sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Corrijam o erro!


Estou longe de ser um defensor do trabalho científico do Banco de Portugal, onde reina o que Pedro Lains bem intitulou como o “Consenso da Almirante Reis”. No entanto, esta notícia do I “Banco central culpa função pública por fraca produtividade do país” é pura e simplesmente falsa. O Banco de Portugal refere no seu boletim de Outono um aumento da produtividade do trabalho no sector privado de 3% em 2010, ao mesmo tempo que o factor trabalho continua a ter um contributo negativo no crescimento do PIB (de -0.9%. em 2010), associado à forte queda do emprego. É fácil de perceber como surgem estes números. Depois da forte contracção do produto em 2009, muitas empresas reduziram o seu número de trabalhadores e aumentaram a pressão sobre os seus trabalhadores: o trabalho intensifica-se em esforço e horas de trabalho (o que os marxistas definem como aumento da taxa de exploração). Ou seja, o custo do factor trabalho em relação ao produto diminuiu, aumentando a produtividade. Por outro lado, sabemos que foram muitas as empresas a encerrar, aumentando o desemprego e contribuindo para a queda do PIB. Sendo as empresas trabalho intensivas as mais afectadas, é também normal que o contributo negativo no crescimento do PIB seja maior no factor trabalho.

Pois bem, qual a conclusão do I perante estes números? Confundem alhos (taxas de produtividade) com bugalhos (contributo absoluto dos factores de produção no produto). Se a produtividade do trabalho no sector privado aumentou, mas o contributo do factor trabalho na economia é negativo, então a culpa tem de ser dos funcionários públicos: “o crescimento deste ano (1,2%) inclui um contributo negativo do factor trabalho, sendo que a produtividade aparente do trabalho do privado "deverá subir 3%" este ano. O sector público, que forma o resto da equação, será responsável pelo comportamento negativo deste indicador considerado crucial para a retoma, embora o Banco não o concretize em números.” Existe uma óbvia razão para o Banco não concretizar em números. Como a maior parte dos serviços públicos não tem um preço (uma cirurgia, uma aula de geografia, uma ronda da polícia), é um exercício complicado o de calcular a produtividade (produto/número de horas trabalhadas) neste sector.

Ok, argumentarão que esta peça do I não é mais do que o resultado do erro de leitura do jornalista. Não, não é só isso. Como o título da peça demonstra, pode ter havido condicionamento ideológico na interpretação dos dados: a culpa tem de ser desses mandriões dos funcionários públicos, de quem o BP não diz uma palavra. E assim se legitimam os cortes que afectam particularmente esta fatia da população...

14 comentários:

Pedro Viana disse...

Acabei de enviar para

correioleitores@ionline.pt

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Caro Manuel Queiroz,

A manchete principal na primeira página da edição de hoje, 8 de Outubro, do jornal que dirige é falsa e vergonhosa. Sugiro que leia este post

http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2010/10/corrijam-o-erro.html

no blogue Ladrões de Bicicletas para que perceba porquê. Espero que publique uma retificação desta manchete na primeira página da edição de amanhã. De outro modo ficará em causa a honestidade do i perante os seus leitores.

Cumprimentos,

Pedro Viana

maria disse...

mas esses serviços com que exemplifica têm um preço : o salário que recebem o cirugião , o prof , o guarda , a dividir pelo nº de horas trabalhadas . e pode-se comparar com o que recebem o cirugião , o prof e o vigilante do privado.
quanto ao resto , não sei. mas podia ter exemplificado com os cromos das repartições , tribunais , ministérios , secretarias e tal , dos que atendem o público...devagar , devagarinho...que o trabalho é para se ir fazendo.

Alexandre disse...

"pode-se comparar com o que recebem o cirugião , o prof e o vigilante do privado".
Os cirurgiões e os professores no privado ganham mais, já os polícias, face à responsabilidade e formação que têm, não podem ser comparados com os vigilantes.

sepol disse...

No privado por mais que falem e digam mal da função pública, não exitem serviços tão complexos como os dos Tribunais e das Finanças, no privado é só paisagem com uns borregos a pastar.

Ricardo disse...

Parabens pelo texto! Muito pertinente, como é hábito.

Ricardo disse...

A notícia do i tem subjacente um dos maiores mitos da teoria económica e da sua «necessidade» de monetarizar toda a actividade econ+omica: o conceito de produtividade.
Tudo é medido em valor (mas que valor????). E por muitos modelos matemáticos que se inventem e por muito úteis que sejam (que de facto são), tal como o materialismo dialéctico aborda, a abstracção é uma e apenas uma de muitas componentes do concreto.

Anónimo disse...

os privados fazem sempre melhor(E estou a ser ironico),uma certa empresa publica foi a que modos "privatizado" em setembro do ano passado,agora o ministerio que ussufruia dos serviços dessa empresa paga mais do dobro pelo mesmo serviço.como disse no inicio os privados fazem sempre melhor (desde que arrajem jobs for the boys)

Ana Paula Fitas disse...

Caro Nuno,
Fiz link.
Obrigado.

Anónimo disse...

Compare uma aula de geografia do colégio privado Planalto com uma aula de Geografia da ES da Brandoa.
Vá pastar caracóis...

Anónimo disse...

Aonde está a oposição de esquerda na CMO que permite a merda do SATU? que anda para baixo e para cima sem viva-alma? e o estúpido aqui a pagar!!

José Luiz Sarmento disse...

Anónimo nº 2:

Qualquer professor medíocre consegue dar uma aula de geografia bem sucedida no colégio Planalto.

Mas para dar uma aula de geografia minimamente eficaz na E.S da Brandoa é preciso ser mesmo muito bom.

Portanto, quanto a pastar caracóis, vá você.

Unknown disse...

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maria disse...

pode ser que tenha razão , Alexandre , e que os cirurgiões do privado ganhem mais . mas gostaria de saber o número de operações realizadas , por exemplo , por cada um destes profissionais.
assim de repente , lembrei-me de :

"Em seis dias, um oftalmologista espanhol realizou 234 cirurgias a doentes com cataratas no Hospital Nossa Senhora do Rosário, no Barreiro, num processo que está a "indignar" a Ordem dos Médicos. Os preços praticados são altamente concorrenciais, tendo sido esta a solução encontrada pelo hospital para combater a lista de espera. O paciente mais antigo já aguardava desde Janeiro de 2007, tendo ultrapassado o prazo limite de espera de uma cirurgia. No ano passado chegaram a existir 616 novas propostas cirúrgicas em espera naquela unidade de saúde. Os sete especialistas do serviço realizaram apenas 359 operações em 2007 (cerca de 50 por médico num ano). No final do ano passado, a lista de espera era de 384, e foi entretanto reduzida a 50 com a intervenção do médico espanhol " ah , pois é ! os 7 especialistas parece que não valem 1 à maneira.

Anónimo disse...

Uma vez que os directores gerais estão boyzados e que os serviços públicos são organizados pela classe política, há que verificar a que se deve a falta de produtividade dos serviços públicos: se aos funcionários (a maioria dos que conheço são esforçados, embora seja de reconhecer que alguns se encostam e usam os sistema em proveito próprio) ou a quem os organiza e manda neles. A mim parece-me mais falta de liderança e incompetência (ou pior) de quem é nomeado para lugares por uns anos, sem saber do assunto ou habilitações para tal. Não haverá algum estudo sobre isto por aí?

SNG