terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

A queda

“A queda de Allende no Chile - além de toda a sabotagem política de que foi alvo, nomeadamente pelo lado americano -, resultou também, em grande parte, ou foi muito favorecido, pela alienação da classe média em consequência das políticas financeiras aplicadas pelo Governo de unidade popular”, afirmou Vítor Bento num encontro do Partido Socialista. Vítor Bento num encontro do Partido Socialista, notem, com uma analogia de antologia. A (des)orientação de Seguro, já revelada também, por exemplo, com a conversa das gorduras do Estado ou das supostas mentiras de governos que apoiou como deputado, confirma-se com as pessoas que convida. De resto, como o Conselheiro de Estado de Cavaco que teve a exigente tarefa de substituir Dias Loureiro sabe, a tal “queda” de Allende resultou de um sangrento golpe militar, sendo que o apoio à unidade popular estava em crescimento, tendo a frente que o apoiava subido nas últimas eleições legislativas livres antes do golpe. Depois do golpe, que revelou uma sobrestimação dos democratas em relação à fidelidade do exército à ordem constitucional, Pinochet teve então condições para aplicar as teorias de Chicago tão do agrado de Bento, um dos principais ideólogos da desvalorização interna: partir a espinha aos sindicatos e reduzir salários. As políticas do governo de unidade popular, num contexto económico muito difícil, permitiram que a taxa de desemprego não ultrapassasse os 5%, cerca de três vezes menos do que a taxa de desemprego registada posteriormente, entre 1974 e 1989. A compressão das desigualdades, a democratização da economia, por via das nacionalizações de sectores estratégicos, como o cobre, e da criação de emprego, que permitiu às classes populares ter a confiança para continuar a mudar as estruturas socioeconómicas, por exemplo, eram e continuam a ser alguns dos critérios para avaliar quem é socialista.

12 comentários:

Jose disse...

Por via das nacionalizações de sectores estratégicos,é fortalecido o Estado; daí à democratização da economia vai muito caminho.
O que acontece no resto da economia é que define o sucesso da democracia e aí se destruiu o socialismo de Allende.

Luís Lavoura disse...

Repare-se que Vítor Bento falou da "alienação da classe média", o que, num país tão pobre como o Chile desse tempo, não é o mesmo que falta de apoio popular. De facto, a classe baixa chilena, muito maior em número, não é o mesmo que a classe média. A classe média pode ter sido alienada ao mesmo tempo que o apoio da classe baixa tenha aumentado. (Um fenómeno similar ao que hoje se passa na Venezuela.)

Alvaro disse...

Não entendi lá muito bem. Mr Bento está a comparar Passos Coelho a Alende? Está a avisar que poderemos ter um golpe militar?

Luís Lavoura disse...

É importante fazer notar que Allende nacionalizou o cobre, e que essa nacionalização nunca foi revertida. O Estado chileno hoje em dia enriquece em grande parte graças à nacionalização do cobre feita há 40 anos por Allende.

Anónimo disse...

Acho o post fundamentalmente acertado, mas, neste caso muito particular, talvez valha a pena, em lugar de descartar liminarmente, reflectir no que se pode aproveitar, a julgar pelo que é transcrito, do comentário de Vítor Bento, que poderia quase tomar-se como uma advertência, certamente não fraternal vinda de quem vem, para uma política que não desligue a construção de uma alternativa de esquerda da luta pela libertação nacional dos sufocantes constrangimentos da integração no euro.

Por curiosidade, no outro dia, estava a assistir, na net, a um debate em que um dos intervenientes, economista estado-unidense, recordava, não sem emoção, que quinze anos depois do golpe tinha jantado com um ex-ministro das finanças de Allende, ex-preso político, torturado, exilado, e que lhe tinha dito "Eh pá, nós de facto lixámos-vos bem, não foi?, com a CIA…", ao que o ex-ministro respondeu "Pois foi, mas, sabes, nós também nos lixámos a nós próprios", acrescentando "porque nós não pensámos na gestão macroeconómica geral e, em particular, não tínhamos nenhum plano para o controlo da inflação".

Certamente que a CIA, como agora a direita organizada e golpista venezuelana ou argentina, incentiva e fomenta a inflação, se possível mesmo a hiperinflação, mas imaginemos, por um momento, que não havia qualquer sabotagem económica. A situação continuaria provavelmente a ser muito grave. O processo revolucionário chileno ensinou que se, por um lado, não se pode negligenciar a sabotagem económica, e por maioria de razão o golpismo político, por outro, não se pode negligenciar também a condução económica, e muito especialmente macroeconómica, do país. Se não há atenção, cuidado, orientação, adequada gestão macroeconómica e medidas decididas para lidar com e combater de raiz a inflação, o processo revolucionário, ou progressista, fica seriamente comprometido.

Este é, numa saída progressista do euro (a única que serve o povo português), um dos aspectos mais preocupantes. E, surpreendentemente, também um dos mais negligenciados, a despeito do que ensinam a história passada e presente acerca do efeito inflacionário potencialmente devastador das tensões e do confronto entre o necessário incremento dos salários, dos rendimentos populares, dos investimentos e do crédito público, com a desorganização e até eventual rutura, que podem durar, das cadeias produtivas e do comércio interno. Com todas as dificuldades associadas ou que geralmente acompanham da escassez de víveres e meios de consumo à população (e não apenas às camadas médias), do desabastecimento de meios de produção (matérias-primas, maquinarias, peças de reposição, materiais auxiliares) às empresas, da restrição das disponibilidades energéticas, da insuficiência e usurpação de divisas, de contrabandos e tráficos ilegais, da em alguma medida inevitável fuga de capitais, das retaliações externas, entre várias outras expectáveis, ou pelo menos possíveis, e muito indesejáveis complicações.

A experiência chilena foi, a par do empolgante e heróico processo político, a de um keynesianismo de esquerda muito ousado que assumiu o objectivo e deu passos empenhados no sentido de romper com o capitalismo.

Mas o desabafo do ex-ministro das finanças, tal como, sem a preocupação de julgar pelo contexto que desconheço ou pelas intenções do autor, a sentença de Vítor Bento, têm algo de verdade e são incómodos mas pertinentes alertas e lições para a Venezuela do presente (e em certa medida também para a Argentina) e para um futuro Portugal progressista em rutura com o euro, que aliás muito dificilmente contará de início, tal como sucedeu com a Unidade Popular chilena, com as condições políticas excecionais dos chavistas.

HM

R.B. NorTør disse...

Ou dito por outras palavras, um recurso que é de todos, ainda é colocado ao serviço de todos?

CCz disse...

A opinião de Tim Harford no livro "Adapt":

"Allende was elected President of Chile in 1970 on a Marxist platform, and went on to sponsor one of the most surreal examples of the planner’s dream, Project CyberSyn. CyberSyn used a ‘supercomputer’ called the Burroughs 3500, and a network of telex machines, in an attempt to coordinate decision-making in an increasingly nationalised economy.
...
Workers – or more usually, managers – would telex reports of production, shortages and other information at 5 o’clock each morning. Operators would feed the information into the Burroughs 3500, and by 5 p.m. a report could be presented to Allende for his executive input. As with the effects-based operations it predated, CyberSyn would allow for feedback and second-order effects. Some CyberSyn defenders argue that the system was designed to devolve decision-making to the appropriately local level, but that does not seem to be what Allende had in mind when he said that, ‘We are and always shall be in favour of a centralised economy, and companies will have to conform to the Government’s planning.’
.
The project was not a success. Chile’s economy collapsed, thanks to a combination of the chaos brought on by an ambitious programme of nationalisation, industrial unrest, and overt and covert economic hostility from the United States."

José Medeiros disse...

Vitor Bento não sabe do que fala, ou mente.

Salvador Allende ganhou as eleições.
Tinha imenso apoio popular.
O desemprego na sua época, era reduzido - como diz o texto na ordem dos 5%
A classe média existia, e era grande.

Foi neste contexto, que Pinochet mais os neo-liberais fizeram um Golpe de estado.

Impuseram o Neo-Liberalismo habitual hoje em dia.
Privatizações.
Despedimento de funcionários publico.
Liberalizações habituais.

Passados anos, o desemprego era de 22%. A classe média quase desapareceu. Falência de industrias foram imensas.

Então porque o povo não protestou? Devia ter saído à rua. A resposta foi dada por Pinochet, com as prisões e mortes em massa.

Face às tentativas que os chilenos tentaram ainda reagir a este neo-liberalismo, surgiu a célebre frase que "só por choques se fez mudanças".

Parabéns por este artigo.

Guilherme Santos disse...


Sr HM das 13.20

As suas mentiras (e de outros), ao menos deviam ter mais respeito pelos mortos.
Falar de um ministro das Finanças, que dizem que reconheceu que com Allende não faziam nada de jeito, é no minimo sádico. Normal para quem defende Neo-Liberalismos por via de ditaduras.

O Ministro das Finanças de Salvador Allende, nunca disse nada disso. Pelo contrário, ele disse que o Neo-Liberalismo, e os seus péssimos resultados económicos, foram conseguidos por via da ditadura de pinochet.

E sabe como é que eu sei isto ? Porque o Ministro das Finanças de Salvador Allende, foi um dos assassinatos mais conhecidos de todos. À bomba nos EUA, para aonde tinha fugido.

Como se já não bastasse inventarem coisas, ainda gozam com mortes.
Um bocado de justiça e verdade.

Anónimo disse...

Guillherme Santos deturpa gravemente as palavras de um ministro das finanças de Allende (tal como é citado por um economista que as testemunhou) e, por acréscimo, as minhas.

Entre outros lamentáveis disparates, faz uma singular confusão com o destino do(s) ministro(s) das finanças dos governos da Unidade Popular (Américo Zorrilla Rojas, 3 Nov 1970 - 17 Jun 1972; Orlando Millas Correa 17 Jun 1972 - 11 Jan 1973; Fernando Flores Labra 11 Jan 1973 - 9 Ago 1973; Raúl Montero Cornejo 9 Ago 1973 - 28 Ago 1973; Daniel Arellano Macleod 28 Ago 1973 - 12 Set 1973). Pelo menos um ainda está vivo e, tanto quanto sei, os restantes morreram de morte natural, ainda que, como no caso do comunista Orlando Millas, no exílio.

Mas já não seria mau que a incompreensão se ficasse pela biografia.

HM

Guilherme Santos disse...


HM, gostava era que disse-se quem foi o tal economista que disse isso.

Do meu lado reconheço que enganei-me e quem foi assassinado à bomba não foi o ministro das finanças de Allende. A minha confusão deve ter vindo de que o assassinato à bomba foi um dos principais economistas de Allende.

Foi Ministro dos Negócios Estrangeiros, do Interior e da Defesa, o que não é pouco e tornou-o um dos principais governantes de Pinochet. Depois foi Diplomata.

Chamava-se Orlando Letalier e basta pesquisar por este nome.

De resto mantenho que o que se diz de Salvador Allende e das suas politicas é quase tudo mentira.


Anónimo disse...

Guilherme Santos,

chama-se Robert Pollin e pode ouvir a história, infelizmente em inglês, aos 22m30s, aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=yh5jhuvOs-Q

Mas far-lhe-ia maior proveito esforçar-se para entender o que lhe querem dizer.

HM