sexta-feira, 31 de outubro de 2008

É a deflação...

A brutal quebra dos preços de um vasto leque de activos e de produtos aí está a gerar o perigo da deflação e dos seus encadeamentos perversos: dificuldade em pagar as dívidas acumuladas, contracção do crédito, quebra do investimento, falências, aumento do desemprego, novas quebras dos preços. As economias trancadas num ciclo vicioso. Só políticas públicas valem agora. Como indica John Muellbauer, da Universidade de Oxford, a ortodoxia dos bancos centrais na Europa e a ideia de que se pode se pode deixar falir, assim sem mais nem menos, um grande conglomerado financeiro (Lehman Brothers) estão a sair muito caras. As taxas de juro deviam ter sido cortadas há muito na Europa. As forças da deflação actuam à escala internacional. Um corte de dois pontos percentuais é a recomendação.

Tempos radicais exigem uma política monetária e uma política fiscal à altura. E muita regulação e coordenação internacionais. Este é o novo consenso emergente «lá fora»: Martin Wolf, em artigo no FT, não entende a discrepância na orientação da política monetária dos dois lados do Atlântico. Eu também não. É claro que podemos sempre experimentar repetir a Grande Depressão.

É por isso que vale a pena ler os «clássicos». Em 1933, Irving Fisher, um dos mais importantes economistas convencionais da altura, escreveu, no primeiro número da revista académica Econometrica, um artigo intitulado «The Debt-Deflation Theory of Great Depressions». É um texto límpido e muito bem escrito que identifica alguns dos mecanismos possíveis de interacção entre o sobrendividamento e a deflação: «Temos então o paradoxo que, atrevo-me a afirmar, é o maior segredo da maioria, senão de todas, as grandes depressões: Quanto mais os devedores pagam mais eles devem». Segundo Fisher, o fardo da dívida aumenta em termos reais à medida que os preços caem, entre outros factores, como resultado do próprio esforço dos devedores para se desfazerem apressadamente dos activos e produtos que detêm por forma a fazer face aos compromissos previamente assumidos. A insolvência generaliza-se. No longo prazo estamos mesmo todos mortos. No curto e no médio, e na ausência de políticas, estamos desempregados.

1 comentário:

Luís disse...

Bom, vir agora citar Irving Fisher, um neoclássico de gema, e um dos maiores pregadores da boa saúde da economia americana nas vésperas do crash de 1929 poderia parecer um puro non-sence, não fosse o desiderato declarado de mais uma vez ir desentarrar o profícuo J.M. Keynes e a sua procura agregada historicamente decadente!

Numa situação como a actual, escolher entre desinflação (leia-se, + inflação) ou deflação da dívida é como andar sobre o fio da navalha. Outra coisa qualquer é um salto para a morte.

Porque, enfim, pensar que se pode fixar arbitrariamente a taxa de juro da economia pela taxa de referência do BCE não passa de uma triste ilusão que nos foi legada pelo próprio neoliberalismo e a sua economia de dívida crescente, mobilidade e excedentes de capitais. Para se ver um dos aspectos do problema, consulte-se a crónica de ontem do Paul Krugman no NYT, e a constatação de uma situação da "armadilha de liquidez" na economia norte-americana.

Mas isso não é tudo, porque no estudo da economia convencional existe uma separação entre taxa de juro do m. monetário e tx. juro do mercado de capitais; e com sentido, porque só a primeira está directamente relacionado com a tx. referência do BC, enquanto a última depende da oferta mais alargada de poupanças no mercado de capitais. A responsabilidade de A.Greenspan pela situação actual é exactamente matizada por esses factores, pois o mesmo destacava há uns tempos, aquando do lançamento do seu livro de memórias, que a "taxa de juro do m. capitais estava a ser determinada exogenamente em relação à política monetária" em níveis historicamente baixos à volta dos 4% (li numa entrevista ao Público). Foram pois este dois mercados conjugados que acelararam a deriva do endividamento. O que quero dizer é q a taxa do BCE é um "índice entre índices" e está de longe de representar o custo efectivo do capital empenhado na economia.

Não há saídas fáceis para a dívida; mas o pior de tudo é querer ficar permanentemente agarrado a ela. ABAIXO A DÌVIDA, pim;

ABAIXO O DANTAS, pum!