A Assembleia aprovou hoje na generalidade um projecto no sentido da elaboração de um Orçamento de Base Zero (OBZ) no ano de 2012. Este projecto terá, tudo indica, um trajecto difícil para chegar à aprovação final, mas representa um sinal positivo nos termos do debate sobre despesa em Portugal.
Infelizmente, o debate sobre despesa tem sido, desde sempre, marcado por um discurso que trata todos os gastos do Estado como sendo basicamente dinheiro deitado à rua e atrás do qual se escondem as mais várias agendas. Assim, despesa social, investimento público, contratos ruinosos, os salários da função pública ou as redes clientelares dos partidos, tudo é corrido pela mesma grelha de análise do "Estado gordo".
A opacidade dos orçamentos, obviamente, não ajuda. Muitas das dotações dos quadros orçamentais não têm nenhuma desagregação ou descrição que as torne inteligíveis. Por exemplo, só no conjunto das rubricas "outros" dos vários Ministérios, somam-se quase mil milhões de euros. Até pode ser despesa muito importante, mas o que sabemos é que não sabemos.
Talvez a primeira explicação sobre o OBZ deva incidir sobre o que o OBZ não é. O OBZ não resolve o problema das escolhas sobre políticas orçamentais. Nem deve. O OBZ não exime quem apresenta um Orçamento de fazer toda a despesa que decorre da aplicação da lei ou de obrigações contratuais. Nem pode. O OBZ permite apenas uma maior clareza nas escolhas, uma melhor adequação dos recursos às políticas e uma maior transparência na execução.
O método actual (o que alguns chamam o orçamento incremental) consiste na prática na definição de grande parte das áreas da despesa a partir dos dados da execução orçamental do exercício anterior. Até parece fazer sentido. Mas tem um problema. Como não temos garantias de que a execução do ano anterior foi eficiente, este método tende a reproduzir, eternizar, e até promover os factores de ineficiência.
Nos últimos anos, têm-se multiplicado os exemplos de serviços que, no final do ano, aumentam a despesa de forma a esgotar a verba de que dispunham. A lógica é, portanto, a do Benefício ao Infractor. Se os serviços que poupam e conseguem uma redução da despesa em relação ao orçamentado são penalizados no orçamento posterior e os cortes, quando a coisa aperta, tocam a todos, independentemente do seu desempenho, que incentivo existe para promover a eficiência na administração pública?
Esta metodologia existe porque é mais simples, mas também porque dá ao Governo mais margem de manobra para gerir dotações misteriosas. O OBZ, pelo contrário, é mais complicado e até dispendioso (o que desaconselha a sua utilização contínua) mas permite fazer um reset da estrutura da despesa, fora dos compromissos legais e contratuais.
O levantamento de necessidades, a especificação e justificação detalhada das despesas não nos garante, obviamente, que serão feitas as melhores escolhas de política económica. Basta ver o discurso dos liberais, que dizem que em tempo de crise, com contracção do investimento privado, também não pode haver investimento público.
Mas tem o mérito de obrigar o Governo (e toda a oposição) a explicar do que falam quando falam de despesa. E, se todos compreendermos isso, talvez possamos ter um debate mais inteligente e menos populista sobre o que é a despesa pública e qual o seu papel na retoma económica.
Infelizmente, o debate sobre despesa tem sido, desde sempre, marcado por um discurso que trata todos os gastos do Estado como sendo basicamente dinheiro deitado à rua e atrás do qual se escondem as mais várias agendas. Assim, despesa social, investimento público, contratos ruinosos, os salários da função pública ou as redes clientelares dos partidos, tudo é corrido pela mesma grelha de análise do "Estado gordo".
A opacidade dos orçamentos, obviamente, não ajuda. Muitas das dotações dos quadros orçamentais não têm nenhuma desagregação ou descrição que as torne inteligíveis. Por exemplo, só no conjunto das rubricas "outros" dos vários Ministérios, somam-se quase mil milhões de euros. Até pode ser despesa muito importante, mas o que sabemos é que não sabemos.
Talvez a primeira explicação sobre o OBZ deva incidir sobre o que o OBZ não é. O OBZ não resolve o problema das escolhas sobre políticas orçamentais. Nem deve. O OBZ não exime quem apresenta um Orçamento de fazer toda a despesa que decorre da aplicação da lei ou de obrigações contratuais. Nem pode. O OBZ permite apenas uma maior clareza nas escolhas, uma melhor adequação dos recursos às políticas e uma maior transparência na execução.
O método actual (o que alguns chamam o orçamento incremental) consiste na prática na definição de grande parte das áreas da despesa a partir dos dados da execução orçamental do exercício anterior. Até parece fazer sentido. Mas tem um problema. Como não temos garantias de que a execução do ano anterior foi eficiente, este método tende a reproduzir, eternizar, e até promover os factores de ineficiência.
Nos últimos anos, têm-se multiplicado os exemplos de serviços que, no final do ano, aumentam a despesa de forma a esgotar a verba de que dispunham. A lógica é, portanto, a do Benefício ao Infractor. Se os serviços que poupam e conseguem uma redução da despesa em relação ao orçamentado são penalizados no orçamento posterior e os cortes, quando a coisa aperta, tocam a todos, independentemente do seu desempenho, que incentivo existe para promover a eficiência na administração pública?
Esta metodologia existe porque é mais simples, mas também porque dá ao Governo mais margem de manobra para gerir dotações misteriosas. O OBZ, pelo contrário, é mais complicado e até dispendioso (o que desaconselha a sua utilização contínua) mas permite fazer um reset da estrutura da despesa, fora dos compromissos legais e contratuais.
O levantamento de necessidades, a especificação e justificação detalhada das despesas não nos garante, obviamente, que serão feitas as melhores escolhas de política económica. Basta ver o discurso dos liberais, que dizem que em tempo de crise, com contracção do investimento privado, também não pode haver investimento público.
Mas tem o mérito de obrigar o Governo (e toda a oposição) a explicar do que falam quando falam de despesa. E, se todos compreendermos isso, talvez possamos ter um debate mais inteligente e menos populista sobre o que é a despesa pública e qual o seu papel na retoma económica.
5 comentários:
Parabéns!
Uma proposta concreta e construtiva que, se for bem usada pelo parlamento, pode ser muito útil.
ena ganda cena
Por exemplo, só em horas extraordinárias dos últimos tempos
já vão uns milhões
só no conjunto das rubricas "outros" dos vários Ministérios, somam-se quase mil milhões de euros.
obviamente os outros da rubrica também são gente
se 770 militares em missões possíveis mas pouco
custam 75 milhões à defesa
quanto custariam ao ataque?
Assim se vai descobrindo agora que sob o guarda-chuva do Estado se tem enfiado tudo e mais alguma coisa…Mas é difícil lá chegar, dada a dificuldade na “leitura” dos quadros orçamentais como é dito no postal (as horas extraordinárias até devem ser peanuts!).
A última década foi pródiga na criação de um rol de “coisas” públicas, empresas públicas, empresas municipais, muitas delas com o intuito de fugirem ao crivo da administração, particularmente àquele do Tribunal de Contas.
Mordomias para nós, negociatas para os amigos!
A comunicação noticiou recentemente que a Águas de Portugal tinha visto chumbada a sua pretensão de renovação da frota automóvel, aparentemente ostentatória e para além do razoável. Mas vá lá que a AdP ainda é uma empresa que vende um serviço e gera receitas; outras há, que nem vendem nem têm receitas, que de “empresas” nada têm e de públicas muito menos, mas que continuam a vidinha graças ao OE.
“Medidas corajosas” seriam as de acabar de vez com estes “equívocos socialistas”. Este OBZ pode pô-los a nu. 2011 já era tarde…
Não partilho o entusiasmo! Chamados a justificar a sua função cada departamento facilmente demonstra que sem ele o país afunda. No fim tem sempre de ser politica a decisão de o manter ou não. Acresce que tratando-se de funcionários, os despedimentos estão fora de causa e as deslocações para outros serviços enfretam as resistências que se conhece. Um fait - divers, diria.
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