sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Mais algumas notas sobre política industrial

No Vias de Facto, através do Zé Neves e do Miguel Madeira, a discussão à volta da política industrial tem continuado. Uma discussão bem oportuna nos tempos que correm. De forma esquemática, queria responder a alguns dos seus pontos.

1- O Miguel Madeira chama a atenção para a forma como a política industrial foi conduzida na Coreia do Sul e no Japão, beneficiando grandes conglomerados industriais, os chaebols e keiretsu, respectivamente. É verdade que assim foi, mas parece-me muito limitado olhar só para estes dois casos de sucesso. A política industrial continua a ser seguida por muitos países, dos EUA à Dinamarca. As suas configurações são muito diversificadas e plásticas, no que toca à propriedade e aos arranjos de classe que lhe são subjacentes. Através do que aqui escrevi antes, penso ser bem claro o modelo que favoreço: por um lado, empresas públicas, onde a participação dos trabalhadores não seja um mero simulacro e onde a avaliação de projectos e resultados possa ser escrutinado por todos; por outro, políticas públicas (por exemplo, de crédito) que favoreçam determinadas “associação dos produtores”, como nas cooperativas. Estas opções não são puramente ideológicas. Penso ser a melhor forma de alcançar o sucesso, devido aos canais de informação que se desenvolvem e à pressão democrática para a escolha de projectos socialmente mais rentáveis.

2- Tem razão o Miguel quando afirma que na economia neoclássica há exemplos de trabalhos que têm em conta economias com rendimentos crescentes à escala, nomeadamente o do Krugman, como aliás eu e o João Rodrigues mostrámos num dos capítulos deste livro. No entanto, a negligência da teoria neoclássica em relação a esta realidade não se deve somente a uma questão de formalização matemática. É toda a teoria do equilíbrio geral e de defesa cega do comércio livre que é colocada em causa.



O Zé Neves levanta outro tipo que questões, que se desviam da nossa discussão inicial à volta da política industrial, mas que me merecem três breves notas:

1- Se bem percebi, o Zé acusa-me de ter dois pesos e duas medidas quando crítico a economia neoclássica no campo das “diferenças políticas e morais”, mas de o não fazer no que eu próprio defendo. Não tem razão. A discussão política e moral deve estar sempre presente, mas ela não exclui a análise científica. A realidade existe e as teorias e análises devem ser testáveis, admitindo a falibilidade. Aliás, é neste campo que a economia neoclássica mais redondamente falha. É também neste ponto que eu e o Zé talvez diverjamos.

2. De resto, ter conta em conta que parte da realidade económica é nacional e que temos aí um esfera autónoma de acção é bem diferente do que dizer que devo “confinar” a minha análise à esfera nacional, ou que me preocupo mais com os trabalhadores portugueses do que com os trabalhadores moçambicanos. Obviamente, a minha acção, como a do Zé, está constrangida pelo que me é próximo (se vivo em Alvalade é mais fácil organizar os precários em Lisboa do que em Estocolmo). Aqui acho que o Zé está a ser deliberadamente incorrecto e a criar divisões artificiais.

3. As perguntas finais do Zé sobre relação entre consumo e produção, “pueris q.b.”, são provocações, às quais o Zé sabe bem como responderia. Fica só a recomendação de um excelente livro que responde a muitas delas.

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