domingo, 28 de abril de 2013

Austeridade: colapso ou sobrevivência?

«Os debates económicos raramente terminam com uma derrota técnica. Mas o grande debate político dos últimos anos, entre keynesianos (que defendem a manutenção, e até aumento, dos níveis de despesa pública em contextos de recessão), e os austeritários (que pugnam por cortes imediatos na despesa), está - pelo menos no plano das ideias - a chegar ao fim. No ponto em que estamos, a perspectiva austeritária implodiu: não só todas as suas previsões falharam por completo quando confrontadas com a realidade, como a própria investigação académica, invocada para suportar essa doutrina, acabaria por se revelar repleta de erros e omissões e feita com estatísticas duvidosas.
Restam portanto duas questões. Primeiro, a de saber porque é que a doutrina da austeridade se tornou tão influente. Depois, a de saber até que ponto haverá mudança de políticas, agora que os argumentos centrais dos defensores da austeridade se transformaram em abundante matéria-prima para livros de banda desenhada.
(...) [Ora,] não é possível compreender a influência da doutrina da austeridade sem falar de classes e de desigualdades. (...) As coisas são claras: a agenda da austeridade parece ser a simples expressão das preferências das classes altas, que apenas se disfarçam num aparente rigor académico. Aquilo que os 1% mais ricos querem converte-se no que a ciência económica diz ser preciso fazer. (...) É isto que nos faz pensar na diferença que pode verdadeiramente fazer o colapso intelectual da perspectiva austeritária. Na medida em que temos uma política dos 1%, feita pelos 1% para os 1%, não será de esperar que apenas tenhamos novas justificações para as mesmas velhas políticas?»

Do artigo recente de Paul Krugman no The New York Times (que se recomenda vivamente seja lido na íntegra, estando aqui disponível uma versão traduzida).

1. Faz bem Paul Krugman em colocar o dedo na ferida que a evidência do colapso intelectual da austeridade abriu. O austeritarismo não é (como nunca o foi) apenas uma receita académica para a crise. Constituindo a oportunidade de ouro para levar a cabo um poderoso ataque ao Estado, às políticas de desenvolvimento e aos serviços públicos de educação, saúde e protecção social, a austeridade traduz-se numa doutrina que teve (e continua a ter) importantes dimensões políticas, sociais e ideológicas. E é aliás dessas dimensões - uma vez implodido o pilar académico que a suportava - de que a austeridade hoje depende, muito mais do que até aqui.

2. Ressalvando devidamente as respectivas diferenças e significados, a história deste início de século bem pode vir a ficar marcada por dois embustes políticos colossais: a narrativa fraudulenta das armas de destruição massiva, para suportar a invasão do Iraque, e a falsa narrativa das dívidas soberanas, para alcançar a destruição do modelo social europeu. A primeira foi consumada e a segunda encontra-se, ainda, em curso. E temos, curiosamente, uma viscosa figura a fazer parte de ambos os processos: José Manuel Durão Barroso.

3 comentários:

Anónimo disse...

Acho imensa graça sempre que Krugman é citado no ladrões.
Os mesmos que rejeitam a economia neoclássica, o uso de modelos matemáticos (que Krugman usa extensivamente ex: modelos DSGE). Os mesmos que não mencionam que Krugman referiu no passado que o mercado de trabalho europeu é demasiado rígido, etc.

Newsflash:
Keynesianismo não é sinónimo de marxismo!
Só porque há uns loucos do outro lado que acreditam que se cortarmos o suficiente vamos crescer (austeridade expansionária? really?) não significa que não seja menos louco passarmos para o extremo oposto.

Nuno Serra disse...

Caro Anónimo, fará certamente a justiça de reconhecer que Krugman usa os modelos matemáticos da economia neoclássica com a devida noção das suas limitações (e consciente portanto da sua incapacidade). Aliás, o recurso a esses modelos é explicitamente justificado pelo próprio pela necessidade de combater no «terreno do inimigo», de modo a conseguir resultados mais combativos e convincentes.
Pode discutir-se essa escolha? Pode, naturalmente. O que não pode é dizer-se que Krugman seja um fã dos métodos da economia neoclássica.
Sobre a crise europeia, é verdade alguns dos pronunciamentos de Paul Krugman foram por vezes demasiado ambíguos (como por exemplo por ocasião da sua vinda ao nosso país). Mas não creio que se possa ignorar o que tem sido a sua linha de combate mais recente.

menvp disse...

-> Todos pudemos assistir a uma incrível e monumental campanha [nota: a alta finança, capital global, controla a comunicação social] no sentido de ridicularizar todos aqueles que eram/são contra o 'viver acima das possibilidades'... e mais, chegam a retratar o contribuinte alemão (que recusa ser saqueado) como novos fascistas/nazis...
-> O discurso de qualquer 'cão/gato' anti-austeridade tem logo direito a amplo destaque... [nota: a superclasse controla a comunicação social].
--->>> Um afrouxamento no controlo rigoroso das contas públicas (fim da austeridade)... proporciona oportunidades para a superclasse... isto é, ou seja, com tal afrouxamento, a superclasse (e suas marionetas) passam a poder 'CAVAR BURACOS' sem fim à vista: BPN's, PPP's, SWAP's, etc...
{uma obs: a firmeza do contribuinte alemão (não cedendo à pressão exercida internacionalmente...) é fundamental para salvar a Europa!!!}
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Anexo:
Mais uma prova de que os políticos honestos (que existem!) não dão, claramente, conta do recado... e de que... o contribuinte deve ter acesso a mecanismos de fiscalização cada vez mais eficazes das contas públicas...
-> Há algum tempo atrás o senhor José Roquette quis 'sacar' uns milhões da C.G.D... ora, como o senhor não cumpriu os requisitos necessários... foi-lhe negado o dinheiro.
-> Há já algum tempo que diversos lobbys iam exercendo pressão junto do governo... no sentido da C.G.D. afrouxar os seus critérios... até que o governo acabou por ceder!...
-> Resultado: tal afrouxamento vai proporcionar oportunidades... de 'CAVAR BURACOS' de milhões... (nota: o senhor José Roquette também lá deverá ir 'cavar um buraco' na C.G.D.).
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[uma obs: um Banco Público serve para combater a cartelização privada... sem a concorrência do Banco Público, já a cartelização privada nos tinha enfiado taxas e mais taxas... ex: taxas multibanco; mais uma nota: o fim da gasolineira pública deu naquilo que já era esperado: somos roubados a 'torto e a direito' no preço da gasolina pela cartelização privada]