sábado, 20 de abril de 2013

Diáfano

A minha coluna de opinião no Diário Económico de 5ª feira passada, em resposta à questão "O que pode a economia portuguesa ganhar com o "nivelamento" entre os sectores público e privado?":

Disfarçar a iniquidade sob um manto de pretensa justiça social é uma das estratégias neoliberais mais típicas. É um manto diáfano, porém.
Quando Passos Coelho e os seus apaniguados – no governo, na blogosfera ou em ambos – invocam a equidade para facilitar os despedimentos no sector público, quando invocam a justiça para retirar rendimentos a reformados e pensionistas, quando invocam a eficácia para transformar o Estado social universalista num Estado assistencialista mínimo, a estratégia, de tão batida que é, já só engana os tolos. Esta justiça, esta equidade e esta eficácia só nivelam por baixo, nunca por cima. Só desenvolvem o subdesenvolvimento, nunca a coesão social. Valem apenas quando falamos de trabalhadores, pensionistas, desempregados, classes populares – nunca quando está em causa reduzir os desequilíbrios entre trabalho e capital. E pelo caminho visam lançar os trabalhadores do sector privado contra os funcionários públicos, as classes médias contra os mais pobres, os nacionais contra os imigrantes, os precários jovens contra as gerações mais velhas.
Depois de dois anos em que o desemprego disparou de 12% para 19%, em que a parte do capital na repartição funcional do rendimento não cessou de aumentar em detrimento do trabalho, em que as falências de PME se mediram às dezenas de milhar por ano ao passo que as grandes empresas rentistas registaram lucros de centenas ou milhares de milhões de Euros (veja-se o extraordinário caso da EDP), sabemos já o que é que a economia nacional irá ganhar com este nivelamento praticado em nome da equidade e da consolidação orçamental. Ganhará piores serviços públicos, ganhará mais desempregados, ganhará mais desigualdade, ganhará menos procura interna, ganhará mais falências, ganhará menos receitas fiscais, ganhará mais défice, ganhará mais dívida. E daqui a alguns meses, quando a realidade teimar em desmentir pela enésima vez as previsões macroeconómicas do governo e da troika, estes mostrar-se-ão “profundamente desapontados”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Todos os dias somos confrontados com a necessidade de comparar o incomparável, este hábito pouco reflectido contribui em larga medida para uma interpretação errónea da realidade, a similaridade entre algo é definida pelo grau de abstracção da análise, a desigualdade instigada pelos governos ou pelo capitalismo não é diferente da que é legitimada pelo cidadão comum, mesmo que este não conheça as implicações das suas acções.

Rocha disse...

A palavra mais perigosa para o regime capitalista tanto em Portugal como no mundo é a palavra classe.

Cada vez que alguém pronuncia essa palavra com o mínimo de inteligência, os capitalistas rangem os dentes. Não há horror, não há genocídio que não se faça para amordaçar a boca de que se atreve a falar na palavra classe.


Parabéns pela honestidade intelectual e coragem das suas palavras.