Já se disse que a derrota do PS nas europeias foi extraordinária: desde as primeiras europeias, em 1987, que o partido não tinha um resultado tão mau. Só em 1987, exactamente aquando da primeira maioria absoluta do PSD (as eleições foram simultâneas) e em pleno realinhamento do sistema partidário precipitado pelo efeito PRD (aparecido em 1985), o resultado em eleições europeias (22,5%) foi inferior ao que se verificou agora. Mas, mesmo assim, muito acima em termos absolutos (1267529 votos) do que aquele que se verificou agora (946475 votos). Claro que os números absolutos não são comparáveis, por causa da simultaneidade das eleições, mas fica a curiosidade.
No caso da direita, o PSD, com 31,71% (1129243 votos) teve o terceiro pior resultado de sempre em europeias (6 eleições): só foi muito ligeiramente pior em 1999 (31,1%, correspondente a 1077665 votos) e claramente pior em 2004 (26,31%: apliquei uma regra de três simples para distribuir os votos da coligação “Força Portugal”, PSD-CDS, em 2004, tendo em conta o resultado percentual médio de cada parceiro em 1999 e 2009 – cerca de 895581 correspondentes a cerca de 79% de todo o voto na coligação). O CDS-PP, com 8,37% (298057 votos), teve o seu terceiro pior resultado de sempre em eleições europeias: só foi muito ligeiramente em 1999 (282928: 8,2%) e marcamente mais negativo em 2004 (6,96%; cerca de 297024), o annus horribillis da direita portuguesa em europeias.
Todos estes cálculos não servem para desmerecer a vitória da direita nas europeias de 2009, de todo. Tal vitória criou uma nova dinâmica nas hostes da direita e, por isso, um governo PSD-CDS é agora uma possibilidade no horizonte. Segundo, produziu um enorme desânimo entre as hostes do PS. Terceiro, foi uma surpresa: um efeito fundamental em política, sobretudo a esta distância das legislativas. Exactamente, pela sua proximidade com as legislativas, estes três elementos são cruciais para uma nova dinâmica (da direita). Além disso, vieram reabilitar o multipartidarismo e a ideia de coligação, sobretudo por via do resultado do CDS-PP. Por isso, esclareça-se, os meus cálculos não pretendem menosprezar a vitória da direita, tão só relativizá-la.
E à esquerda? O PCP/CDU, com 10,66% (397707 votos), teve o melhor resultado face ao período 1999 a 2004 (8,2%, 357575; 9,1%, 308873; 9,08%, 309421), mas este muito abaixo de 1987 (11,5%: 648962), de 1989 (14,4%: 597404) e de 1994 (11,2%: 3400873). Mixed results, portanto.
A grande novidade que, porém, não tem muito lastro histórico em europeias…, foi claramente o BE. Com 10,73% (382011 votos) ficou claramente acima da sua estreia nas europeias (1999: 1,8% correspondentes 62022 votos), mas também cresceu brutalmente face a 2004 (4,9% correspondentes a 167039 votos).
É muitíssimo arriscado estimar transferências de voto a partir dos dados agregados (e sem inquéritos de painel) mas parece claro que o PS poderá ter perdido votos para todos os lados (abstenção, brancos e nulos, PSD, "esquerda radical"), mas uma fatia muito substancial terá, muito provavelmente, ido para a "esquerda radical", sobretudo o BE.
Esperava-se, por isso, que o PS tentasse (tarefa muito dificil, convenhamos) reconquistar votos à esquerda ou, pelo menos, acenar com a hipótese da regresso da direita e procurar, desse modo, potenciar um eventual efeito de voto útil. Nada disso, a grande aposta parece ser estancar as perdas à direita. Primeiro, foi a escolha de Vitorino (que está sempre em todo o lado na política, excepto quando não está nos negócios, onde passa a maior parte do tempo…), essa guarda avançada da “terceira via” (blairista, etc.), para a feitura do programa.
Agora, é o aconselhamento informal pedido pelo primeiro-ministro (e o seu inner circle do PS) aos homens do Compromisso Portugal (pasme-se!) e a situacionistas que engordam brutalmente através dos seus “negócios privados” com o Estado… Carrapatoso, porém, parece ter mais dignidade e vergonha na cara do que os outros e, por isso, terá recusado (apoio explicito, mas não aconselhamento...).
Parece que, efectivamente, o primeiro ministro e o seu inner circle no PS não perceberam muito bem a derrota nas europeias. As pesssoas que agora votaram no PSD não o fizeram por causa das suas ideias liberais: na melhor das hipóteses, querem pessoas que inspirem maior confiança e seriedade, além de desejarem ver-se livres da arrogância da governação musculada e da defesa (pelo PS) de um Estado sem funcionários… Mas também o terão feito porque, tal como na Europa, terão bastantes dificuldades em diferenciar o PS dos partidos à sua direita e, portanto, se a diferença não é assim tanta, fica mais fácil mudar de campo…
Por tudo isso, a maior vitória da direita é mesmo a conversão do PS numa espécie de “Partido do Centro”, um traço brutal desta legislatura e de que o recente pedido de aconselhamento aos homens do Compromisso Portugal (e a outros neoliberais situacionistas de gema) é só mais um passo nessa longa caminhada… A maior vitória da direita é, pois claro, a forte penetração das ideias neoliberais no âmago da direcção socialista: este episósido com os homens do Compromisso Portugal é bem ilustrativo e vem, mais uma vez, confirmar dados anteriores.
Mas, além de tudo, não parece uma estratégia muito inteligente para capitalizar qualquer tipo de voto útil à esquerda: então se o PS até se aconselha agora com o Compromisso Portugal, fica muito mais dificil às pessoas de esquerda votarem no “Partido do Centro”, não será? Além disso, nestas condições, até os sociais conservadores do PSD podem ser mais soft ou, pelo menos, serão claramente mais previsíveis…
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5 comentários:
Tem uma certa lógica que se virem à direita nesta altura. Afinal, também se dizia que a escolha de Vital Moreira para as europeias era para captar o eleitorado de esquerda e parece que correu mal...
“PS” tornou-se numa marca usurpada por um conjunto de pessoas com interesses muito particulares (entre eles, esse senhor das festanças da dona Constança)…A reaproximação ao Compromisso Portugal é um reflexo dessa situação. Afinal, tudo isto é política. Sim, é uma política que serve os interesses de uma minoria de pessoas e seus apaniguados. Ninguém espere que essa gente esteja preocupada com igualdade de oportunidades e uma efectiva distribuição de riqueza …
É curioso que a própria M. Thatcher tenha em tempos afirmado considerar que o maior de todos os seus feitos foi o New Labour e Tony Blair (http://conservativehome.blogs.com/centreright/2008/04/making-history.html).
O progressivo alinhamento do PS com esta 'tendência longa' da política internacional não surpreende nem pela substância, nem pelo ligeiro desfasamento (porventura resultante da condição semi-periférica do país). Parece mais ou menos inevitável que J. Sócrates se veja rapidamente na condição politicamente moribunda em que se encontra já Gordon Brown; mas, infelizmente, parece também provável que a reorientação destes partidos soi-disant socialistas, de uma forma menos exclusivamente favorável aos interesses do capital, só possa ter lugar mediante uma mais vasta alteração do regime de acumulação em que vivemos, do neoliberalismo para o que quer que lhe venha a suceder. À esquerda cabe intensificar a luta social, mais do que lamuriar-se por causa das conquistas (neste caso, políticas) do capital.
Agradeços aos três os interessantes comentários.
Mas ao Tiago Santos recomendo vivamente que, sobre a candidatura de Vital ao PE 2009, veja os meus posts (reproduzindo um artigo da minha coluna do Público):
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2009/03/uma-escolha-acertada-ou-disponivel-i.html
&
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2009/03/uma-escolha-acertada-ou-disponivel-ii.html
Em política o objectivo estratégico é conseguir que o paradigma que se apoia se torne dominante na sociedade, ao ponto de se "apoderar" do maior partido da oposição. A Direita conseguiu isso durante as últimas 3 décadas, levando ao abastardamento dos denominados partidos de poder à Esquerda, culminado na chamada Terceira Via, de Blair, Clinton e Schroeder. Guterres timidamente introduziu-a, e Sócrates levou-o-a ao seu cúmulo.
Não deixa de ser interessante haver tanto ódio a Sócrates à Direita, quando só ele, como líder do PS, podia ter implementado políticas à muito clamadas à Direita, a começar pela guerra aos funcionários públicos, com ênfase nos professores.
No entanto, percebe-se que alguns comentadores de Direita começam agora a "acordar". A subida da esquerda socialista, PCP e BE, colocou muitas campainhas de alarme a tocar. Será que algum votará PS para tentar evitar que este faça coligações à Esquerda, em particular situação de fraqueza?...
É pelo que disse antes, e que é afirmado no post e em comentários, que a recente vitória da Direita europeia nas eleições para o PE, acompanhada pela derrocada da Esquerda "moderada", é agridoce: claramente os partidos de poder à Esquerda ou "viram à Esquerda" ou perderão cada vez mais votos à sua Esquerda para os partidos socialistas e verdes. Estamos a assistir ao início do fim do "consenso tecnocrata económico" e ao regresso da ideologia (que não serão necessariamente as prevalecentes no séc. XX).
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