domingo, 1 de junho de 2014

Quatro notas europeias

1. As eleições europeias lembraram a Andrew Sullivan “uma verdade fundamental”, de que certas elites se esquecem por sua conta e risco: “a identidade nacional permanece a mais potente e democrática forma de associação política.” Olhando para as ilusões pós-nacionais ainda prevalecentes em sectores intelectuais de esquerda, até parece que é preciso ser um intelectual conservador para perceber isto. Felizmente, não é.

2. A Frente de Esquerda em França ignorou Jacques Sapir e as suas propostas por sua conta e risco: não cresceu, sendo que houve pior, claro. Na reacção aos resultados das eleições, este defensor da soberania democrática no campo da economia política, assinala algo muito importante: a “falta de sincronia” dos espaços políticos das diferentes nações, a ausência de um “povo europeu”, a forma como a dinâmica política destas eleições europeias ocorre num “quadro nacional que lhe dá especificidade”.

3. Ambrose Evans-Prichard, um imperdível comentador económico e político, sem separações artificiais, indica-nos que o irremediável afastamento britânico face à integração europeia é o menor dos problemas de uma UE a braços com uma crise económica e de legitimidade geradas pelas suas elites, as que criaram o euro e as que persistiram num arranjo que está a destruir a integração possível e desejável.

4. Através deste último, cheguei a um artigo de Kevin O’Rourke numa publicação do FMI. O’Rourke é um dos principais historiadores económicos e tem traçado paralelos entre um euro que impõe contraproducentes políticas deflacionárias e o padrão-ouro de tão má memória dos anos vinte e trinta. Até há pouco, O’Rourke só encarava a reforma do euro, com a correcção federalizadora das suas disfuncionais assimetrias. Agora, e perante a constatação dos obstáculos intransponíveis a tais reformas, O’Rourke já encara de frente o cenário de dissolução de uma moeda que levará “os historiadores daqui a cinquenta anos a questionarem-se sobre as razões para a sua introdução”.

10 comentários:

Jaime Santos disse...

Não deixa de ser irónico que a defesa mais intransigente da identidade nacional enquanto forma de associação política esteja entregue em Portugal a uma Esquerda que descende de um Movimento Operário Internacionalista e que ficou orfã depois do colapso da URSS, e que o Modelo Federalista Europeu, baseado num novo padrão-ouro, tenha por seu lado uma inspiração liberal-conservadora. Parece que a única Internacional que subsiste é mesmo a Internacional Capitalista...

Aleixo disse...

Não sendo eu um intelectual nem pertencendo á elite, SOU no entanto...
um dos DONOS "disto".

Há "p´rá i" uns protagonistas (...de primeira apanha!)não sei bem porquê,(??!!) mas, julgam-se mais donos!

Que a direita, decida contra a maioria, a gente percebe...

...agora a Esquerda?!

Há "p´rá i" umas luminárias que assobiam p´ró lado, fazendo de conta que não há dúvidas e, como tal...nem precisam de perguntar!

Vai-se á Lua !

...e...decidiam pelo DONO ?!?!?!

Jose disse...

O discurso da dissolução da unidade monetária nunca faz qualquer referência ao impacro de uma tal medida nas que definem a União - liberdade de circulação de mercadorias e pessoas, pauta exterior comum.
Quem tem uma moeda própria, ou tem uma economia forte ou tem que ter meios de defender a moeda!

Anónimo disse...

-As consequências da saída do euro têm sido abordadas porfiadamente neste blog.
Nos mais variados e múltiplos aspectos.É só consultar o já escrito e mais do que reescrito. É simplesmente desonesto fazer tábua rasa de tal facto

-As medidas que definem a união não são a "liberdade de circulação de mercadorias e pessoas, puata exterior comum".Não corresponde à realidade passados os tratados assinados à revelia dos povos.Como não corresponde aos factos a que assistimos todos os dias.

-É grosseiro "esquecimento" esquecer que há vários países da UE que não navegam na área do euro, sem que isso afecte as "medidas que definem a união" (seja lá o que isso for):
Bulgária, Croácia, Dinamarca, Hungria, Lituânia, Polónia, Reino Unido, República Checa, Roménia e Suécia.

Já agora para sermos mais substantivo do que os slogans ideológicos mas manipulados e não verdadeiros, dois artigos recentes de Sapir (já referidos aqui no ladrões)
http://resistir.info/europa/sapir_admissao_23mar14.html
http://resistir.info/europa/sair_do_euro_14abr14.html

De

HY disse...

Haverá muitas críticas a fazer, nomeadamente do ponto de vista econômico, ao euro tal como foi modelado. Mas se há alguém que pode perceber as razões da sua criação são os historiadores, creio eu.

De resto, partilhando totalmente muitas das críticas à orientação das políticas da União e ao modo como está se tem desenvolvido, acho muito estranho esta paixão pela soberania nacional etc que uma certa esquerda tem demonstrado ultimamente. Eu que pensava que a esquerda ia de "proletários oprimidos de todo o mundo erguei-vos" a "le nationalisme c'est la guerre"... Pessoalmente, acho que um dos dramas da Europa foi precisamente o facto de uma certa esquerda nunca ter conseguido conceber o espaço da sua intervenção política a nível transnacional, quando me parece óbvio que o nível nacional é impotente para lidar com os principais problemas que espreitam as nossas sociedades. Pelo contrário, a tal esquerda abandonou sempre o campo europeu à direita ( ou à outra esquerda, que para ela não é esquerda). E agora redescobriu a soberania nacional e o espaço nacional como o telos natural da democracia...

Não creio que daqui possa vir a luz, infelizmente

Anónimo disse...

Acantonar o debate aos historiadores sobre as razões da criação do euro é redutor. É escamotear do debate os muitos contributos que denunciam o modo e o porquê da criação do euro.Enfim, é afunilar a discussão para uma redoma historicista ainda fora do tempo.

Quanto à paixão pela soberania nacional com que HY tenta esconjurar os seus complexos anti-esquerda ( ou certa esquerda ao gosto de HY) vê-se que este tem andado distraído do argumentário usado por aqui.

Daí que a ignorância dos mecanismos de criação do euro entronque directamente nesta temática. Talvez por isso o desejo de ver o debate acantonado nos académicos sobretudo se o bolor já cresceu nos interstícios dos factos

"a União Europeia saída de Maastricht e confirmada nos Tratados subsequentes, baseada numa moeda disfuncional e numa lógica de expansão sem fim das forças do mercado capitalista, não é união, já que reforça os mecanismos de polarização e não é europeia, já que destrói o Estados sociais e as democracias. Os mecanismos nesta altura são muito claros: sem moeda própria e controlada pelos poderes públicos democráticos, sem algum tipo de controlo de capitais, não existe, nem existirá, o grau soberania que é condição necessária para que as constituições democráticas e sociais anti-fascistas, ainda tão temidas pelo capital financeiro, e por potenciais boas razões, possam ser cumpridas nas suas dimensões essenciais. Um bom contributo para que as forças sociais e políticas que se dizem progressistas se possam ver livres, também do outro lado da fronteira, das custosas ilusões do Euro"
Excerto dum texto de João Rodrigues sobre um livro de Martin Seco

De

Anónimo disse...

Cheira por isso a esturro o querer "esquecer" a origem da criação do euro e a quem serviu tal medida.
Como também o cheira o apelo ao "internacionalismo" como que esquecendo que a única internacional que temos à nossa frente é o do capital.

"Os europeístas dizem que a UE foi um "atalho para a democracia". O capitalismo é assim considerado sinónimo de democracia, mesmo que se tente ignorar que o nazi-fascismo foi capitalismo, que os Pinochet, Vilela, Banzer, etc, da América Latina, ou os Suharto da Indonésia se dedicaram a aplicar "custasse o que custasse" o capitalismo oligárquico neoliberal, impulsionado pelo sr. Milton Friedman (o da "liberdade para escolher", imagine-se) e do sr. Kissinger (do plano Condor e Escola das Américas em Fort Benning, para polícias políticas e torcionários).

A democracia da UE é a ditadura dos mercados – a tal mão que os propagandistas do sistema procuram tornar invisível. A Europa em que o "risco sistémico" é transformado em "crime sistémico" da finança, da especulação e do conluio com a fraude e o crime organizado.

A livre transferência de capitais e a concorrência fiscal são a forma de impedir a tributação sobre o grande capital, transferida para os trabalhadores e MPME. É a "disciplina" orçamental que a UE impõe, festejada pelos comentadores de serviço, anulando a capacidade dos Estados terem recursos para desenvolver políticas económicas e sociais.

São estes os factos. O PS defendeu esforçadamente a "economia de mercado", impediu a discussão pública e o referendo sobre tratados europeus, no que mentiu ao eleitorado. Foi como empurrar pessoas para uma piscina sem água: a de um pseudo federalismo, sem garantir que algo estivesse previsto para merecer este nome, mesmo admitindo que o federalismo fosse uma boa coisa para o país, e não seria, pois para os "federalistas" os interesses da "Europa", isto é da potência hegemónica e da finança, são colocados acima dos interesses nacionais. Neste sentido a "piscina" (o abismo) para onde o país foi empurrado tem um nome: neocolonialismo...
O Mecanismo Europeu de Estabilidade , MEE, entrou em vigor sub-repticiamente, sem o mínimo de análise ou discussão pública, muito menos referendado, para se saber, mesmo com o grau de desinformação vigente, qual seria a aceitação deste compromisso fundamental para o destino dos povos. É um exemplo da ditadura oligárquica.

O "tratado orçamental", é um verdadeiro golpe de Estado europeu, que vem minar ainda mais a já débil estrutura democrática da UE, confiando as suas instituições a instâncias tecnocráticas. É a ilegalização da democracia.

A UE pretende assim eliminar as contradições do capitalismo por decreto! Nem as ditaduras da AL ou os fascismos europeus o conseguiram: foram derrotados. A social-democracia europeia é cega a tudo isto. A UE tornou-se uma "Santa Aliança" das oligarquias europeias, à semelhança da de 1815 feita para conter a propagação das ideias de liberdade da Revolução Francesa.

Neste processo, "a UE é um regime político autoritário disposto a suspender os procedimentos democráticos invocando a urgência económica ou financeira" que, no entanto, ela própria originou, controlada por uma burocracia submetida à finança. "
Daniel Vaz de Carvalho

Talvez os mecanismos transnacionais que a esquerda poderia ter utilizado para a democratização da UE passassem pela eleição directa do presidente da comissão europeia ou outra palhaçada semelhante.Ou por outros rodriguinhos com que se quer atirar areia para os olhos

De

Aleixo disse...

O estranho, é alguém achar que no contexto supra-nacional, é possível alcançar objectivos que acrescentem algo, ao "bem estar da maioria".

Talvez faça mais sentido,questionar esta paixão - "proletários oprimidos de todo o mundo erguei-vos" - de uma certa esquerda,

se nem os cá de casa, ela consegue erguer!

Talvez,uma questão de estratégia...eficaz!

HY disse...

Caro anónimo (suponho que é o mesmo nos diferentes comentários)

Acusar-me de acantonar o debate nos historiadores parece-me, pelo menos uma grande distracção. Apenas dei a minha opinião sobre a conclusão do ponto 4 do post : “levará “os historiadores daqui a cinquenta anos a questionarem-se sobre as razões para a sua introdução”. Não pretendo acantonar nada, a prova é que admito imediatamente a justeza das muitas críticas ao modo como o euro foi modulado. Apenas digo que se há algo queé evidente é do ponto de vista dos historiadores o porquê de ter sido criado na altura que foi.

De resto, agradeço-lhe muito por me ter explicado que afinal não sou de esquerda, mas sim um prócere do capitalismo internacional, do fascismo e não que outras confrarias criminosas (pelo menos escapei ao social-fascismo, pelos vistos). E garanto-lhe que nunca defendi “palhaçadas” como a eleição directa do Presidente da Comissão (coisa que alguma da esquerda à qual esclarecidamente me explicou que eu não pertenço defendeu), porque apesar de não ser fanático da soberania nacional, ainda compreendo que a haver União só pode ser uma união de povos e de Estados, e não gostaria de ter um Presidente de Comissão eleito pelos “grandes” povos apenas.

Quando venho a este blog, faço-o sempre na ideia de aprender (e tenho aprendido muito) e de contribuir para a discussão. Por isso não vale a pena (sobretudo se como diz não sabe o que quer que seja” isso” da União) atirar-me com a “cassette” toda do anticapitalismo, anticolonialismo, antifascismo e outros anti. Não tenho “crimes hediondos” para a troca, nem vou entrar no jogo do toma lá um Pinochet dá cá um Pol Pot, leva lá um Hitler traz lá um Estaline. Deve haver um modo de discutirmos questões tão importantes para o nosso futuro de modo mais inteligente (e de esquerda!). Pelo menos pensava eu que era o objectivo deste blog.

Anónimo disse...

Mas quem classificou HY de qualquer outra coisa que não o que HY quer ou deseja? Classificações nosológicas não são a minha especialidade, desculpe.
Olhe leia lá de novo e veja bem o que foi escrito.

Quanto às transcrições parecem-me úteis para fazer avançar o debate em vez de o ver acantonado à "visão pessoal".Para mais porque me interessava vincar o verdadeiro internacionalismo do Capital em torno da génese e rota desta europa que é tudo menos um espaço comum e harmonioso dos povos e das nações.E já agora acho exemplar a citação de João Rodrigues, talvez menos "agressiva" para alguns espíritos um pouco mais "desconfiados".

Daí que a visão sobre a evolução da UE e do euro foi precisamente para colocar os pontos nos is, pondo a nu as pretensões do transnacional como alavanca para algo mais do que verbo de encher.

É manifesta extrapolação considerar que as referências explicitadas se referem a HY.Era o que mais faltava.Nem sequer a classificaçao de "esquerda" ou não de esquerda,que como se sabe hoje em dia é tão polémica ( e ainda bem que o é)limitando-me a colocar em causa algumas das proposições de HY sobre o tema.

Quanto aos fantasmas pessoais de HY e que pressuroso traz para o debate ( para a troca?Francamente) e os tais "crimes hediondos" (esses sim, não em forma de citação ,mas em tentativa desonesta de os colar a outrém)tal é coisa que me escapa. Uma tentativa de fuga em jeito de acto falhado?

Mas confessemos que isso agora nem interessa. O que importa registar é que este blog é o que os seus autores quiserem e que plausivelmente todos os contributos aceites por estes são bem vindos.Mesmo que com discordâncias ou veemências diferentes.
Ou seja e para ser mais explícito, os criadores do Ladrões não têm qualquer responsabilidade no assumido pelos "comentadores".

De