No centenário da Grande Guerra, é importante lembrar que, em Setembro de 1914, o governo alemão dispunha de um documento estratégico sobre os objectivos da guerra de que constava o seguinte ponto: "Uma grande união económica da
Europa Central, sem cabeça constitucional comum, sob a aparente igualdade dos seus membros, mas de facto sob direcção alemã" (ver Jean-Pierre Chevènement, 1914-2014, L'Europe sortie de L'histoire?, Fayard; p. 103). Para além do debate sobre a natureza do pangermanismo e do nazismo - há
quem sustente que o nazismo rompe com o nacionalismo alemão (Jacques Sapir, 18 juin, RussEurope) - este documento recorda-nos que, desde a
unificação conduzida pela Prússia, diferentes forças sociais e movimentos ideológicos convergiram para que a Alemanha adoptasse muito cedo uma estratégia de afirmação económica e política, na Europa e no mundo.
Com as negociações que conduziram à reunificação no século xx, o pensamento económico dominante na Alemanha (ordoliberalismo) hegemonizou a construção jurídica e económica da UEM ao ponto de "o aluno dócil se ter transformado no tutor da Europa" (Ulrich Beck). Lembremos John Adams, o segundo presidente dos EUA: "Há duas maneiras de conquistar e subjugar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida" (citado por Chevènement, p. 247). Hoje, através de um mercantilismo agressivo, apoiado por mercados financeiros em roda livre, a Alemanha procura conquistar um lugar cimeiro na economia política internacional do século xxi. Omitindo que financiou, através dos seus bancos, a dívida externa das periferias para escoar os seus produtos, submarinos incluídos, a Alemanha procura agora "moldar" a zona euro através do Tratado Orçamental, a que acrescentará pacotes financeiros específicos destinados a comprar a anuência dos partidos sociais-liberais.
Para sabermos como enfrentar esta crise, devemos ter presente que a Alemanha não vai pôr em causa o seu modelo económico. E não vai aceitar uma UE federalizante, se isso significar a responsabilidade por transferências financeiras avultadas, de natureza permanente, sem montante definido à partida (8%-12% do PIB alemão durante muitos anos; contas de Jacques Sapir). Nem vai aceitar que o BCE, ou qualquer agência europeia no seu lugar, assuma as dívidas impagáveis da periferia. Isso seria pedir à Alemanha que, de um dia para o outro, abandonasse os princípios da sua "economia social de mercado", "uma visão antiga, institucionalmente enraizada e que recua à sua experiência de industrialização tardia" (Christopher Allen, "The Underdevelopment of Keynesianism in the Federal Republic of Germany", p. 289). Por isso, como afirma um economista alemão, "é literalmente impossível para a mentalidade alemã admitir que a própria Alemanha possa de facto ser parte do problema do euro" (Jörg Bibow, "Are German Savers Being Expropriated").
Colocada a crise nesta perspectiva, o que se pode esperar da disputa pela liderança do Partido Socialista?Aparentemente, trata-se de escolher o candidato mais capaz de vencer as próximas eleições e participar numa (imaginada) coligação das periferias que, chegada a hora, imponha uma reestruturação honrada das dívidas e uma interpretação suave do Tratado Orçamental. Qualquer que seja a escolha dos socialistas, há algo que as esquerdas têm obrigação de ter presente quando tiverem de se relacionar com o PS pós-directas: confrontada com exigências que põem em causa a sua estratégia, a Alemanha não hesitará. Tratando-se da sua forma de ver o mundo, e do seu lugar nele, a sua escolha está feita e não releva da racionalidade económico-financeira. As esquerdas têm obrigação de saber que a Alemanha não prescinde da sua autonomia estratégica, com o euro nas suas condições, ou então sem o euro. Alimentar a ilusão de uma reforma progressista da UE só pode conduzir ao desastre nos partidos políticos que a protagonizarem.
(O meu artigo no jornal i)
Com as negociações que conduziram à reunificação no século xx, o pensamento económico dominante na Alemanha (ordoliberalismo) hegemonizou a construção jurídica e económica da UEM ao ponto de "o aluno dócil se ter transformado no tutor da Europa" (Ulrich Beck). Lembremos John Adams, o segundo presidente dos EUA: "Há duas maneiras de conquistar e subjugar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida" (citado por Chevènement, p. 247). Hoje, através de um mercantilismo agressivo, apoiado por mercados financeiros em roda livre, a Alemanha procura conquistar um lugar cimeiro na economia política internacional do século xxi. Omitindo que financiou, através dos seus bancos, a dívida externa das periferias para escoar os seus produtos, submarinos incluídos, a Alemanha procura agora "moldar" a zona euro através do Tratado Orçamental, a que acrescentará pacotes financeiros específicos destinados a comprar a anuência dos partidos sociais-liberais.
Para sabermos como enfrentar esta crise, devemos ter presente que a Alemanha não vai pôr em causa o seu modelo económico. E não vai aceitar uma UE federalizante, se isso significar a responsabilidade por transferências financeiras avultadas, de natureza permanente, sem montante definido à partida (8%-12% do PIB alemão durante muitos anos; contas de Jacques Sapir). Nem vai aceitar que o BCE, ou qualquer agência europeia no seu lugar, assuma as dívidas impagáveis da periferia. Isso seria pedir à Alemanha que, de um dia para o outro, abandonasse os princípios da sua "economia social de mercado", "uma visão antiga, institucionalmente enraizada e que recua à sua experiência de industrialização tardia" (Christopher Allen, "The Underdevelopment of Keynesianism in the Federal Republic of Germany", p. 289). Por isso, como afirma um economista alemão, "é literalmente impossível para a mentalidade alemã admitir que a própria Alemanha possa de facto ser parte do problema do euro" (Jörg Bibow, "Are German Savers Being Expropriated").
Colocada a crise nesta perspectiva, o que se pode esperar da disputa pela liderança do Partido Socialista?Aparentemente, trata-se de escolher o candidato mais capaz de vencer as próximas eleições e participar numa (imaginada) coligação das periferias que, chegada a hora, imponha uma reestruturação honrada das dívidas e uma interpretação suave do Tratado Orçamental. Qualquer que seja a escolha dos socialistas, há algo que as esquerdas têm obrigação de ter presente quando tiverem de se relacionar com o PS pós-directas: confrontada com exigências que põem em causa a sua estratégia, a Alemanha não hesitará. Tratando-se da sua forma de ver o mundo, e do seu lugar nele, a sua escolha está feita e não releva da racionalidade económico-financeira. As esquerdas têm obrigação de saber que a Alemanha não prescinde da sua autonomia estratégica, com o euro nas suas condições, ou então sem o euro. Alimentar a ilusão de uma reforma progressista da UE só pode conduzir ao desastre nos partidos políticos que a protagonizarem.
(O meu artigo no jornal i)
9 comentários:
A luta no interior do PS é relevante para o sucesso à esquerda apenas na medida em que não cresça.
Duvido que vá buscar votos aos actuais valores do PSD+CDS/PP. Ou vai buscá-los aos brancos, abstenções, Livre e MPT ou os saca à esquerda. E neste último caso não existe nenhuma esperança de saída progressista na UE.
O drama é que existe demasiada pressa de alternativas à esquerda e nada promete que esta exista pois só muito dificilmente se pode esperar um alargamento significativo e a curto prazo das forças progressistas europeiamente consequentes (e daí excluo o PS e o Livre, que se têm enredado em mais do mesmo, lutas sectárias e ordinárias e num cruzamento entre euro-ingenuidades e umbigos-desmesurados)
Mesmo um abandono do Euro tem que ser negociado, por isso uma reforma das instituições europeias por parte da Esquerda tem que ser tentada. Não vale a pena, penso eu, pensar em ruturas súbitas, porque há muita gente com dinheiro no banco que vota à Esquerda, que não quer ficar sem as poupanças e que não alinha em aventuras. Para leninismos, bastam o Governo PSD-CDS e a troika. O que falta ao PS é assumir um plano B e C, o primeiro com uma renegociação substancial da dívida e o segundo com abandono do Euro, mas com os custos devidamente estudados. Mas não se espere que o PS renegue o seu euro-federalismo tão depressa, isso leva tempo. Mas um tal estudo é algo que os 'Ladrões' poderiam começar a fazer, como contribuição para uma convergência de Esquerda...
Apesar de concordar com grande parte da análise económica este artigo parece-me que roça a xenofobia ao implicar que há um plano desenhado para subjugar a Europa por parte dos alemães. A Alemanha seguiria a actual política económica ainda que lhe fosse altamente prejudicial porque está inscrita na sua cultura.
"Alimentar a ilusão de uma reforma progressista da UE só pode conduzir ao desastre nos partidos políticos que a protagonizarem."
Não falar deste ponto é quase tão ilusório como não se falar da possibilidade de se sair do Euro e da UE. Do ponto de vista do impacto social, dependendo de como se conduz (uma e outra) a reforma da UE até poderia ser o passo menos doloroso, não só para Portugal, mas para todas as periferias.
A ilusão perigosa que se pode vender é que a Alemanha alinha nessa reforma, pois como explica e bem, é pedir-lhe não só que vá contra a situação muito confortável em que está, é pedir-lhe que vá contra o seu DNA.
A questão do líder do PS, não é a questão do líder do PS. É a questão da liderança de quem se proclama de esquerda na Europa e que, chegando à Europa, vira a fundo para a direita. A verdadeira oposição terá de falar com o mesmo à vontade de sair do Euro, sim, de "rasgar" o Tratado Orçamental, sim, mas também da reforma da UE como está e terá de o começar a fazer nas próximas legislativas. Porquê? Porque o órgão máximo de poder na UE não é o Parlamento ou a Comissão, é o Conselho, onde o próximo governo (à semelhança dos seus antecessores) tem assento.
A Alemanha «não releva da racionalidade económico-financeira» o que é empecilho a
«uma reforma progressista da UE»!
A esta luz se define todo o programa da esquerda.
Progresso, é algo que se associa a ganhos com pouco ou nenhum esforço, que tudo mais é uma dolorosa e revoltante exploração.
Assim estamos...
Caro Anónimo das 3:47
Esqueci-me de comentar o que disse. O que roça a xenofobia é discurso dos alemães trabalhadores e dos mediterrânicos preguiçosos. O que o artigo faz é constatar factos.
A Alemanha não seguiria uma política que lhe fosse altamente prejudicial, e demonstrou-o com as sucessivas renegociações de dívida grega. O tempo que se tem passado desde o início da crise, e já passaram seis anos desde 2008, apenas serviu para a Alemanha se proteger de uma eventual saída de um qualquer país do Euro/da UE. Ao estar menos exposta, a Alemanha agora prepara-se para ditar as regras com conforto e uma percepção de superioridade moral. Esta percepção de superioridade moral é que roça, se não passa, os limites da xenofobia.
@jaime santos
a escolha é entre a desgraça definitiva e a desgraça temporária.
Ficar no euro é a desgraça certa e definitiva para a maioria dos portugueses, e quem ainda não o percebeu vai perceber assim que o Acordo de comércio transatlântico entrar em vigor.
O Tempo espera por ninguém.
E a Alemanha sabe isso. A alemanha ocidental arrasou com a economia da alemanha de leste pela reunificação, e se não teve escrúpulos em fazer isso aos seus não se espere que tenha dúvidas em fazer o mesmo aos não alemães.
Estamos a assistir a um processo de assimilação e digestão e não a um processo de integração.
Portanto, é xenofobia denunciar a xenofonia instaladíssima dos outros.
não há pachorra, para os coitadinhos dos filogermânicos e da sua superioridade ordomoral.
Ao Anónimo das 14:32 de 27/6, Experimente tentar ganhar umas eleições com um programa de governo em que as pessoas perdem à cabeça 50% das suas poupanças e vai ver o triste resultado que tem. Como já disse aqui repetidamente, isto funciona como o sapo dentro da panela. Se a água estiver a ferver, ele salta cá para fora, mas se aquecer devagar, deixa-se cozer vivo. Maquievel não tinha razão, é preferível fazer o mal aos poucos e o bem todo de uma vez (de preferência antes das eleições). Por isso é que a estratégia da Troika e da Direita resulta tão bem... Ou o meu caro deseja tirar Portugal do Euro à sucapa para dar a seguir uma Maioria Constitucional à Direita à Húngara? Ou pretende antes suspender a Democracia por muito mais de 6 meses? Se é assim, eu prefiro Passos até 2019, pelo menos o TC limita as asneiras que ele pode fazer...
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