quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Não à privatização forçada da banca

Desde 2011, o Estado português foi forçado a intervir em quatro bancos, três privados - BCP, BPI e Banif – e um público, a Caixa Geral de Depósitos, e a resolver dois – BES e Banif. Depois de anos de distribuição de milhares de milhões de euros de dividendos aos accionistas privados, eis que o Estado é transformado em accionista de último recurso. Apesar de todas as vicissitudes dos últimos anos, que envolveram perdas de milhares de milhões de euros para o Estado, este processo ainda se encontra longe de estar resolvido. E 2016 promete ser um ano determinante para a banca portuguesa.

Na ausência de capital privado, e enquanto os bancos punham em prática planos de reestruturação que assegurassem a sustentabilidade da sua actividade, foi o Estado a garantir os níveis mínimos de capital exigidos pela regulação. Apesar de todas as diferenças*, a intervenção pública seguiu sempre a mesma lógica: a “ajuda de Estado” seria excepcional e temporária, não alterando a natureza essencialmente privada do sector financeiro. Uma vez ultrapassados os “tempos difíceis”, tudo voltaria ao normal: uma banca essencialmente privada e dependente apenas dos seus próprios recursos para funcionar.

Três anos depois de iniciado este processo, verificamos que nenhum banco foi capaz de reembolsar o Estado através de recursos gerados pela sua própria actividade. BPI e BCP não se tornaram subitamente rentáveis, limitaram-se a fazer aumentos de capital com o objectivo único de reembolsar o Estado.A Caixa, como tem o próprio Estado como único accionista, ainda não reembolsou nada, e só poderia fazer o que fizeram o BCP e o BPI se fosse privatizada, permitindo a entrada de capital privado, ou se os Cocos fossem convertidos em capital. O Banif não arranjou accionista privado que reembolsasse o dinheiro que o Estado lá havia injectado e teve de ser resolvido e posteriormente vendido ao Santander, implicando perdas superiores a 2000 milhões de euros para os contribuintes.E o BES — que dispensou a ajuda pública inicial, sendo apresentado como um modelo de virtudes da gestão e propriedade privadas — teve de ser resolvido, o que implicou uma ajuda pública de 4900 milhões de euros. Os custos de litigância ainda não são conhecidos, mas devem ser avultados e serão imputados ao fundo de resolução, isto é, ao Estado.

Fruto da intervenção decidida no final de 2012, o Banif tornou-se num banco público. Ao decidir intervir num banco que as autoridades europeias (sabemos agora) consideravam inviável, o Governo anterior comprometeu, de forma irresponsável, o património do Estado e dos contribuintes. Ao nada fazer durante três anos, o Governo anterior agravou ainda mais o problema, porque o enquadramento regulatório foi-se tornando mais restritivo com a passagem do tempo, estreitando as opções existentes. No final, restavam apenas a liquidação do Banif, que era ruinosa para o Estado, ou a sua resolução e posterior venda, que também era ruinosa, mas menos que o cenário de liquidação.

Se o Governo anterior deve ser responsabilizado pela gestão dos últimos três anos, a Direcção-Geral da Concorrência também não pode escapar às criticas. Em primeiro lugar, pela sua conivência com o Governo anterior, o que permitiu ocultar o problema até às eleições. Em segundo lugar, pela solução que acabou por impor, que, mais do que implicar perdas excessivas para o Estado, implicou ganhos excessivos e injustificados para o Santander, que recebeu um banco limpo de todos os seus problemas a preço de saldo.

Se as regras europeias em matéria de ajuda de Estado determinam que o Estado tem obrigatoriamente de abrir mão do banco que foi obrigado a resgatar, então essas regras têm forçosamente de ser revistas, porque não faz sentido considerar a intervenção do Estado necessária em termos de estabilidade sistémica e, depois de assumidas todas as perdas pelos contribuintes e pelo Estado, também necessário que os bancos intervencionados ou sejam liquidados ou vendidos a privados. O simples facto disto decorrer das regras constitui um subsídio inaceitável a accionistas privados de bancos, que ficariam a saber que o Estado não só tem de intervir, porque os custos de falência do sistema são incomportáveis, como também tem de vender, seja a que preço for. Sabendo que os Estados só podem escolher entra a falência de um banco e a sua privatização forçada, não há negócio de venda que possa ser rentável para o Estado: os accionistas privados sabem que enfrentarão sempre saldos significativos na compra.

Não há nenhuma justificação para que estes processos decorram desta forma. Os Estados deviam ter a opção de ficar com bancos nos quais detêm ou passam a deter a maioria do capital. Devia ter sido assim no Banif. Deve ser assim no Novo Banco. E tem de ser assim na Caixa.

No Banif devia ter existido a opção de integrar o banco na Caixa, porque a venda forçada ao Santander beneficia apenas o banco espanhol. No Novo Banco, depois de uma injecção de capital de 4900 milhões de euros e de necessidades adicionais de capital superiores a 1500 milhões de euros, o Estado deve vender se quiser, ou se for rentável fazê-lo, nunca podendo existir uma obrigação de venda forçada que desvaloriza o banco e lesa os contribuintes, em benefício dos privados.

O Estado não pode ser forçado a desempenhar um papel de garante sistémico de negócios privados. Se o Estado intervém em nome do interesse público, então deve ser o interesse público, e não uma ideia dogmática de economia privada e de concorrência, a presidir a todo o processo. Não se trata de defender a nacionalização da banca, mas apenas de combater a sua privatização forçada. Depois de uma crise financeira criada essencialmente por privados, parece-me uma ideia do mais elementar bom senso.

* De todos os bancos que receberam capital público, o Banif foi um caso singular, porque foi o único que recebeu injecções directas de capital público; todos os outros foram recapitalizados via obrigações convertíveis, os chamados Cocos. Isto só reforça a tese de que a intervenção decidida no final de 2012 devia ter sido de outra natureza.

10 comentários:

Aleixo disse...

Porque será, que

a "reivindicada Europa democrata", tem os reivindicadores

- supostos "representantes do povo" -

a DECIDIR CONTRA OS INTERESSES DO POVO???!!!

Anónimo disse...

Estamos fartos das lágrimas de crocodilo vertidas pelo PS e das suas esfarrapadas desculpas com as falsas alternativas de liquidar Banif ou vendê-lo por tuta e meia ao Santander.

As “imposições”, de todo explicitadas e muito mal explicadas, de um eventual veto da Direção-Geral da Concorrência são, na verdade, claudicações do PS, que podia exatamente ter invertido o argumento e mostrar, com toda a justeza e sem risco de ser desmentido, que a solução por si favorecida é que falseia grosseiramente a livre concorrência comunitária, ao promover e reforçar despudoradamente a concentração bancária de um grande grupo financeiro privado europeu (o Santander), ainda para mais subsidiando-o – pelas injeções financeiras efetuadas (que inicialmente, recorde-se, se destinavam a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro, como admitido nos tratados), pelos avales concedidos, pela venda a preço ridículo e pela subavaliação de ativos – com montantes que podem chegar perto dos quatro mil milhões de euros.

Uma pergunta direta ao Galamba: quando, com o mesmo tipo de argumentos, a Direção-Geral da Concorrência, a Comissão Europeia ou qualquer outra instância comunitária, insinuar ou vier anunciar que a Caixa Geral de Depósitos, banco público e maior banco nacional, desvirtua a concorrência, o PS também vai privatizá-la?

O governo anterior tem muitas responsabilidades na situação atual do Banif. Mas o PS tem, além da parceria com a direita na aprovação dos tratados e da legislação comunitária agora (muito mal) pretextada, a grande responsabilidade de lhe dar o desfecho que a direita laboriosamente construiu e que desejava, procedendo exatamente como o PSD faria.

Estruturalmente, PS, PSD e CDS defendem o mesmo e dificilmente se distinguem. É por isso que as muito insuficientes medidas de estímulo ao consumo e da procura interna – note-se o contraste entre a subsidiação sem limites da banca, neste caso do Banif, ou melhor do Santander, e o regateio miserável com o aumento do salário mínimo – não levarão o país para lado nenhum, ao contrário das ilusões e das intenções de algumas boas almas socialistas.

Porque esbarram nas paredes de betão dos constrangimentos comunitários e se diluem vergonhosamente quando têm que enfrentar os interesses dos grandes monopólios europeus.

Paulo Marques disse...

E radicais são os que querem estar fora do euro e destes esquemas... com muito orgulho.

Anónimo disse...

É muito conveniente começar a partir de 2011. E por que não a partir do grande escândalo do BPN, nacionalizado por iniciativa do governo PS em 2008 e que comprovadamente já custou ao Estado 4,5 mil milhões de euros, podendo chegar perto dos 8 mil milhões?

PS, PSD e CDS nisso são iguais. Especializaram-se em socializar os prejuízos e em privatizar os lucros da banca.

Anónimo disse...

Os bancos raramente ou nunca foram criados por trabalhadores…A banca e´ pertença da classe dominante…Outro tanto, o PS faz o seu papel de atenuador da indignação popular!
Admira, portanto, que partidos “revolucionários”
favoreçam o europeísmo do PS. E tanto blasfemaram contra o Syriza..?!
Ao ouvir ontem Teixeira dos Santos do PEC-4 e Braga de Macedo do OASIS, ambos ministros de governos “Socialistas” corresponsáveis pelos crimes económicos perpetrados ao País, fiquei com a impressão de que o pior esta´ ainda para vir…?
O pior e´ que para além de serem europeístas, são, como manda a Tradição Ocidental, Atlantistas ferverosos.
Com as vicissitudes da vida aprendi a ser cauteloso, só que não pensei chegar a tanta promiscuidade…
Bancos em Terra, submarinos no Mar e universidades no Ar. E´ fartar vilanagem..! de Adelino Silva

Anónimo disse...

Das duas uma: ou alguns dos comentadores anteriores são pagos pela São Cateano à Lapa ou julgam que somos todos parvos. Essa de tentar diminuir as responsabilidades do PSD e PP dizendo que são iguais ao PS é chão que já deu uvas. Os Pafiosos são uma cambada de corruptos e vendidos, que enquanto falavam em cofres cheios (num país com gente a morrer de fome) deixavam o Banif zombie e pronto a rebentar. Tudo, claro, por causa das eleições com as quais um certo primeiro-ministro aldrabão disse não se preocupar. Aos comentadores que julgam que somos parvos só lhes digo: vão pentear macacos.

Jose disse...

«Depois de uma crise financeira criada essencialmente por privados» …excepção feita à originalidade lusitana onde a banca se especializou em dívida pública de todo o tipo e em penhorar casas e financiar consumo, actividades bombadas pelo Estado em subsidiação de juros e tudo mais que cumprisse os desígnios da ‘enorme sensibilidade social’ que atormenta os seus dirigentes.
E quanto ao benefício de privados, o saque orquestrado no BES e no BANIF dá a medida exacta de quanto um país, sem regulação e leis responsabilizadoras da gestão suspensas, cuida do que é privado.
Em tudo mais sobra para o post o relevo da incoerência argumentativa que só torna claro que quem procalmava ir fazer frente à Europa se limitou a obedecer a uma qualquer Comissão.
Junte-se o rol imenso de fracassos governativos – da burocracia à justiça – para que fique claro que o mais eficiente serviço do Estado aos privados tem por essencial motivação taxá-los.

Anónimo disse...

Outro a falar nas imposições da Comissão Europeia. Francisco Louçã, termina o seu post de hoje no Público online, com a pergunta mistificatória e capituladora (bem consentânea com as vacilações do Bloco de Esquerda):

«Não foi isso mesmo que a Comissão Europeia nos lembrou agora em Portugal quando impôs que o Banif fosse entregue ao Santander?»

A Comissão Europeia não impôs nada e teria que suar muito, neste caso, antes de conseguir impor o que quer que fosse. O PS é que se rendeu de imediato, sem opor a mínima resistência.

Falam muito em defender o interesse público, o interesse nacional, mas quando as coisas são a sério, nem é preciso a ameaça, basta a sugestão ou o rumor da ameaça, ou tão só da possibilidade da ameaça, para mandarem o tal interesse público, o interesse nacional, as contas públicas, até a própria contenção do défice orçamental e a saída do procedimento dos défices excessivos, tudo o que possa obstaculizar a acumulação do grande capital financeiro privado europeu, às urtigas.

E atenção que isto foi apenas o ensaio para o BES/Novo Banco.

Para onde nos leva o PS? Quando as coisas começam a doer, curva logo a espinha. Assim, meus amigos, não vamos mesmo a lado nenhum.

augusto Dias disse...

Uma coisa que não é explicada às pessoas que têm de entrar com a massa para estes senhores, e me parece fundamental, não só para mim como para António Horta Osório que em entrevista realçou a importância fundamental de explicarem como é que o banco chegou à situação de descalabro que chegou. Como foi possível! Até hoje ninguém se preocupou, acidental ou deliberadamente, contar a história do porquê.
Ainda não há muito tempo os bancos apresentavam resultados positivos astronómicos, subitamente entram em prejuízos irracionais.
Enquanto não explicarem como foi possível os bancos chegarem a situação de falência, nenhum governo merece a nossa confiança.

Anónimo disse...

Eu diria que nenhum governo, nenhum parlamento nem nenhum presidente da república ou candidato a, nos merecera o voto
Será possível esta gente que e´ paga a peso de ouro fazer de conta ou assobiar para o lado…?
Pelas palavras dos do “Arco da governança” anterior, Nos não vivíamos num Oasis mas sim num Paraíso Terreal.
Sem apresentar contas, estas estavam sempre certas.
Tirando os deputados comunistas que iam debitando alguma desconfiança as instituições bancarias e seus
Reguladores, o resto aprontava-se para ganhar lugares de diretor bem remunerados em qualquer empresa do ramo ou controlada por ele. Vamos ter um ano tramado la isso vamos. De Adelino Silva