Através da The Economist desta semana cheguei a este documento do FMI, publicado na semana passada. O documento é impecavelmente neoclássico na metodologia e nos pressupostos teóricos de que parte. Os autores partem da análise histórica da experiência de reduções do défice orçamental de 15 países desenvolvidos (entre eles Portugal), entre 1980 e 2009, para construírem um modelo que prediz, em média, os impactos da austeridade. As conclusões são eloquentes: por cada 1% (em relação ao PIB) de corte do défice, o produto contrai 0,5% e o desemprego aumenta 0,3% ao longo dos dois anos seguintes. Aplicando estas conclusões ao caso português actual, a redução do défice agora prevista pelo governo, de 9,3% para 7,3% em 2010, teria como consequência uma contracção do PIB em 1% e um aumento do desemprego em 0,6%. Isto, claro, se os cortes no défice se cingissem a 2010. Como o objectivo é chegar aos 3% em 2013, não há dúvida que o cenário é depressivo (económica e psicologicamente).
Pois bem, na verdade, no caso de Portugal, as coisas conseguem ser ainda mais complicadas do que segundo as previsões deste modelo. Neste último, as moedas dos países em austeridade desvalorizam e os juros caem significativamente - proporcionando estímulos, respectivamente, ao crescimento das exportações e ao consumo/investimento. Ora, Portugal tem uma moeda que é comum aos seus principais parceiros comerciais e não é expectável que as taxas de juro desçam muito. Como gostaria de ouvir os economistas que clamam pelo FMI na Portela se confrontados com certos estudos do próprio Fundo.
Sem a reverência ao FMI prestada pelos nossos economistas e com conclusões numéricas que não dão grandes parangonas (como a que uso neste post), mas com mais honestidade teórica e num estilo mais legível para o comum dos mortais, vale a pena ler este trabalho do Instituto Roosevelt. As análises históricas são mais detalhadas e mais eloquentes e as conclusões são sensivelmente as mesmas. Austeridade em tempos de recessão? Não.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
6 comentários:
Que as políticas, a existirem, devem ser anti-cíclicas toda a gente concorda (até os liberais). Mas acontece que o problema não é a recessão. Aliás, acho estranho que economistas não percebam isso. O problema é que o Estado está falido e está a falir a economia com a carga fiscal. Bancarrota, não sei se já ouviram falar. O Estado está teso, não tem dinheiro para nada. Esse é o problema. É por isso que o Estado não tem outra alternativa.
"A redução do défice agora prevista pelo governo, de 9,3% para 7,3% em 2010, teria como consequência uma contracção do PIB em 1% e um aumento do desemprego em 0,6%"
Estes valores parecem-me subestimados. Como a redução vai ser feita quase totalmente em 2011 e ascenderá a cerca de 5% do PIB, significa que o efeito nos próximos dois anos seria uma redução do PIB de 5 * 0,5% = 2,5% e um aumento do desemprego de 5 * 0,3 pp = 1,5 pp.
Note-se no entanto que isto não é a previsão do cenário macroeconomico mas o efeito em relação a um cenário baseline em que tudo o resto se mantivesse constante.
Infelizmente ambas as ligações levam-nos ao mesmo documento...
Será possível aceder ao docunmento do FMI?
Obrigado pela correcção, Ricardo. Já lá está o link correcto.
Agora imaginem tudo isto a somar ao efeito do "oil peak" - ver em: http://www.businessinsider.com/the-oil-peak-has-been-reached-2010-10
Pois é. E ainda querem construir mais auto-estradas, um novo aeroporto, etc. A crise actual é apenas um vislumbre do que implicará o "pico petrolífero", numa economia que não se tem preparado para tal, excepto no desenvolvimento de energias renováveis, mas sem um enquadramento e planeamento mais geral numa política energética e económica que descarbonize (ignora-se igualmente o impacto económico das alterações climáticas e das medidas que, mais cedo ou mais tarde, terão que ser aplicadas, impostos, etc.) a economia e reduza a nossa dependência global das energias fósseis.
Enviar um comentário