Como o Alexandre Abreu já aqui explicou, o Banco Central
Europeu acaba de anunciar mais um pacote de medidas: redução das taxas de juro
directoras, com as taxas de juro de depósitos da banca junto do BCE a entrar em
terreno negativo; um novo programa de refinanciamento de longo prazo da banca,
proibindo o uso de hipotecas como garantia por forma a não alimentar bolhas no
sector imobiliário; a promessa de Draghi de novas medidas, nomeadamente a
compra de activos à banca, se as mais recentes não resultarem.
Os efeitos desta política monetária expansionista por parte
do BCE dificilmente serão positivos no actual ambiente de austeridade, elevado
desemprego e muita capacidade produtiva “ociosa” que caracterizam a economia
europeia. Ainda assim, tirando quem acha que tudo se pode resolver na economia
europeia com mudanças de estado de alma do BCE, parece que não se pode pedir
mais à autoridade monetária. A provável estagnação económica será atribuída a
políticas nacionais mal afinadas e à pouca vontade em prosseguir as “reformas
estruturais”. O BCE parece aliás tomado de bom senso face aos radicais
(alemães) que pediam uma política mais restritiva e mais austeridade na
periferia ou aos tarados que pretendem voltar ao padrão-ouro e a um sistema
completamente privado de oferta monetária.
No entanto, estamos aqui perante o que o economista político
Philip Mirowski chama da “dupla verdade” do neoliberalismo. O exército de
intelectuais orgânicos do credo neoliberal rasgam as vestes no espaço público
contra a intervenção pública no mercado, enquanto na verdade a intervenção
pública não faz mais do que fortalecer o mercado enquanto arranjo preferencial
de afectação de recursos, favorecendo sempre que detém o capital. Assim, à
imagem do que aconteceu nos EUA no auge da crise financeira, com um monetarista
convicto como Ben Bernanke a “salvar” o sistema financeiro, o BCE consegue
injectar milhares de milhões de euros num sistema financeiro incompetente e
falido ao mesmo tempo que passa imagem de bom senso perante alguns dos seus
tradicionais críticos. O resultado deste maná financeiro é conhecido: euforia
nos mercados obrigacionistas (com as taxas de juro a cair a pique) e nos
mercados accionistas (com as acções europeias a beneficiarem de uma valorização
de 190% desde os mínimos de 2009). Isto num contexto de permanente
endividamento de toda a economia e de uma recuperação que parece mais uma
miragem. Em suma, face à crise, a acção do BCE pauta-se pela preservação dos
interesses financeiros e do funcionamento de mercado a todo custo, beneficiando
uma elite, mesmo que isso signifique violar a cartilha ideológica neoliberal
usada para agitar as “massas”. Neoliberalismo “reloaded”.
P.S. As medidas anunciadas pelo BCE não incorporam
obviamente todos os interesses da finança internacional da mesma maneira. Dados
os montantes envolvidos, a banca portuguesa não terá acesso a muito mais do que
aos fundos necessários para amortizar a sua dependência prévia do BCE. Se
acrescentarmos a dependência do negócio bancário do crédito hipotecário e a
situação financeira lastimável do sector não-financeiro, os próximos tempos
deverão ser de muita ginástica para a banca portuguesa. Pressões para uma vaga
de fusões e aquisições internacionais neste sector não me surpreenderiam.
2 comentários:
os próximos tempos deverão ser de muita ginástica para a banca portuguesa. Pressões para uma vaga de fusões e aquisições internacionais neste sector não me surpreenderiam.
Os bancos estrangeiros estão todos a fugir de Portugal, um mercado de fraca rentabilidade, pelo que, não vejo como concretizar tais fusões e aquisições.
O Barclays e o BBVA já anunciaram a decisão de sair de Portugal, mas não lhes vai ser fácil encontrar quem lhes compre os ativos. O Santander e a Deutsche Bank não deverão tardar a também sair.
Um Hipócrita é aquele que defende que se deve aplicar aos outros (leia-se aos fracos) uma bitola mais exigente do que a si próprio. Custa ouvir os banqueiros moralistas da nossa praça a falar em crise de valores e depois a receber de mão beijada as prebendas do BCE... Ai, que eles aguentam, aguentam, senão quem não aguenta somos nós...
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