segunda-feira, 28 de maio de 2018

Cantar de galo


Terminou o congresso do PS. Retive estas duas frases do discurso final de António Costa (ler aqui)
Hoje podemos dizer a quem duvidava há 2 anos e meio, que era impossível virar a página da austeridade sem sair do euro. Nós provamos que era possível sair da austeridade sem sair do euro.
Se há algo que nos devemos orgulhar nestes dois anos e meio é que acabámos com o mito de que em Portugal é a direita que sabe governar a economia e as finanças públicas.
António Costa tem razão. Provou que “era possível sair da austeridade sem sair do euro”. Porém, é importante lembrar que, para que assim tenha sido, recebeu uma preciosa ajuda da UE já que a conjuntura em que começou a governar era de crise política, ascensão dos partidos da extrema-direita e infração nos défices por parte da França, Itália e Espanha. Após a carnificina a que foi sujeita a Grécia, Angela Merkel e a Comissão Europeia perceberam (a custo) que não era sustentável acirrar ainda mais os ânimos contra a política ordoliberal dos Tratados. Já tinham tirado o pé do acelerador da austeridade para permitir a Passos Coelho deixar derrapar o défice, aliviando o garrote à economia, para apresentar algum crescimento e tentar ganhar as eleições. A solução “geringonça” – envolvendo a esquerda que está banida dos governos da UE –, tendo sido mal recebida, acabou por ser tolerada porque também não havia clima para mais “austeridade expansionista”. Sabendo muito bem do que a casa gasta, António Costa também teve a inteligência de escolher um economista neoliberal e, dessa forma, deu garantias de que o essencial seria salvaguardado em diálogo cooperante com quem manda. Uma inteligência submissa.

Sim, António Costa seguiu um caminho social-liberal para lidar com as exigências dos Tratados e a sua alternativa teve condições para ser bem sucedida. Mas só o foi porque ainda fumegava a terra queimada na Grécia e porque, com toda a frieza da ‘realpolitik’, nunca reprovou a prepotência da UE, primeiro, no derrube do governo italiano através do BCE em 2011, depois, no derrube do governo grego também pelo BCE em 2015. Agora não nos venha falar de política socialista porque isso está proibido na UE e António Costa bem o sabe.

Aliás, António Costa também podia ter-nos poupado à fanfarronice de que governa tão bem como a direita no que toca à economia e finanças. Orgulhar-se de défices, dentro em breve de excedentes, numa economia longe do pleno emprego e com serviços e equipamentos públicos em erosão, é orgulhar-se de cumprir regras absurdas que nenhuma teoria económica sustenta e, pior ainda, é mostrar sem qualquer pudor a inculturação neoliberal do “socialismo-terceira-via” que o PS julga não praticar. Tenho cá para mim que os economistas dignos desse nome que rodeiam António Costa ficaram constrangidos ao ouvir tal afirmação. É o preço que têm de pagar enquanto permanecem agarrados à fé numa futura, mas inverosímil, viragem do PS à esquerda. Tenho pena que, no final do Congresso, nenhum representante dos partidos da esquerda ali presentes tenha comentado esta afirmação. Sinais dos tempos.

9 comentários:

Paulo Marques disse...

Eu ainda não percebi onde está o fim da austeridade: a começar pelas condições laborais e a acabar no nível da dívida privada, está tudo basicamente na mesma e não vai mudar.

Anónimo disse...

Está no fim da queda dos salários...

José M. Sousa disse...

A Austeridade (estúpida) ainda se verifica no débil investimento público (veja-se a degradação da rede ferroviária e material circulante; a falta de investimento no metro de Lisboa e do Porto; nas ligações fluviais entre Lisboa e margem sul, etc.); na degradação do SNS; no desinvestimento na ciência, etc, etc.

Jorge Bateira disse...

Aos meus leitores,
Sabendo que o sentido da palavra "austeridade" pode ser o do senso comum, aquele que o PS adopta, 'cortes nos rendimentos nominais dos cidadãos' ou, num sentido mais amplo, 'política orçamental recessiva', preferi aceitar o primeiro para não complicar e alongar o texto. Noutra oportunidade questionarei esta noção de austeridade.

Paulo Marques disse...

Eu sei, caro Bateira, vou seguindo o que diz. Como uma coisa é o salário nominal, como diz e o Anónimo implica, outra é o real.

Jaime Santos disse...

Pelo menos o Jorge Bateira dá a mão à palmatória e admite que Costa levou a melhor (por agora, porque claro, tudo é efémero).

Mas deixe-se dessa coisa dos Economistas sérios. Como o seu colega Paes Mamede dizia num outro artigo recente, em Economia não há leis, há tendências e há ideias que influenciam o ar do tempo
e depois há claro o Poder que os Estados têm. E aí a Economia é Política, mas no sentido mais hobbesiano possível.

Costa até pode não perceber grande coisa de Economia, mas percebe muito bem uma coisa que outros, incluindo o Jorge Bateira, não entendem, as relações de força. Ele não compra brigas que não pode ganhar, por isso move-se inteligentemente dentro dos limites que sabe não poder ultrapassar.

E está a ver como a nomeação de um Economista Liberal foi uma atitude inteligente?

Ainda bem que temos como PM um advogado e político experimentado, em lugar de um economista como Passos Coelho. Infelizmente, os Economistas, à Esquerda e à Direita, estão todos muito convencidos que são capazes de prever o futuro. Costa faz uma coisa diferente, prefere inventá-lo...

Anónimo disse...

A nomeação de um economista deles, neoliberal e do Sul foi uma atitude inteligente dos alemães e dos eurocratas

O resto, infelizmente, ê paleio

Pelo menos Jaime Santos abandonou aquele refrão esquisito, para ver se vendia o produto, de termos o ministro das finanças mais radical

Anónimo disse...

Mais uma vez o rigor nas palavras é importante.

Jorge Bateira não utiliza a palavra "sérios", referindo-se aos economistas. Usa sim a palavra "dignos", textualmente nestes termos: "Tenho cá para mim que os economistas dignos desse nome que rodeiam António Costa...".

A diferença pode ser menor. Mas este é o pretexto para fazer ver a JS que não é por "não haver leis e sim tendências e ideias que influenciam o ar do tempo" que não permite qualificar os economistas como dignos desse nome ou não.

A simples realidade demonstra o referido por Jorge Bateira. Todos sabemos como a maioria dos economistas se portou antes da crise de 2008, até na classificação das agências de rating; todos sabemos como se portou nos anos de chumbo da troika, servindo de amplificador e de fonte para a propaganda neoliberal-austeritária. Todos sabemos como se comportou após a queda do governo de Passos, contribuindo para o mito do diabo.

Todos estes, de certa forma, vilipendiaram, sob o ponto de vista técnico, a sua profissão. Não foram dignos desta

Mais.

Este espaço do LdB é um espaço raro, porque aberto às alternativas. Quantos dos referidos economistas não se comportaram e comportam de forma venal, servindo os seus interesses pessoais ou de quem lhes paga?

Anónimo disse...

Antonio Costa continua a alimentar a ideia do "bom aluno" sem falar verdade ou actuar de forma firme, permite que o caminho não se altere fazendo passar a ideia que ele é o aspecto central de uma mudança de paradigma que efectivamente não aconteceu. Puxar para nós coisas que não são nossas é algo muito pouco digno.