quarta-feira, 20 de outubro de 2010
Antropologia elementar aplicada à Economia
“Os bancos provocam uma crise. Os governos atiram milhares de milhões para os bancos e para toda a economia criando enormes défices e dívidas. Os bancos emprestam aos estados e cobram as dívidas que eles próprios criaram com língua de palmo. O estado remete para nós a factura”.
Contada a história desta forma ninguém pode de estar de acordo com esta escandaleira.
Mas, o que acontece se for contada de outra maneira?
“As pessoas e o Estado entraram numa orgia desregrada. O país todo consome e gasta mais do que produz. As pessoas e o Estado acumularam dívidas insustentáveis a ponto de ninguém mais lhes querer emprestar nada. As pessoas e o Estado caem em si finalmente. Agora todos fazem sacrifícios, pois claro. E se todos forem sinceros nos sacrifícios que prometem os mercados vão mostrar compreensão e não fecharão a torneira do crédito”.
Bom, assim o caso é outro. Se calhar até é preciso fazer sacrifícios.
Parece-me que um antropólogo explicaria melhor do que um economista a diferença entre as duas histórias e a capacidade de persuasão da segunda. O segredo parece-me que está na mobilização de linguagem bíblica na segunda mensagem: pecámos, fomos castigados, temos de fazer sacrifícios para que o deus “mercados” se condoa de nós. Se formos sinceros Ele vai ter piedade de nós.
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14 comentários:
Na realidade portuguesa a história é um pouco diferente.
A primeira história não é bíblica mas tem a sua moral: os bancos são sempre culpados de tudo, as pessoas nunca são culpadas de nada.
Pode até acontecer, como em Portugal, que os défices tenham relativamente pouco a ver com a salvação dos bancos. Mas o que importa isso?
Em contrapartida a segunda história poderia levar as pessoas a pensar se tinham tido alguma culpa no assunto. Na verdade em Portugal elas pecaram mas não da forma que é descrita.
Elas andaram a ignorar o que o governo fazia e, em seu nome, o governo atirava dinheiro aos bancos e às construtoras. Quando não havia dinheiro, assinava às escondidas contratos em que endividava o estado.
Como as dívidas têm sempre limites, houve um dia em que a festa (do governo e seus protegidos, não das pessoas) acabou. O governo mandou a conta às pessoas. E ainda assim as pessoas continuavam a gostar do governo.
E mesmo muitos dos que diziam que eram contra os bancos, continuavam a ajudar o governo a aprovar obras no Parlamento e a esconder a sua incompetência.
Regra para ajudar o governo: atirar as culpas para Bruxelas, Sra. Merkel, BCE, bancos, finança mundial, seja lá o que for. Mas sobretudo nunca admitir que há muito que esta situação estava prevista e que José Sócrates só fez alguma coisa quando já não podia haver dissolução do Parlamento.
Não há coisa mais difícil, principalmente na nossa cultura - muito menos na anglo-saxónica - do que escrever simples dizendo tudo. Neste sentido, este texto é notável! Parabéns.
E o que acontece quando não há "os mercados" para acartarem com as culpas? A economia deixaria de ter altos e baixos se os Estados fossem donos dos bancos? Aí, os sacrifícios democraticamente decididos iriam ser aceites pacificamente, ou iríamos assistir a uma transferência de culpa da classe dominante banqueira para a classe dominante política?
Reparo, com regozijo, que um dos membros do colectivo culpa o Estado em ambos os casos: " os governos atiram milhares de milhões para os bancos e para toda a economia" e "as pessoas e o Estado acumularam dívidas insustentáveis, etc." Com socialistas destes, não são precisos liberais. Felizmente!! Ao menos que vos caia a boca para a verdade.
Ainda não percebi o tempo que investimos em (bons) textos de diagnóstico, de denúncia e rejeição, em prejuizo do tratamento a dar às soluções... Estaremos condenados à função de carpideiras de boa lamúria?
O post é bom!
Os comentários também!
... e então?
Até que enfim que vejo alguém deste blogue a pôr o dedo na ferida (com a história contada da primeira maneira). Haverá ainda alguma dúvida que são os Senhores do Dinheiro que põem e dispõem?
O Virgílio anda mal acompanhado
e o gajo do SIS apanhou muito sol
até no Inferno há lobby gay
e se fizer uma fusão
As pessoas, os Bancos e o Estado entraram numa orgia desregrada.
O país todo consome e gasta mais do que produz.
Exporta menos do que importa e os gajinhos emigrados já não mandam muito carcanhol.
As pessoas, os Bancos e o Estado acumularam dívidas insustentáveis a ponto de ninguém mais lhes querer emprestar nada, a não ser que paguem bem.
As pessoas,os Bancos e o Estado não caem em si finalmente, mas para lá caminham
cada funcionário tenta conservar previlégios
que 670 mil desempregados nunca tiveram
O post é.....!
Os comentários também são uma.....!
... e então?
a Antropologia nem elementarmente
se aplica a um potlach
tão complexo como foi este
tens um LCD em casa
e a TV velhota foi para o lixo...
pois
a quantidade absurda de máquinas consumidas e deitadas fora nos últimos 20 anos foi admirável
é preciso ser muito tapadito
ninguém queria saber
enquanto durar durou
GREVE GERAL! LUTA!
Nacionalização da Banca!
Os trabalhadores são gente, não são só números e hão-de vencer a luta de classes!
Só os trabalhadores podem resolver a crise!
Magnífica lição de economia para leigos na matéria, como é o meu caso. Obrigado, José M. Castro Caldas.
Mas, como qualquer outro aluno, gostaria também de resposta para a pergunta deixada pelo Rogério Pereira: "... e então?"
nelson anjos
Venho partilhar uma "cena da vida real".
Lembram-se do BPA (Banco Português do Atlântico) que, mais tarde, foi "integrado" no BCP?
Pois conheci o (então) gerente do balcão de Matosinhos do BPA, a quem a Administração daquele banco, impôs como "objectivo" do balcão para o ano de 1996 (!) a "venda" de cartões de crédito a todos os titulares de contas bancárias naquela agência.
O problema estava em que 85% a 90% dos titulares de contas bancárias da referida Agência do BPA de Matosinhos eram pescadores por conta de outrém, nada conhecedores dos mecanismos de utilização dos referidos cartões.
Como o tal gerente "discordou" do objectivo traçado, foi convidado a passar à pré-reforma, sendo que nos anos seguintes o crédito malparado daquela Agência triplicou.
A culpa é do(s) governo(s)?
A culpa é dos pescadores a quem impingiram os cartões de crédito?
Ou será das famílias de banqueiros que atravessaram, mais ou menos, incólumes as "agruras" do 25 de Abril e mandam no País e no poder político, como ainda agora demonstraram publicamente com a peregrinação a Pedro Passos Coelho para o "aconselharem" a viabilizar o Orçamento?
Agradecimentos pelo post.
mas não foram só os bancos. falta um elemento na narrativa : sem a deslocalização de indústrias para sítios de mão de obra e energia baratinhas , as pessoas teriam continuado a ganhar para pagar as suas dívidas.
fomos apanhados no meio de uma guerra de religiões ,cada uma a querer cada vez mais , a finança e as multinacionais da globalização ( já sei que a globalização tirou milhões da pobreza , deve ser por isto que nunca a culpabilizam , é tipo dogma. mas lá que pôs outros tantos milhões na pobreza , é um facto ).
espero que seja inteligente o suficiente para perceber que pessoas que professam ideologias jamais darão seja o que for ao mundo que ele precise. nós somos como somos. e é a partir do que somos que têm de pensar. é muito bonito ,estético , romântico ,religioso e tal, bens comuns , solidariedade , altruismo , e patati patata do bom selvagem.
mas os homens não são assim ,nunca vão ser.serão sempre homo homini lupus.
e maquiavel será sempre , até agora foi , o melhor analista e disciplinador do bicho homem. leia-o sem preconceitos. irá descobrir como ele , no tempo da maria cachuxa , já dizia que a classe média ( os remediados) eram o motor da história. e o principe devia cuidar que houvesse poucos ricos e poucos pobres.e muitos remediados.
faça-me lá esse favor , esqueça os fins justificam os meios ( tão feio e tão mal usado) , e leia maquiável. ele é muito mais que isso. era sábio.
A culpa é de SALAZAR!!!
LOL)
Uma das coisas mais importantes (e dificeis) do cientista / economista é distanciar-se da linguagem / narrativa e procurar tentar explicar o fenómeno de forma neutra consciente do risco que poderá estar a errar. O problema é que isso não só é dificil (para a maioria parece mesmo impossível) como tende a conduzir a conclusões mais matizadas e que não passam bem na opinião públicada.
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