sexta-feira, 12 de abril de 2013

Suspeições, escrutínios e duplicidade de critérios

A propósito do caos anunciado que os exames nacionais do 1º ciclo do ensino básico irão provocar nas escolas, no próximo mês de Maio (obrigando à concentração dos alunos nas sedes dos agrupamentos e à suspensão das aulas no 2º e 3º ciclo), escreve-se no editorial do Público de ontem: «o disparate, que ainda não tem contornos definidos, chegou a incluir a proposta, essa quase insultuosa, de obrigar os alunos do ensino privado a fazer exames no público, passando às escolas do ensino particular e cooperativo um atestado de incompetência».(*)

Ora, se a suspeição quanto às condições em que decorre a prova é o único argumento plausível para compreender esta opção do Ministério da Educação (cujo secretismo e solenidade - com a entrega dos exames por soldados da GNR - mimetiza o ambiente das provas de acesso ao ensino superior), porque razão há-de ser insultuoso exigir que os alunos das escolas privadas cumpram esses mesmos requisitos, através da realização dos exames em estabelecimentos do sistema público? Acaso o Ministério assegura, por outras vias, semelhante escrutínio nas escolas privadas? Porque é que umas são à partida suspeitas e outras não? E porque é que esta medida, para usar os termos do referido editorial, não significa passar um atestado de incompetência aos estabelecimentos do sistema público, à semelhança do que é dito em relação às escolas do ensino particular e cooperativo?

Já o dissemos aqui, não nos cingindo ao universo da educação: existe um manifesto défice de escrutínio, controle e regulação pública na prestação de serviços fundamentais por «operadores privados», que abre portas a todo o tipo de permeabilidades e interesses (e que deveria fazer corar de vergonha os defensores, de terceira via, das virtudes do Estado regulador). Sendo que a duplicidade de critérios que daqui resulta se torna tanto mais inaceitável quanto assenta na ideia de que os sistemas (de saúde, educação, etc.) devem indiferenciar o público do privado, na base do famoso argumento de que não importa quem presta um serviço, desde que o Estado assegure as normas, os meios e a qualidade desse mesmo serviço. Como se está a ver.

No caso da educação, esta diferença abissal de tratamento, patente na complacência, submissão e servilismo para com o sector privado, é particularmente gritante. Como se não fosse daí que brotam, em abundância, os principais casos de golpada e corrupção; ou como se não se soubesse a forma como os rankings tendem a perverter, no universo das escolas privadas, os processos educativos. Não se espantem pois que - para além da nefasta selecção de alunos, contrária a uma política pública de educação, baseada na igualdade de oportunidades - as escolas privadas obtenham melhores classificações nos exames que irão decorrer entre 7 e 10 de Maio. A suspeição quanto ao rigor e isenção em que os mesmos decorrem nestes estabelecimentos torna-se, pelo menos, inteiramente legítima.

(*) Sobre o mesmo assunto, não deixem de ler este post esclarecedor do João José Cardoso, no Aventar.

1 comentário:

Jorge Martins disse...

Acho que, para além de a maioria da comunicação social portuguesa estar na mão de grandes grupos económicos privados, com interesses óbvios em denegrir os serviços públicos para justificar a sua privatização, há ainda, na área da educação, o facto de um grande número de jornalistas ter os seus filhos a estudar em colégios privados e não entender que a realidade da Escola Pública é totalmente diferente.