu’à présent. Cela suppose de remplacer une politique de l’offre inepte et destructrice – les décennies écoulées en sont la preuve irréfutable – par une politique de la demande, c’est-à-dire par un grand plan d’investissement public, de plusieurs dizaines de milliards d’euros, destiné à stimuler la croissance, à créer massivement des emplois, à financer la transition écologique et à restaurer, enfin, les fonctions dégradées de l’Etat républicain."

"Os ministros afirmaram repetidamente que é difícil saber o que os Coletes Amarelos realmente queriam, já que suas reivindicações são diversas e às vezes confusas, mas é possível resumi-las numa única idéia: eles querem que o governo adote uma política econômica que é exatamente o oposto do que tem feito até agora, o que significa substituir uma política da oferta inepta e destrutiva - as últimas décadas são uma prova irrefutável disso - por uma política da procura, ou seja, um grande plano de investimento público de várias dezenas de bilhões de euros, destinado a estimular o crescimento, criar empregos maciçamente, financiar a transição ecológica e restaurar, finalmente, as funções degradadas do estado republicano."

"Pour être efficace, un tel plan implique nécessairement de faire sauter le verrou européen, de s’affranchir des contraintes communautaires. Dans l’idéal, il faudrait recouvrer notre souveraineté monétaire, reprendre le contrôle de la banque centrale et instaurer temporairement des restrictions à la libre circulation des capitaux. Autant dire engager une révolution idéologique et institutionnelle qui balaierait l’essentiel de l’UE. Nos dirigeants sont-ils assez armés intellectuellement et moralement pour procéder à une opération d’une telle ampleur ? Peuvent-ils même la souhaiter ?"

"Para ser eficaz, um tal plano necessariamente implica romper o impasse da União Europeia (ou fazer saltar o ferrolho europeu, em tradução alternativa N.T.), livrando-se das restrições comunitárias e, idealmente, recuperando a nossa soberania monetária, recuperando o controle do banco central e instaurando temporariamente restrições à livre circulação de capital. Por outras palavras, para lançar uma revolução ideológica e institucional que varreria o essencial da UE. Será que os nossos líderes estão intelectual e moralmente armados o suficiente para realizar uma operação dessa magnitude? Podem mesmo desejá-la?"

S.T.

S.T. disse...

Também há que assinalar um apoio de uma origem inesperada mas com uma impecável fundamentação antropológica. Trata-se de Pamela Anderson.

Eis link para o texto de que já em comentário noutro post citámos:

https://www.pamelaandersonfoundation.org/news/2018/12/4/yellow-vests-and-i

S.T.

Anónimo disse...

O artigo do Les Crises é de facto muito bom bem como alguns comentários dos nacionais que vivem de perto este momento histórico.

S.T. disse...

Quanto ao Guardian agora a moda é assim: Publicam-se notícias falsas ou especulações que não se confirmam e depois, à socapa, altera-se a notícia sem dizer "água vai!".

https://www.theverge.com/2018/11/27/18114380/wikileaks-trump-julian-assange-decapitation-manafort

S.T.

vitor disse...

O Macron devia contratar o Ferraz da Costa para ministro da Economia. Os dois juntos arranjavam maneira de pôr o Estado a pagar os salários dos colaboradores do privado.