sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Economia Moral, a “moralização do capitalismo” e o “castigo dos culpados”


Desculpem o acesso de imodéstia, mas a verdade é que estes Ladrões foram dos poucos que falaram de Economia como Ciência Moral, de Economia Moral e de Moralidade Económica quando era estranho falar dessas coisas. Sabíamos que para os sisudos (e afinal tão levianos) economistas do interesse próprio isso parecia ser antiquado, não-científico, ridículo. E era por isso mesmo que insistíamos: para surpreender, para chocar, para convidar a reflectir.

Agora que o discurso da “moralização do capitalismo” e os apelos ao “castigo dos culpados” escorre em catadupas de fontes até há dias tão improváveis, é preciso dizer que esta ‘moralização’ de que se fala não é a que tínhamos em mente.

A moralização de que se fala é, no seu pior, a do auto-de-fé que serve para esconjurar a raiva (de resto compreensível), deixando tudo na mesma. É a do verdadeiro populismo que sonha com progroms em Wall Street para bloquear alternativas democráticas. Contra ela é preciso dizer (para chocar): a crise do subprime resulta da utilização de instrumentos financeiros que não só eram legais como eram recomendados por teoria financeira certificada e reproduzida nos ‘melhores’ departamentos de economia do mundo.

A moralização de que se fala, na sua forma menos maligna mas apesar de tudo letal, tem como objectivo legitimar a ‘auto-regulação’ e impedir mecanismos de controlo político democrático sobre instituições financeiras ditas privadas mas que afinal, como se vê, são, pela sua importância crucial, necessariamente públicas.

A Economia Moral de que sempre falamos não tem nada a ver com isto. Enquanto ciência é um saber que reconhece o inevitável (e desejável) fundamento normativo de todo o saber acerca da sociedade. Que apela à declaração pública dos valores (tanto quanto à observação do mundo) e ao debate público em torno do que realmente vale a pena procurar realizar colectivamente. Que acredita ser mais provável o acordo em torno do que verdadeiramente queremos do que o consenso acerca da dimensão das fatias do bolo que cabem a cada um. Que reconhece a complexidade das motivações humanas. Enquanto sistema sócio-económico é um mundo em que o dinheiro não condiciona o acesso a todos os bens, o ganho pessoal não é a única motivação legítima e a provisão mercantil a única forma possível de organizar as coisas.

O que está agora à vista de todos não é uma essência gananciosa da natureza humana. É antes a consequência de instituições sociais desenhadas no pressuposto de uma natureza humana puramente gananciosa. As instituições dos mercados financeiros são tais que só os agentes que se comportam como se fossem puramente gananciosos podem sobreviver. Nada sabemos dos dilemas morais dos vendedores de subprime. Sabemos apenas que alguém com demasiados escrúpulos não poderia ser vendedor dessa coisa, como de resto não poderia ser gestor de conta de um qualquer banco português e, levando a coisa ao extremo, teria de ser eremita ou sem abrigo. As instituições dão forma aos incentivos e, como sempre soubemos, os incentivos são poderosos. Podem mesmo obrigar-nos a fazer aquilo que realmente não queremos fazer.

Acender fogueiras em Wall Street ou mudar as instituições? Confiar na auto-regulação ou instituir regras que nos permitam viver dignamente, com a consciência em paz, mesmo quando ao serviço de uma instituição financeira? O que vos parece preferível?

19 comentários:

Anónimo disse...

Ha uma coisa que me parece, é que realmente o mundo não estava preparado, nem contava com esta ecatombe financeira/económica. Senão, e perante tamanha crise, já teria vindo alguem (em qualquer parte do mundo) a terreiro, apresentar o paradigma alternativo.

Só que

Até agora tem-se visto muitas criticas e e´certo que os liberais estão calados, mas paradigmas alternativos perante as condições ideais para surgirem, não se veem.

Podemos até admitir que esta-se agora a procurar uma solução,.. mas só agora??


Tem andado a esquerda durante estes anos todos a navegar À vista?

A esquerda infelizmente está a perder uma oportunidade de ouro para se impor deviso a tamanha crise.

Limita-se a detectar/estudar o problema, quando já devia estar a mostrar que tem ha muito uma visão ou uma alternativa exequivel para
aplicar no rumo da marcha civilizacional.


Antonio

L. Rodrigues disse...

"É antes a consequência de instituições sociais desenhadas no pressuposto de uma natureza humana puramente gananciosa."

E pior ainda, que esse comportamento era o único verdadeiramente moral, como é repetidamente defendido por um frequente comentador deste blog que me vou abster de nomear.

L. Rodrigues disse...

Respondendo ao Antonio, a direita pode facilmente recorrer aos 4 biliões de dólares investidos em centenas (?) de think-tanks nos ultimos 30 anos. (Creio que é esta quantia que George Lakoff menciona quando fala do assunto)

Nunca alguma coisa comparável a esse tipo de meios e esforço foi possivel fazer à esquerda...

Diria que as ideias existem mas foram excluídas do discurso público.

Manuel Rocha disse...

Está bem posto !

E importa talvez que se acrescente que os ingredientes que adquirimos para confeccionar a receita de progresso tal como o imaginamos, poderão não ser os ideais porque incompatíveis entre si.

Anónimo disse...

Agora a nova moda do PS é votar contra a uma determinada iniciativa e a seguir apresentar uma declaração de voto a dizer que está a favor.
Que VERGONHA!

Anónimo disse...

"Respondendo ao Antonio, a direita pode facilmente recorrer aos 4 biliões de dólares investidos em centenas (?) de think-tanks nos ultimos 30 anos. (Creio que é esta quantia que George Lakoff menciona quando fala do assunto)"

E que tal criar um think tank de esquerda em Portugal?

L. Rodrigues disse...

Stran,
Um think tank de esquerda, por si só não funciona.

Vejamos o modelo da direita: multiplas entidades que se apresentam como independentes, focadas em áreas especificas: politica externa, energia, economia, ambiente, educação, saúde. Forte presença nos media enquanto "peritos" insuspeitos... pressupõe também cumplicidade dos próprios media...

Não digo que seja impossivel, mas para responder com o mesmo vigor com que Thatcher, Reagan e Bush venderam os seus peixes, ou indo ao ponto de colocar os supostos opositores a defender as mesmas ideias (Blair, Sócrates...) é um grande trabalho de sapa.

Para responder a esta crise, vai ter que ser mesmo com o que há. Usando talvez a teoria do judo: usar a força do adversário para o mandar ao chão.

João Dias disse...

"O que está agora à vista de todos não é uma essência gananciosa da natureza humana. É antes a consequência de instituições sociais desenhadas no pressuposto de uma natureza humana puramente gananciosa."

Exactamente, agora para salvar o sistema os discursos apontam constante para perversões de acção focalizada. É preciso fingir que o sistema não é intrinsecamente ganancioso (relembre-se que Capitalismo pressupõe a concentração de capital, caso contrário, já não falamos de Capitalismo) e, para isso, até se atiram culpas moralizadoras para o ar, no entanto, continua a não deixar de ser engraçado que os "conspurcadores" não tenham punição. É óbvio que não terão, tratam-se de meros bodes expiatórios anónimos (alguém disse nomes?), porque o derradeiro objectivo é salvar este modelo e fingir que o problema reside numa corrupção do sistema e não numa corrupção sistémica.

Anónimo disse...

L. Rodrigues,

"Não digo que seja impossivel, mas para responder com o mesmo vigor com que Thatcher, Reagan e Bush venderam os seus peixes, ou indo ao ponto de colocar os supostos opositores a defender as mesmas ideias (Blair, Sócrates...) é um grande trabalho de sapa"

Não julgo que seja assim tão dificil, desde que haja vontade. Um dos problemas da esquerda é a falta de união entre as várias visões algo que a direita não tem (também não tem nenhuma visão).

Eu sei que é preciso muito trabalho de sapa, mas eu por exemplo não me importava de fazer esse trabalho e acredito que mais pessoas não se importariam. Também era necessário fundos algo que embora dificil também fosse possivel de encontrar.

E é importante para a esquerda ter e construir o seus think tanks. SE não "vendermos o nosso peixe", não passaremos de "engraçados utopicos" mas que a sociedade não confia para guiar.

Pessoalmente julgo que se for criado um think tank de esquerda ele terá larga margem de ter visibilidade e influência. Terá necessariamente de ter um modo de actuação diferente dos da direita mas julgo que os frutos que poderiamos colher no futuro seriam vitais.

"Para responder a esta crise, vai ter que ser mesmo com o que há. Usando talvez a teoria do judo: usar a força do adversário para o mandar ao chão."

Embora inteligente esta estratégia neste campo não recolherá muitos frutos. Como já se está a ver a direita é demasiado fléxivel e sem escrupulos e dessa forma adapta-se mais rapidamente a estes periodos, ver o caso de António Borges.

Se já tivesse sido criado um think tank de esquerda há 5 anos atrás ele teria capacidade de agir neste momento. No entanto como isso não existe não existe uma verdadeira alternativa à esquerda. Se reparares passamos mais tempo a analisar do que propriamente com acções de campo.

Bem gostaria de continuar esta discussão pois julgo bastante interessante. Espero que te interesse também e a outros.

Obrigado pela resposta!

Manuel Veiga disse...

as fogueiras purificam...

Anónimo disse...

«Um dos problemas da esquerda é a falta de união entre as várias visões»

Mais uma vez de acordo. No entanto para mim, e concretamente no que se passa nesta crise, o que acontece na fraca reacção da esquerda, na minha opinião, tem também bastante a ver com o facto de que todas as medidas que sejam para regular este capitalismo financeiro desenfreado, serão sempre medidas catalogadas como dentro do espectro SOCIAL DEMOCRATA. (dado que são medidas para reguladoras do capital).

Qualquer visão realmente SOCIALISTA, sente alguma dificuldade em apostar inequivocamente num reforço da regulação, que sendo preciosa não deixa de ser uma aposta dentro da vertente da Social Democracia.

Para qualquer elemento da (verdadeira) esquerda aceitar a necessidade de regulação no capital financeiro, será sempre uma medida mais do estilo Bernstein e menos de Marx. Portanto, uma aberração no socialismo.

Dai na minha opinião entender que a esquerda já percebeu que este é apenas um problema de ausencia de regulação.

Entao

Neste momento a esquerda limita-se a dizer: " vêem??... o modelo neoliberal traduziu-se numa grave crise!!!)

mas não podem apresentar soluções.

Se aprovam com vigor a regulção dos mercados estão a dar razao à Social Democracia.

Neste contexto, quer os P Comunistas quer os partidos SOCIALISTAS, não podem ir alem da reclamação das consequencias, mas têem de demitir-se das soluçoes.

Portanto penso que os Think thank's, já só querem mostrar que o neo liberalismo foi um erro.
Quanto à social democracia, essa é uma conversa de abate, bem mais dificil.

António

F. Penim Redondo disse...

Quando se toma consciência de casos como o das concessões à Liscont (da Mota/Engil/Jorge Coelho) somos levados a perguntar: faz algum sentido falar de "regulação do Estado" quando existem tantas promiscuidades ? faz sentido acreditar que o governo, este ou o próximo, quer e pode meter a especulação financeira na ordem ?

Quando ouvimos Cavaco dizer que é preciso continuar a garantir o crédito para as família e para as empresas não estaremos perante a contradição em todo o seu esplendor ?

Estamos endividados "até à raiz dos cabelos", vivemos acima das nossas possibilidades, e Cavaco acha que é preciso garantir que podemos continuar a endividar-nos. Porquê ?
É simples, a economia tal como a conhecemos não consegue funcionar, por insuficiência da procura, se nós não nos arruinarmos com empréstimos que não conseguimos pagar.

Anónimo disse...

Caro António,

Permita-me que discorde numa questão. Parece-me que no seu comentário colocou de fora da "esquerda" a social democracia, visão que não concordo. Sou social democrata e considero-me de esquerda. Julgo que o que distingue a direita da esquerda são os valores que cada lado defende e julgo que nesse aspecto a Social democracia e as outras vertentes do socialismo são identicos (existindo uma discussão no modo de atingir ou garantir esses valores).

E esta divisão, que pode criar barreiras dificeis de ultrapassar, pode no futuro ser fonte de progresso. Em todo o mundo esta divisão enfraqueceu a esquerda pois aparece sempre muito fragmentada, no entanto esta multiplicidade de estratégias deveria reforçar o modo de actuação que poderia ser mais flexivel do que as alternativas de direita e desta forma mais eficaz e eficiente.

"Se aprovam com vigor a regulção dos mercados estão a dar razao à Social Democracia.

Neste contexto, quer os P Comunistas quer os partidos SOCIALISTAS, não podem ir alem da reclamação das consequencias, mas têem de demitir-se das soluçoes.

Portanto penso que os Think thank's, já só querem mostrar que o neo liberalismo foi um erro.
Quanto à social democracia, essa é uma conversa de abate, bem mais dificil. "

Primeiro julgo que não deve existir nenhum problema de dar razão a um dos movimentos de esquerda se essa for a melhor solução. Depois ao demitirem-se das soluções não mais estão do que a demitir-se de participar na sociedade e de actuar no campo para que existem. Um movimento civico que se demita de fazer parte das soluções ou de proposta de soluções deixa nesse momento de ser um movimento, deixa de ter qualquer importância para a sociedade.

Quanto ao Think tank, essa actitude é tudo o que Think tank não deve de ser (pelo menos como imagino). Ele deve estar sempre à frente dos acontecimentos e deve servir de motor para a transformação que quer imprimir na sociedade.

Anónimo disse...

Caro F. Penim Redondo,

"...somos levados a perguntar: faz algum sentido falar de "regulação do Estado" quando existem tantas promiscuidades?"

Faz! Temos que ver que os Estado não é algo imutável e melhor é algo em que nos participamos. Podemos actualmente ter pouca confiança no mesmo, mas tal prende-se com a nossa demissão de participar na politica.

O Estado é aquilo que deixamos que ele seja.

"...faz sentido acreditar que o governo, este ou o próximo, quer e pode meter a especulação financeira na ordem?"

Este não sei mas o próximo (não o de 2009) podemos acreditar que pode querer e pode meter a especulação na ordem.

Julgo que vivemos "adormecidos" nesta altura e que ainda não reparamos nas grandes armas que a democracia nos dá. Temos muito mais poder do que pensamos e quando repararmos nisso então fará sentido acreditar que aquilo que desejamos para a sociedade poderá ser efectivado.

"Quando ouvimos Cavaco dizer que é preciso continuar a garantir o crédito para as família e para as empresas não estaremos perante a contradição em todo o seu esplendor ?"

Mas alguém ainda ouve o Cavaco?


"...a economia tal como a conhecemos não consegue funcionar, por insuficiência da procura, se nós não nos arruinarmos com empréstimos que não conseguimos pagar."

Julgo que mais preocupante é uma crise por insuficiência de oferta. Uma coisa é produzirmos a mais (trata-se apenas de eliminação de desperdicios e melhor alocação de meios de produção) outra é não existir no mercado bens que necessitamos. Mas esta é a opinião de quem não é economista...

Anónimo disse...

«Ele (Think thank)deve estar sempre à frente dos acontecimentos e deve servir de motor para a transformação que quer imprimir na sociedade.»

Concordo. Julgo existir neste momento um movimento com uma dinamica que procura congregar as varias esquerdas onde (eu) incluo tambem os sociais democratas (de gema). Esse movimento (em portugal) poderá no caso de ser bem sucedido, mudar o panorama politico portugues de governação dentro de 4 anos (nestas eleiçoes já será dificil. Mas é a tal questão ... conseguir o concenso das varias sensibilidades à esquerda não é nada facil, e um grupo think thanks era muito bem vindo, tal como por ex o que está no blogue Machina Speculatrix ou maquinaespeculativa.blogspot.com

António

Anónimo disse...

Caro António,

"e um grupo think thanks era muito bem vindo, tal como por ex o que está no blogue Machina Speculatrix ou maquinaespeculativa.blogspot.com"

Fiquei curioso, gostava de saber mais sobre este grupo.

Wyrm disse...

Existem muitas propostas alternativas ao actual funcionamento do mercado. Aliás, o mercado pode e deve continuar a funcionar, mas não desta maneira. Desde a taxa tobin, ao controlo mais apertadao de fluxo de capitais as ideias são imensas, mas o que se passa, de uma forma muito simplificada, é que é muito mais fácil tratar do bem destar de poucos do que do bem estar de todos.

A velha guarda pretende a manutenção do status quo, a promiscuidade entre o estado e o grande dinheiro e bloqueia qualquer tentativa de moralização.
Houvesse vergonha na cara e o financiamento de partidos politicos por empresas privadas já tinha acabado ha muito tempo.

E essa seria uma enorme machadada na mentira neoliberal...

Pedro Sá disse...

O marxismo e a Rerum Novarum afinal são tão parecidos...

Anónimo disse...

"Houvesse vergonha na cara e o financiamento de partidos politicos por empresas privadas já tinha acabado ha muito tempo."

Vergonha na cara e, principalmente, vontade dos cidadãos (a.k.a. povo)