segunda-feira, 21 de maio de 2018

António Arnaut


«De facto, para quem nasceu há setenta e oito anos numa pobre aldeia do concelho de Penela, chamada Cumieira pela sua localização no cimo de um pequeno monte, que nunca aspirou a ser montanha, estava longe de sonhar com este agora que me acontece. Naquele tempo, as pessoas comiam o pão duro dos dias sem sol, viviam à míngua e morriam, em regra, sem assistência médica. Foi essa paisagem humana de sofrimento e resignação que, sem metáfora nem retórica, despertou em mim o inconformismo activo perante as injustiças evitáveis e me fez um cidadão comprometido com o Povo e a Pátria. Anos mais tarde escrevi num livro meu: "Não me conformo com as pequenas injustiças. Aceito as grandes, porque são inevitáveis, como as catástrofes, e atestam a impotência dos deuses. Aquela criança, descalça, apenas precisava de uns sapatos. Se tivesse nascido sem pés, não era tão grande a minha revolta". Creio que foi esta rebeldia, e também a minha intervenção cívico-social, para ajudar, embora modestamente, a construir uma sociedade mais livre, justa e solidária, que justificaram a alta distinção que me vai ser conferida. A criação do Serviço Nacional de Saúde, trave-mestra do Estado Social, iniciada no segundo governo de Mário Soares e concluída com a publicação da Lei 56/79, de 15 de Setembro, deve ter pesado nessa magnânima decisão. Sendo assim, é meu dever recordar intimamente todos os que ajudaram a concretizar essa grande reforma de Abril e os que têm lutado para não deixar apagar a luz de esperança que então se acendeu e que ainda bruxuleia no horizonte nublado de Portugal.»

Da alocução de António Arnaut (1936-2018) na sessão do seu Doutoramento Honoris Causa, pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, a 29 de maio de 2014.

5 comentários:

durindana disse...

... e eu não sei?
1936 também para mim.
Nasci com direito a botas cardadas, mas tinha de me descalçar se queria jogar à bola com os meus colegas da escola.

Anónimo disse...

Um Homem bom

Anónimo disse...

'Deixei a política activa por ter sentido, dolorosamente, que o contorcionismo e a flexibilidade de carácter eram a cartilha dominante' ou ainda 'E, seja como for, entre o SNS e o PS, estou pelo SNS'. São algumas frases de Arnaut que o colocam na categoria dos admiráveis e dos intelectualmente honestos, independentes e como alguém dizia, dos bons. Que perda para todos nós e para Portugal!

A.R.A disse...

O meu lamento vai não só no sentido do desaparecimento de uma figura maior mas também pelo facto de figuras de igual estirpe de Homem cada vez mais escassearem na nossa vida publica.

Contudo, os meus mais sentidos pêsames a família deste Homem bom que será sempre presente enquanto existir o SNS, assim com quem o defenda como tal honrando o legado deste Homem.

Que descanse em paz

A.R.A

Anónimo disse...

António ARNAUT não morreu!

ELE CONTINUA VIVO no CORAÇÃO do POVO!

Emigrante 2013