segunda-feira, 10 de março de 2014

Ainda as palavras que não valem nada

1. Despedir sem justa causa é ilegal mas não faz mal. A excelente crónica de Manuel Esteves permite sublinhar o seguinte: se há palavras que não valem nada são as destes governantes quando garantem que não estão apostados num modelo de baixos salários, já que todas, mas mesmo todas, as alterações nas regras do jogo no campo laboral não têm outro objectivo que não seja o de criar uma economia sem pressão salarial, uma economia com mais desigualdades salariais e precariedade e com uma parte do rendimento cada vez maior a ir para um capital cada vez menos produtivo.

2. O que une e separa a inglesa Virgin e a minhota Betweien. O oportuno artigo de Ana Cristina Pereira, que dá voz a José Soeiro e a Adriano Campos, à sociologia crítica enquanto economia política, permite sublinhar o seguinte: a direita repete a palavra “empreendedorismo” e evita a palavra “precariedade”, tendendo a esquerda a fazer o contrário. A esquerda tem mais respeito pela realidade e recusa utopias liberais que se traduzem em distopias para a maioria. Como aqui temos repetido, basta de empreendedores.

2 comentários:

Jose disse...

Para a cultura abrilesca o empreendedor é como que uma espécie de crisálida bemfaseja que logo que despe e arrisca a pele se metarmorfoseia num horrendo explorador que mais não pensa que em explorar e infernizar os seus assalariados.
Já o assalariado é por definição vítima, e se for um coirão logo se saberá que tem para isso um qualquer justificação sociológicamente bem estruturada que requer do empregador um sofisticado saber a instruir processos para atingir essa excepcionalidade que é a justa causa.
E porque o ideal cívico é configurado em direitos garantidos por um Estado tolerante e protector, ao empregador é atribuído um papel de substituição e sempre sob a tutela de uma justiça sempre paterna para as suas vitimas.
Herdeiro do paternalismo salazarento, o abrilesco acrescenta-lhe a exigência salarial, pois comete ao empresário a elevada capacidade, de bem seleccionar, bem motivar, bem formar e bem pagar, pois a bondade das sua vítimas é pressuposta e a sua exploração só é tolerada a quem possa fazer prova desse excepcional desempenho.
E vão-se os abrilescos a dormir confortados com seu mundo ideal…

Jaime Santos disse...

Peço desculpa pelo tamanho da citação, mas julgo que ela diz tudo o que é preciso saber sobre os empreendedores:

"Os empregadores de mão-de-obra representam a terceira categoria, a daqueles que vivem do lucro. É o capital investido em função do lucro que movimenta a maior parte do trabalho útil de cada sociedade. Os planos e projetos dos investidores de capital regulam e dirigem todas as operações mais importantes do trabalho, sendo que o lucro constitui o objetivo proposto e visado por todos esses planos e projetos. Entretanto, a taxa de lucro não aumenta com a prosperidade da sociedade e não diminui com o seu declínio — como acontece com a renda da terra e com os salários. Ao contrário, essa taxa de lucro é naturalmente baixa em países ricos e alta em países pobres, sendo a mais alta, invariavelmente, nos países que caminham mais rapidamente para a ruína. Por isso, o interesse dessa terceira categoria não tem a mesma vinculação com o interesse da sociedade como o das outras duas. Nessa categoria, os comerciantes e os donos de manufaturas são as duas classes de pessoas que comumente aplicam os maiores capitais, e que pela sua riqueza atraem a si a maior parcela da consideração pública. Uma vez que durante toda a sua vida estão engajados em planos e projetos, muitas vezes têm mais agudeza de entendimento do que a maioria dos senhores do campo. Já que, porém, suas ideias giram mais em torno do interesse de seu próprio ramo específico de negócios do que em torno do interesse específico da sociedade, seu julgamento mesmo quando emitido com a maior imparcialidade (o que não tem acontecido em todas as ocasiões) deve ser considerado muito mais dependente em relação ao primeiro daqueles dois objetos do que ao do último. Sua superioridade em relação aos senhores do campo não está tanto no conhecimento que têm do interesse público, mas antes no facto de conhecerem melhor seu interesse próprio do que os homens do campo conhecem o seu. É em razão deste melhor conhecimento que possuem de seus próprios interesses que muitas vezes têm feito imposições à generosidade do proprietário rural, persuadindo-o a abrir mão tanto de seu próprio interesse quanto do interesse do público, partindo de uma convicção muito simples mas muito legítima de que o interesse público é o deles e não o do proprietário de terras. Ora, o interesse dos negociantes, em qualquer ramo específico de comércio ou de manufatura, sempre difere sob algum aspeto do interesse público, e até se lhe opõe. O interesse dos empresários é sempre ampliar o mercado e limitar a concorrência. Ampliar o mercado muitas vezes pode ser benéfico para o interesse público, mas limitar a concorrência sempre contraria necessariamente ao interesse público, e só pode servir para possibilitar aos negociantes, pelo aumento de seus lucros acima do que seria natural, cobrar, em seu próprio benefício, uma taxa absurda dos demais concidadãos. A proposta de qualquer nova lei ou regulamento comercial que provenha de sua categoria sempre deve ser examinada com grande precaução e cautela, não devendo nunca ser adotada antes de ser longa e cuidadosamente estudada, não somente com a atenção mais escrupulosa, mas também com a maior desconfiança. É proposta que advém de uma categoria de pessoas cujo interesse jamais coincide exatamente com o do povo, as quais geralmente têm interesse em enganá-lo e mesmo oprimi-lo e que, consequentemente, têm em muitas oportunidades tanto iludido quanto oprimido esse povo."

Adam Smith, A RIQUEZA DAS NAÇÕES, Volume I, Capítulo 11, ver o original em: http://www.econlib.org/library/Smith/smWN5.html#B.I,%20Ch.11,%20Of%20the%20Rent%20of%20Land (I.11.264).

O Adam Smith, ao que parece, também estava imbuído do espírito de Abril. Haja paciência...