O livro de Carlos Moreno «Como o Estado gasta o nosso dinheiro», agora lançado, irá marcar a discussão pública sobre a gestão financeira do Estado em Portugal. Na verdade, nada do que o agora juiz jubilado do Tribunal de Contas (TC) escreve é novidade - várias vezes neste blog referimos relatórios do TC sobre os principais aspectos agora focados, onde se destacam as Parcerias Público Privadas (PPP). A mensagem é clara: as PPP realizadas nas últimas duas décadas em Portugal foram, em geral, um péssimo negócio para o Estado e um óptimo negócio para os ‘parceiros privados’, os quais ficaram com a garantia de rendimentos e isentos dos riscos das operações.
No momento actual, este tipo de discurso parece assentar bem aos economistas da praxe, àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. Na verdade, o desastre das PPP deve-se, em larga medida,... precisamente àqueles que nos impingem que tudo o que o Estado faz é errado. A lógica das PPP consiste em acreditar que o Estado deve deixar espaço aos privados para revelarem a sua eficiência supostamente acrescida. Acontece que a maior eficiência que esses privados têm revelado é na argumentação jurídica que lhes permite justificar renegociações dos contratos – só na Lusoponte a derrapagem financeira associada foi de 400 milhões de euros. A lição a retirar não deixa espaço para dúvidas: se o Estado não é suficientemente bom para conduzir directamente os investimentos, não o será seguramente para prevenir ou vencer batalhas jurídicas associadas a contratos complexos.
Mas esta não é a história toda. A passagem directa de governantes para a direcção de empresas que beneficiaram da sua governação obriga-nos a suspeitar da determinação de alguns responsáveis políticos na defesa do interesse público. Não posso, poucos poderão, saber o que levou Joaquim Ferreira do Amaral (ex-ministro das Obras Públicas de Cavaco) à direcção da Lusoponte ou Jorge Coelho (ex-ministro das Obras Públicas de Guterres) à direcção da Mota-Engil, depois de terem tomado decisões em nome do Estado que foram favoráveis a estas empresas. Mas posso dizer que Portugal está longe de seguir práticas de bom governo no que respeita à gestão dos conflitos de interesse.
A história das PPP em Portugal mostra-nos que menos Estado não é necessariamente melhor Estado. Mostra-nos também que o combate ao desperdício tem de passar por um Estado mais activo e mais decente. Um Estado que assuma que o investimento directo é frequentemente melhor do que acordos de parceria com demasiadas contingências incertas. Um Estado que reforce as competências técnicas dos organismos públicos, de forma a assegurar que não é por falta de competências que as boas decisões não são tomadas. Enfim, um Estado com mais transparência e maior controlo democrático, de forma a reduzir os riscos da sua captura por interesses particulares.
11 comentários:
"Como o Estado gasta o nosso dinheiro" è certamente um trabalho que vou ler. Na oportunidade do seu texto é justo comentar um dos seus últimos pontos, onde diz: "Um Estado que reforce as competências técnicas dos organismos públicos, de forma a assegurar que não é por falta de competências que as boas decisões não são tomadas."
Não podia estar mais de acordo, mas é tarefa gigantesca para a qual não há o menor indício que venha a acontecer. O reforço dessas competências passaria pelo acabar de vez com as nomeações de cargos públicos quer por confiança politica, que por jogos de interesses e compadrio politico-partidário. Acabo de assinar uma petição que vai nesse sentido a qual lamentávelmente não tem sido acolhida com o interesse que lhe é merecido registando numero reduzzido de assinaturas. Pode consultá-la aqui:
http://conversavinagrada.blogspot.com/2010/10/assine-esta-peticao-esta-mesmo-aqui-mao.html
Pois é, a direita está sempre a dizer que o Estado deve gastar muito e de preferência com desperdício.Que lata.
Gostei do post e especialmente do título.
Reflexões como estas remetem-nos para a urgência de uma re-educação ética. No mesmo sentido, Maria José Melo Antunes sublinha o interesse de uma obra recentemente publicada com o título: "Crisis and Recovery: Ethics, Economics and Justice". Ver mais em http://areiados dias.blogspot.com
"a argumentação jurídica que lhes permite justificar renegociações dos contratos – só na Lusoponte..."
No caso da Lusoponte não foi a empresa quem pediu uma renegociação do contrato: foi o Estado quem violou o contrato, ao decidir baixar as portagens na ponte 25 de Abril, e que portanto teve que o renegociar.
"Um Estado que assuma que o investimento directo é frequentemente melhor do que acordos de parceria com demasiadas contingências incertas."
Se o Estado fizesse o investimento diretamente assumiria na mesma os riscos desse investimento e as incertezas dessas contingências. Ou seja, não haveria vantagem nenhuma em relação a uma PPP. O risco recairia, na mesma, sobre o Estado.
simplesmente ridiculo. O autor acaba p dizer um cubo é uma esfera. Q o amarelo é roxo.. As ppp nunca foram menos estado.. Foram simplesment um meio de atingir um fim.. Uma fraude. Uma vigarice.. Questionavel por tantas vias e no entanto o autor de excelso curriculo academico opta pela truncada ideológica.. Ao fim d tantos anos, nao esqueceram nada mas tb nao aprenderam nada..
Só quando o povo
se levantar do chão
Luís Lavoura
As PPP's não são só riscos, são também lucros. Se os riscos são sempre do Estado, os lucros, quando existem são privados.
Por isso as PPP's são muito diferentes do investimento directo do Estado.
O caso da Lusoponte é exemplar: se tivesse investido directamente o Estado poderia fazer as pontes que quisesse sem dar contas a ninguém. Assim, a troco de um financiamento inicial, a Lusoponte tem direitos valiosos no caso das coisas correrem bem e haver mais tráfego e necessidade de novas pontes.
As PPP's têm sido um misto de desorçamentação e de contratos ruinosos para o Estado a favor de um grupo seleccionado de privados. E os valores envolvidos são gigantescos.
Caro Luís lavoura:
"Se o Estado fizesse o investimento diretamente assumiria na mesma os riscos desse investimento e as incertezas dessas contingências".
Pois é, mas também recolheria os eventuais benefícios. Além disto, gastaria menos - na condição de as negociações serem isentas e transparentes (sem qualquer contaminação de "capitalismo de compinchas") e de os negociadores do Estado estarem pelo menos tão bem apetrechados tecnicamente como os da outra parte. E noutra condição: a de o Estado não avançar para a parceria sem antes ter decidido exactamente o que pretende dela.
É isto que o autor do livro propõe, e não necessariamente a abolição das PPP's. Para mim, faz sentido.
Eduardo:
Pois claro que o combate ao desperdício público é uma bandeira de esquerda: o desperdício beneficia sempre alguém, e esse alguém não é a classe média nem a média-baixa.
O combate cego à despesa, este, sim, é uma bandeira da direita. Trata-se de "matar o monstro à fome", não é verdade?
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