Corria o ano de 1986, em Coimbra, e a minha mãe levou-me ao primeiro desfile do 1º de Maio de que me recordo: “está na hora, está na hora, do Cavaco se ir embora”, gritei então pela primeira vez. Não foi embora. Um ano depois, o PSD obteria a sua primeira maioria absoluta: “paz, pão, povo e liberdade; todos sempre unidos no caminho da verdade” foi a enganadora expressão musical da hegemonia neoliberal em construção.
Só seria derrotado dez anos depois, graças a Jorge Sampaio e ao desgaste de tantos anos no poder, com traços autoritários crescentes. Foi a sua única derrota eleitoral, na primeira tentativa para chegar à Presidência da República. À segunda tentativa, teríamos mais dez anos de Cavaco Silva.
Deixou como legado uma economia política medíocre, mas ainda hoje por superar: da abertura do mais intenso ciclo de privatizações na Europa Ocidental, que reduziu o setor empresarial do Estado a quase nada, destruindo empresas estratégicas no processo (Cimpor, PT...), à liberalização financeira, geradora de instabilidade, culminando na adesão ao Sistema Monetário Europeu, antecâmera do rígido euro.
As “reformas da década”, título de um livro que publicou em 1995, são todo um programa de iniciativas liberais concretizadas, onde não podia faltar o aumento explícito da liberdade patronal e, correlativamente, a diminuição da liberdade laboral, a atenuação do que designou então por “proteccionismo exacerbado em prol do trabalhador por conta de outrem”. O aumento das desigualdades tem sempre origem na redistribuição regressiva das liberdades nos espaços onde se trabalha e, logo, onde se cria valor.
O resto da crónica pode ser lido no setenta e quatro.
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