segunda-feira, 13 de abril de 2015

Em matéria de «ir ao pote», o «ajustamento» foi mesmo um sucesso


«Fez no dia 6 de abril quatro anos que Portugal pediu ajuda internacional. É mais do que tempo de fazer o balanço dos erros, mentiras e traições deste período e desconstruir o discurso que os vencedores têm produzido sobre o que se passou. (...) Hoje, pegando nas projeções para a economia portuguesa contidas no MoU [Memorando de Entendimento], é espantoso constatar a disparidade com o que aconteceu. Em vez de um ano de austeridade tivemos três. Em vez de uma recessão não superior a 4%, tivemos quase 8%. Em vez de um ajustamento em 2/3 pelo lado da despesa e 1/3 pelo lado da receita, tivemos exatamente o contrário: uma austeridade de 23 mil milhões reduziu o défice orçamental em apenas 9 mil milhões. Em vez de um desemprego na casa dos 13%, ultrapassámos os 17%. Em vez de uma emigração que não estava prevista, vimos sair do país mais de 300 mil pessoas. E em vez da recuperação ser forte e assente nas exportações e no investimento, ela está a ser lenta e anémica, assentando nas exportações e no consumo interno. A única coisa que não falhou foi o regresso da República aos mercados. Mas tal seria possível sem as palavras do governador do BCE, Mario Draghi, no verão de 2013, ou sem o programa de compra de dívida pública dos países da zona euro? Alguém acredita que teríamos as atuais taxas de juro se não fosse isso, quando as agências de rating mantêm em lixo a nossa dívida pública? Só mesmo quem crê em contos de crianças.»

Nicolau Santos, Anatomia e dissecação de um colossal falhanço

«Nada como um momento de alguma incontinência verbal para a verdade vir ao de cima. Num "Fórum" da TSF desta semana, o secretário de Estado da Saúde, Leal da Costa, foi de uma clareza ímpar. Confrontado com dados do INE que confirmam que, na última década, há menos camas de internamento na rede de hospitais públicos e mais nas unidades privadas, enquanto diminuíram também os serviços de urgência, o governante foi claro. Admitiu existir de facto uma transferência para os hospitais privados, mas, esclareceu, parte dessas transferências é suportada por recursos públicos, o que mostra que não há um alívio das contas públicas na saúde (sic). Fica assim mais uma vez demonstrado que, para onde quer que olhemos, a famigerada reforma do Estado reduz-se sempre, em última análise, à contratualização de serviços públicos, assegurando privilégios a negócios privados, construindo, assim, um verdadeiro Estado paralelo. Não se diga, portanto, que o Governo falhou. Naquilo que era a sua verdadeira intenção, a coligação concretizou os seus verdadeiros intentos. (...) Como bem tem explicado o economista norte-americano James Galbraith, a direita há muito abandonou a crença nos mercados livres como instrumento racional. Em "O Estado Predador", Galbraith defende que, hoje, para a direita o laissez-faire é apenas um mito, ainda que útil na medida em que tem um efeito de ilusão, e que o que temos hoje é um Estado predador, ou seja, uma coligação de opositores à ideia de interesse público e que tem como propósito final reconfigurar as políticas publicas, de forma a que estas sejam um instrumento de financiamento de negócios privados. Quando ouvirem falar em sucesso da estratégia de ajustamento, não se iludam. Estão mesmo a falar verdade.»

Pedro Adão e Silva, O Estado predador

Excertos de dois textos de leitura imprescindível, do princípio ao fim, no Expresso de sábado passado. Duas excelentes sínteses sobre o verdadeiro programa de governo da maioria PSD/PP, levado a cabo ao longo dos últimos quatro anos, e que as histórias para crianças sobre a «inevitabilidade e benefícios do ajustamento», a sobre a necessidade de «cortar nas gorduras sociais do Estado» ajudaram a ocultar. Os resultados estão à vista: uma economia desfeita e uma sub-reptícia transferência de recursos públicos para negócios privados, sobretudo nas áreas sociais (mas não só). Tudo alinhado para uma reconfiguração profunda do país, que regrediu entretanto décadas. Nas legislativas que se aproximam, coloca-se aos eleitores uma pergunta muito simples: é mesmo este o modelo de organização económica, social e política que desejam consolidar e aprofundar no futuro? É mesmo num país assim que querem, definitivamente, viver?

7 comentários:

R.B. NorTør disse...

Já havia exprimido em comentários anteriores aqui este facto indesmentível sobre o sucesso do programa de ajustamento. Foi um sucesso e esse facto deveria ser sublinhado todos os dias, não vá alguém desculpar-se com "incompetência" ou "condições adversas".

Anónimo disse...

Bem, há quatro anos também já havia quem tivesse obrigação de ver mais longe e perceber que a seguir ao chumbo do PEC IV não se podia seguir coisa boa, e no entanto a esquerdca pura e verdadeira não se inibiu de estender à direita a passadeira para chegarmos ao ponto que agora se queixam....enfim !

MRocha

Anónimo disse...

E que dizem quanto a esse país, Nicolau Santos e Adão e Silva? Vão lutar pela revogação patriótica das políticas sociaopatas, ou vão dizer que a UE é inevitável?

Quanto a MRocha, faz o discurso fascista dos que acham que PCP e BE não têm direito a defender um país diferente daquele neo-liberal manso que o PS defendem. Já agora, gostava de saber o que achou quando Guterres - ele sim - entregou o Governo à direita.

Anónimo disse...

VEM AÍ O TSU OUTRA VEZ


https://www.youtube.com/watch?v=p-Whzw-RA7M

R.B. NorTør disse...

O PCP e o BE, enquanto partidos com representação parlamentar, foram chamados a apresentarem junto de quem nos iria emprestar dinheiro a dar a sua opinião.

Podiam ter ido lá, diziam que discordavam dos senhores e cinco minutos depois saíam porta fora com base em posições irreconciliáveis (ou outro eufemismo do género). A opção foi a de simplesmente não aparecerem. Tivesse eu votado nos respectivos partidos e ter-me-ia sentido defraudado. O que fizeram foi de uma irresponsabilidade gritante.

Anónimo disse...

Sim, tivesse votado R.B. NorTor.

Mas não votou, mas apesar disso mesmo, tendo votado noutros quaisquer, acha-se com legitimidade para falar em nome dos eleitores desses partidos e decidir que sentimentos devem (na realidade é um podem)manifestar.

Eu, que votei num desses partidos, falo apenas em meu próprio nome, não falo em nome dos outros que escolheram comigo os mesmos partidos.

Mas garanto-lhe que acho que BE e PCP fizeram muito bem em não ter ido perder tempo a uma reunião que era de perda de tempo, pois sabiam bem da irreconciabilidade...

O negar participar em factos consumados é um gesto com valor político. E como isto ainda não é a pátrai dos carneiros, ainda pode haver liberdade para assumir posições políticas diferentes.

R.B. NorTør disse...

Claro que é um gesto com valor político, tal como uma ministra dizer que assume todas as responsabilidades políticas de uma trapalhada tem um valor, o que não é é consequente.

Muito mais valor político tinha tido, como eu disse, ir lá e sair cinco minutos depois. Só que nisto de valores também há o valor das palavras. Quando eu digo "se eu tivesse votado" não falo em nome do eleitorado desses partidos. Aliás o eleitorado desses partidos ficou muito satisfeito com essa postura, como os resultados eleitorais que se lhe seguiram mostraram!

Quer se reconheça quer não, parte da defesa de "um país diferente daquele neo-liberal manso que o PS defende[m]" passava por ir lá. Não por o resultado ser muito diferente, mas pelo acto político em si.