terça-feira, 3 de junho de 2014

Lembrar é útil


É útil lembrar as contas feitas por Elisabete Miranda e Catarina Pereira do Negócios no final de 2013: o Tribunal Constitucional tinha deixado passar 82% da austeridade em valor, obrigando o governo a rever 18% dos seus destrutivos planos, concentrados em 2013, atenuando a austeridade e minorando assim nesse ano os efeitos destrutivos, o que contribuiu internamente para a recuperação. Agora deu mais uma ajuda. O Tribunal tem obrigado o governo a mudar a combinação de austeridade, fazendo com que se insista menos na despesa e mais nos impostos. Mesmo assim, entre 2010 e 2013, 60% da consolidação orçamental ocorreu através da despesa, o que contrasta com a sabedoria convencional, a de classe, a que fala como se não se tivesse cortado na chamada despesa, ou seja, nos rendimentos gerados pelo Estado social. Era a mesma sabedoria que alinhava pela austeridade expansionista, a mesma que foi, na melhor das hipóteses, apanhada de surpresa por este facto: défice caiu um euro por cada três euros de austeridade nos últimos três anos.

É útil lembrar também um estudo de economistas do próprio Banco que não é de Portugal. Usando um modelo que incorpora umas fricções e rigidezes de curto prazo, mas que passado pouco tempo parece estar feito para que tudo volte a um normal idílio de equilíbrio mercantil, estima-se que por cada euro de corte na despesa pública em tempos de crise o PIB caia dois euros num horizonte de um ano, bem mais do que por cada euro de aumento de impostos, gerando este menos de um euro de impacto recessivo. A aumentar impostos, o melhor é sempre que estes onerem os rendimentos mais elevados e a propriedade, os grupos com menor propensão para consumir e, no actual contexto conjuntural e estrutural, sem muita para investir. A justiça social faz bem à economia.

É útil, finalmente, lembrar que se o governo não fosse tão retintamente subserviente às frustrações da eurocracia pós-democrática já tinha percebido há muito que o Tribunal é um aliado, um pretexto para a renegociação soberana. Como Fernando Sobral assinala no Negócios de hoje, “o governo continua a acreditar que a Constituição portuguesa é o memorando assinado com a troika”. Vou um pouco mais longe. Não é só o governo, infelizmente, mas as subservientes elites que o suportam; a tal constituição em que estas acreditam está muito para lá do memorando: é a constituição dos credores, a do euro, e o facto de não estar escrita é uma vantagem, já que permite toda a compulsória arbitrariedade de que o poder de classe é feito.

7 comentários:

Pedro barata disse...

Sou capaz de adivinhar que se perguntar aos especialistas em economia, qual a direção ou sentido a tomar para a (possível) solução do nosso problema económico, me darão diferentes pontos de chegada/soluções (a tender para mais infinito…) para o mesmo ponto de partida: o financiamento da nossa economia!
Basta observar a realidade!

Pedro Barata

vernon disse...

Mais um excelente texto. Claro e certeiro!
A constituição é o último reduto. Daí toda a pressão sobre ela.
Pode estar a pouco tempo de voltar a ser alterada pelos do costume. Aí, então, as portas ficam escancaradas para um saque de classe, numa medida sem limites e aplicar-se ainda mais facilmente a tal “constituição” que o João Rodrigues bem refere.

meirelesportuense disse...

Ver e ouvir os subservientes jornalistas e comentadores da nossa CS dá vontade de vomitar...Pior, só ouvir e ver os nossos actuais des-governantes!...Que MOFO...
Só vão repor os salários lá para o fim do ano de 2014, para tentarem ganhar fôlego para as novas eleições de 2015!

Jose disse...

O grande critério da esquerda sobre medidas económicas é sempre o mesmo: são boas as que 'são de esquerda'!
Assim, «...os grupos com menor propensão para consumir e, no actual contexto conjuntural e estrutural, sem muita "vontade" para investir. A justiça social faz bem à economia.»
Muito de esquerda, comer capital e condenar o investimento, rumo à miséria de esquerda!

Dias disse...

Muito bom postal! Pena não ser lido por um governo que amua, que esperneia, que insiste em não querer acatar as decisões do órgão que vigia o cumprimento da Constituição. É muito mau sinal ter-se um governo “inadaptado” ao funcionamento democrático…

Aleixo disse...

A propósito...


"...Não podemos estar num permanente sobressalto..."

(Só um penteadinho com gravata e barba feita...)

Noutros tempos, esta absoluta falta de vergonha, pelo desplante da incoerência no agir,

seria resolvida com um par de estaladas ou...
uma cuspidela onomatopaica...bem fornecida!

Anónimo disse...

Os conceitos de esquerda e de direita estão em evoluçao e são motivo de basta discussão. Sobretudo no que diz respeito "à esquerda" e "sobre a esquerda", o que se compreende até sob o ponto de vista dos propósitos e dos objetivos

A direita é assim.Estica,disparata e manipula. Está-lhe na massa do sangue.Quer ocncentrar sobretudo o capital nas mãos adequadas e preocupa-se que ele possa ser "desbaratado" nas pessoas.

De