domingo, 8 de junho de 2008

Ainda as desigualdades salariais

Vieira da Silva procurou explicar as abissais e crescentes desigualdades salariais que se registam em Portugal invocando o conhecido défice de qualificações. Não chega. Aliás, em Portugal evita-se escrutinar as normas, as regras e as instituições que enquadram as relações sociais de produção e que, segundo um número crescente de economistas convencionais norte-americanos, acabam por determinar quem tem poder para se apropriar do quê e porquê. Aliás, como explicar que as desigualdades salariais tenham aumentado num período (1995-2005) em que, apesar de tudo, as qualificações dos portugueses aumentaram de forma assinalável? E como explicar que países que têm forças de trabalho com níveis idênticos de qualificação registem diferentes níveis de desigualdade salarial? Querem diminuir as desigualdades salariais? Assegurem a recuperação continuada do poder de compra do salário mínimo, promovam a negociação colectiva e a concertação social, reforcem a voz dos sindicatos e das comissões de trabalhadores nestes processos e na vida das empresas, combatam a precariedade e limitem a duração dos contratos a prazo. E verão que as desigualdades salariais diminuem. Como que por uma mão invisível. Depois fica tudo mais fácil: expansão do Estado Social, promoção de reformas que incrementem a produtividade e até a realização de eventuais «sacrifícios» que são tanto mais fáceis de aguentar quanto menor for a sua assimetria.

7 comentários:

Filipe Melo Sousa disse...

como explicar que as desigualdades salariais tenham aumentado num período (1995-2005) em que, apesar de tudo, as qualificações dos portugueses aumentaram de forma assinalável?

Essa é muito simples: basta observar que num período anterior se tenha praticado ordenados regulamentados, obrigando as empresas a pagar coercivamente acima do valor, mesmo a pessoas incompetentes. Não esquecer que foi um período de privatizações

;)

Hugo Mendes disse...

João,

"como explicar que as desigualdades salariais tenham aumentado num período (1995-2005) em que, apesar de tudo, as qualificações dos portugueses aumentaram de forma assinalável?"

Que o stock de qualificações tenha aumentado a nível global não significa que se tenha assistido a um processo de igualização, nem a nenhuma compressão das qualificações. Tens e terás uma enorme faixa de activos com qualificações baixas ou muito baixas e dificilmente vão apanhar o comboio do aumento da qualificações dos mais novos (embora o Novas Oportunidades, tantas vezes denegrido à esquerda, possa ajudar um pouco - e na Administração Pública esse ajuste salarial é por vezes quase-imediato).

"E como explicar que países que têm forças de trabalho com níveis idênticos de qualificação registem diferentes níveis de desigualdade salarial?"

Infelizmente, na OCDE, estamos mesmo na cauda - pior só mesmo Turquia e México: e que são os mais desiguais que nós.

Quanto à promoção da negociação colectiva e da concertação salarial, estou completamente de acordo contigo (esta é, para além dos níveis de qualificações e da cobertura sindical, provavelmente a variável que explica as desigualdades salariais - mas a estrutura da nossa economia, assente na pequena empresa, não ajuda mesmo nada: a dimensão da empresa correlaciona negativamente com a cobertura sindical e os níveis de centralização da concertação social).

Eu gostava era que os sindicatos (e os patrões) estivessem tão interessados como o Governo na negociação colectiva e na concertação salarial: é que com tantos anos a funcionar de uma forma anti-concertação, muita gente dentro dos sindicatos não está diposta a mudar de hábitos. Os sindicatos contra as comissões dos trabalhadores?...Fica a pergunta ;)

abraço,
Hugo

Hugo Mendes disse...

Mais elementos aqui:
http://pensamentodomeiodia.blogspot.com/2008/06/desigualdades-salariais-as-qualificaes.html

Pedro Sá disse...

O aumento do nível de vida que se lixe, só interessa é a igualdade nos bolsos, não é ?

De facto os marxistas são tão ou mais obcecados com dinheiro do que os ultra-liberais. Não pensam noutra coisa.

Anónimo disse...

Eu só não compreendo como é que defende o papel dos sindicatos e das negociações entre empregadores e empregados (como acontece nos países avançados e como eu também defendo) e agora, que há uma hipótese de diálogo na Concertação Social, temos a maior confederação de sindicatos do país, e preferir a rua à mesa das negociações.

Tudo o que diz faz sentido mas não é com as CGTPs deste mundo, ainda por cima a mando de partidos, como o PCP e o BE, que procuram simplesmente a desestabilização social numa lógica de assalto ao Poder.

Anónimo disse...

"como explicar que as desigualdades salariais tenham aumentado num período (1995-2005) em que, apesar de tudo, as qualificações dos portugueses aumentaram de forma assinalável?"

Além do que foi argumentado julgo que também por miopia empresarial.
Quer a nível de estratégia, quer a nivel de gestão de recursos humanos.

Em Portugal ainda se insiste numa estratégia de baixo custo em vez de se apostar numa mais valia pela qualidade. Isto implica um desinvestimento em Recursos Humanos com implicações não só a nível salarial como também em formação (pelo que a qualificação dos nossos trabalhadores se mantém baixa). Para agravar esta situação é uma estrategia condenada ao insucesso a médio e longo prazo.

A gestão de Recursos Humanos também é muito ineficaz, existe um diminuto empowerment dos mesmos, pelo que muitas vezes os mesmos não se sintam responsáveis pelos resultados da empresa. Além disso o tique de resolver uma crise pelo recurso aos despedimentos é profundamente errado, empobrecendo ainda mais a sociedade portuguesa.

Só não entendo é porque é que a maioria continua a apostar neste tipo de actitudes (baixos salários, pouco investimento nos recursos humanos e utilização de despedimento de uma forma leviana) que degradam a sociedade portuguesa e não permitem uma maior expansão da economia?

Anónimo disse...

A explicação das desigualdades sociais não passa por qualificações. Trata-se apenas da persistência da desvalorização e consequente alienação de responsabilidades pela classe operária de baixa escolaridade. Este é um país que valoriza "doutores" que não querem limpar o lixo que fazem ignorando porém o mérito de quem o faz. Comparações salariais por grau de ensino na UE podem ser consultados aqui.