segunda-feira, 16 de abril de 2018

A sombra de Schäuble


À boa maneira como são decididas as coisas que importam na Europa, Angela Merkel e Emmanuel Macron anunciaram há poucas semanas a intenção de apresentarem até junho um novo roteiro para a reforma da zona Euro. Pouco se sabe de concreto sobre em que consistirá, mas conhecemos as inclinações destes dois protagonistas. Do lado de Macron, temos a visão de um grande salto em frente federalista, incluindo um ministro das finanças europeu, um orçamento comunitário significativamente reforçado e harmonização crescente entre estados-membros em matéria fiscal e de protecção social. Já a posição alemã é bastante menos grandiosa e sobretudo mais avessa a tudo o que envolva transferências orçamentais significativas ou mutualização do risco entre estados-membros, enfatizando pelo contrário o reforço dos mecanismos punitivos e de controlo.

Uma vez que no fim de contas é mesmo a Alemanha quem manda mais, parece provável que o roteiro não se afaste muito da visão delineada por Wolfgang Schäuble no chamado non-paper com que se despediu do eurogrupo em finais de 2017. A linha programática aí definida incluía a transformação do Mecanismo de Estabilidade Europeu num Fundo Monetário Europeu com poderes reforçados de supervisão e controlo; a rejeição explícita de quaisquer mecanismos de estabilização macroeconómica à escala da zona Euro, de passos no sentido da mutualização da dívida ou de um mecanismo europeu de garantia dos depósitos bancários; e, o mais preocupante de tudo, uma nova articulação condicional entre fundos estruturais, reformas estruturais e supervisão das políticas orçamentais nacionais, no sentido de condicionar o acesso aos primeiros a uma mais estrita obediência aos ditames do eixo Bruxelas-Berlim.

Se é provável que a visão de Schäuble continue a ser preponderante meses após a sua partida, é porque não é apenas de Schäuble, mas da generalidade das elites dirigentes alemãs. Continuar-se-á sem corrigir as disfuncionalidades do Euro, mas dar-se-á mais alguns passos no sentido do aprofundamento do controlo pós-democrático e do desmantelamento do que resta de solidariedade na Europa. Para um país como Portugal, e em tempos de redução pós-Brexit do orçamento comunitário, isso pode implicar o risco de uma escolha forçada entre abdicar de boa parte dos fundos estruturais e abdicar da margem de autonomia restante em domínios como a política orçamental ou a legislação laboral. Se parece assustador, é porque é mesmo.

(publicado originalmente no Expresso de 14/04/2018)

6 comentários:

Jose disse...

«as disfuncionalidades do Euro» - entenda-se como as limitações a que os governos, em vez de promoverem a capitalização das empresas (em geral) e o aumento da produtividade (dos serviços públicos em particular), manobrem taxas câmbios.
«articulação condicional entre fundos estruturais, reformas estruturais e supervisão das políticas orçamentais nacionais» - como o nome indica, os fundos dirigem-se a sustentar políticas estruturantes e não manobras de treteiros para ganhar eleições e acomodar clientelas.
«parece assustador» - nem por isso; mais assustadoras são as políticas geringonças com suas carreiras para medíocres, acesso à função pública de ‘calçadeira’ (precários) e mamas públicas variadas.

Anónimo disse...

Como alguém já disse neste blog, a escolha de Centeno teve o dedo de Schäuble e foi tudo menos inocente

Anónimo disse...

Límpido e claro.

É mesmo assustador

Geringonço disse...

Tanto a visão de Macron (Ultra-Europa) como a visão de Merkel/ Schauble (Carrasco-Europa) são visões regressivas e totalitárias.

Uma porque quer os Estado Unidos da Europa (para servir as oligarquias dominantes do continente) sem que haja votante dos povos para os criar.

A outra é a típica visão alemã assente numa alegada superioridade de uns em relação aos outros e o direito dos puros punirem os piegas pecadores...

Anónimo disse...

A sombra de Schauble já é muito comprida. Já vem do tempo em que liderou o desmantelamento de todo o aparelho industrial da antiga DDR.
A costela direitolas do Sr Schauble levou-o a uma politica de terra queimada a que muito boa gente chama "ANSCHLUSS" (ANEXAÇÂO).

Para mais detalhes consultar o livro de Vladimiro Giaché, um amigo de Bagnai, com o mesmo nome, ANSCHLUSS.

Mas o que importa reter foi a forma como Schauble assumiu que era necessário arrasar tudo para depois reconstruir como bom liquidacionista ordoliberal com uma componente de vingança ideológica.

Não é pois de admirar o tratamento dispensado ao povo grego que além de não ser alemão se ousava rebelar contra a ordem ordoliberal dos mega-loan-sharks da EU.

Rewind para o presente e temos a Sra Merkel preocupada com os landers de leste:

https://www.reuters.com/article/us-germany-politics/merkel-looks-at-ways-to-tackle-germanys-east-west-disparities-idUSKBN1HM0F4

Ora, porque será que depois de tantos anos em que a sombra sinistra de Schauble pairou sobre os landers de leste, a CDU "descobriu" que tem que fazer alguma coisa?
Consultem-se os resultados das últimas eleições e a razão aparece clara e cristalina como água de nascente.
Estes ordoliberais são mesmo uma praga!
S.T.

Anónimo disse...

Perante um post civilizado aqui no LdB, aí um tipo em cima volta a repisar os seus chavões: treteiros, mais clientelas, mais medíocres, mais calçadeiras, mais mamas públicas.

Aperceber-se-á o referido sujeito que mais não faz do que discorrer sobre o seu próprio eu?

Com a raiva própria de quem vê as suas próprias guinadas ideológicas assim tão frontalmente denunciadas?