quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Portugal é a “economia do ano” para quem?

Portugal é a “economia do ano”, segundo a The Economist. O anúncio feito pela revista britânica na semana passada deu origem a várias reações na imprensa nacional. Apesar do tom leve adotado pela revista na divulgação deste ranking, a classificação foi recebida com entusiasmo pelo governo. Na rede social X/Twitter, o primeiro-ministro Luís Montenegro destacou o “reconhecimento internacional excepcional de Portugal” e procurou associá-lo ao trabalho do governo, sublinhando a importância de “seguir o rumo que nos trouxe até aqui nos últimos meses”.

No entanto, nem todos parecem partilhar o otimismo. Os dados do Eurobarómetro realizado a meio do ano mostram que o custo de vida continuava a ser referido como a segunda principal preocupação das pessoas. Parece haver um desfasamento entre os indicadores elogiados internacionalmente e a experiência de muitos dos que vivem e trabalham no país. Como acontece frequentemente quando se discutem rankings internacionais, é preciso perceber o que está efetivamente a ser medido e que conclusões é que podemos retirar a partir dos indicadores usados.

O que (não) mede o ranking?

O ranking da The Economist baseia-se em cinco indicadores: a inflação subjacente (i.e. inflação excluindo preços da energia e dos alimentos), a amplitude da inflação (a percentagem de bens e serviços cujos preços subiram mais do que 2% ao longo do ano), o PIB, o emprego e o desempenho do mercado bolsista. A revista recolhe estes dados para cada país e combina-os num índice sintético que permite ordenar as economias de acordo com o seu desempenho agregado ao longo do ano.

A escolha das variáveis incluídas e o peso que se atribui a cada uma destas são discutíveis e envolvem uma grande dose de subjetividade. Além disso, o método utilizado para chegar ao resultado final não é especificado no artigo, o que torna difícil interpretar as conclusões. Isso torna-se claro quando olhamos para os dados de 2025. No caso do PIB, Portugal registou um crescimento de 2,4% no terceiro trimestre do ano, o que, apesar de significativo, é inferior ao de Espanha (2,8%), da Suécia (2,5%), da Chéquia (2,8%), da Polónia (3,8%) ou da Irlanda (mesmo usando uma métrica mais adequada para evitar as distorções do PIB neste país). Em relação ao desempenho das ações, o crescimento de 20,9% registado na economia portuguesa fica bastante aquém de muitos dos países apresentados, como se vê no gráfico.

 

O caso da inflação, em que Portugal se destaca com um dos menores desvios face aos 2% definidos como objetivo pelo Banco Central Europeu, merece alguma atenção. O indicador utilizado (inflação subjacente) exclui do cálculo os preços dos alimentos e da energia. O que isto significa é que pode ser usado para perceber como evoluem os preços de setores menos voláteis, mas tem pouca utilidade como indicador do custo de vida. Embora a taxa de inflação dos alimentos em Portugal esteja em linha com a média europeia, há um fator que nos distingue: a fatia da despesa total que os portugueses dedicam à alimentação está entre as mais elevadas da União Europeia, apenas superada por países do leste europeu, o que sugere que Portugal é dos países em que a subida dos preços dos alimentos tem um impacto maior na carteira das pessoas.

Isto junta-se a um outro problema, discutido nesta página ao longo dos últimos meses (aqui ou aqui), que se prende com as limitações do indicador da inflação no que diz respeito aos custos da habitação. O indicador da inflação, que é usado para medir o poder de compra das pessoas, subestima de forma significativa o impacto dos preços das casas, uma vez que não inclui a despesa das famílias com prestações de empréstimos e atribui um peso muito pequeno às despesas com rendas.

Como as prestações e as rendas têm subido a um ritmo bastante superior ao da média dos preços na economia (medida pela inflação), há uma parte importante do custo de vida de muitas pessoas que está a ser subestimada pelos indicadores. Neste aspeto, a economia portuguesa destaca-se claramente, mas pela negativa. Portugal foi o país da União Europeia em que o fosso entre os rendimentos e os preços da habitação mais aumentou ao longo da última década, o que significa que foi o país onde o acesso à habitação mais se degradou.

 
Fonte: Eurostat

Ao elogiar o crescimento da economia portuguesa, a The Economist sublinha que “o turismo disparou [e] muitos estrangeiros ricos estão a mudar-se para o país para aproveitar as suas baixas taxas de imposto”. Mas a expansão do turismo não tem apenas efeitos positivos sobre o emprego e o PIB. O relatório Housing in the European Union, publicado recentemente pela Comissão Europeia, indica que “Portugal é o país da UE onde o turismo teve maior impacto sobre os preços das casas”, destacando o impacto das procuras externas e, em particular, a expansão do alojamento local, que desvia um número crescente de casas do mercado de arrendamento para o da procura turística. O que é lido como sinal de sucesso por uns contribui para agravar o custo de vida para outros.

O sul da Europa é o novo norte?

Um dado relevante deste ranking é que, desde a pandemia, a distinção de economia do ano tem sido atribuída a países do sul da Europa. Depois da Grécia ter ficado no topo do ranking em 2022 e 2023, Espanha subiu ao primeiro lugar em 2024 (num ano em que o saldo orçamental fazia parte dos indicadores). Em 2025 é a vez de Portugal, o que é apresentado pela revista como “mais boas notícias para o sul da Europa”. No fundo do ranking, além de algumas economias do leste europeu, encontramos várias das economias do norte da Europa (Finlândia, Áustria, Noruega ou Suécia).

Desde a pandemia, Espanha tem sido repetidamente elogiada pelo desempenho da sua economia nos últimos anos. A economia espanhola tem crescido a um ritmo muito superior à média europeia desde a pandemia, partilhando alguns traços comuns com a portuguesa, como o crescimento robusto do emprego, o aumento da imigração e o dinamismo de setores como o alojamento, a restauração e a construção. Numa linha semelhante à The Economist, o Financial Times considera que Espanha é a “economia europeia que mais se destaca”.

Portugal também tem sido bastante elogiado nos meios internacionais: há dois anos, Paul Krugman, economista norte-americano e prémio Nobel da Economia em 2008, classificou a experiência portuguesa como “uma espécie de milagre económico” e dizia que é “um pouco misterioso como é que as coisas correram tão bem” a Portugal depois da última crise financeira; dois anos antes, Adam Tooze, historiador económico da Universidade de Columbia, já tinha afirmado que “Portugal era o modelo para manobrar de forma muito inteligente dentro do sistema da UE” e que “ninguém o fez como os portugueses”.

A recuperação do crescimento no sul da Europa traduz uma mudança significativa na tendência da Zona Euro. Desde a entrada em vigor do euro no início do século, o debate tem-se centrado na divisão entre as economias do norte e do sul da Europa. As economias do norte (Alemanha, Áustria, Bélgica, Finlândia e Países Baixos), com uma indústria mais robusta e de maior valor acrescentado, contrastava com a experiência dos países do sul (Itália, Espanha, Portugal e Grécia). Os primeiros anos do euro foram marcados por um desequilíbrio estrutural entre os dois blocos: os países do norte acumularam excedentes comerciais enquanto os países do sul, prejudicados por uma moeda sobrevalorizada, acumularam défices e viram a sua dívida externa subir de forma acentuada.

 
Fonte: AMECO (Comissão Europeia)

Após o início da crise financeira, as medidas de austeridade impostas aos países do sul comprimiram a sua procura interna e acentuaram a vaga de falências e o aumento do desemprego, o que acabou por agravar a recessão e traduzir-se numa década de estagnação. No entanto, desde a pandemia, a tendência inverteu-se: as economias do sul estão a superar as do norte em termos de crescimento e até há quem fale numa “vingança do Mediterrâneo”.

Esta inversão foi desencadeada pela crise energética. A invasão russa da Ucrânia fez com que os preços do petróleo e do gás disparassem na Europa. A Alemanha e os países de leste foram particularmente expostos a este choque. Além da proximidade à Rússia e da dependência do gás importado, as características das economias também influenciaram a vulnerabilidade a este choque. O elevado custo da energia veio agravar um cenário que já era adverso para a indústria europeia, ameaçada pela concorrência da China e pela emergência de tarifas. Isso significa que os países do norte e alguns do leste europeu, com uma estrutura produtiva mais assente em setores como o automóvel ou a indústria pesada e maior peso da indústria intensiva em energia, foram mais afetados pelo choque do que os países do sul, mais assentes em serviços.

 
Fonte: Eurostat. Nota: A linha “Itália, Espanha, Portugal e Grécia” representa o valor agregado das quatro economias

No entanto, as características do crescimento atual dos países do sul também apontam as suas fragilidades. As reformas estruturais do período da austeridade tinham como principal objetivo a desvalorização interna (i.e. redução dos custos do trabalho) como forma de promover as exportações. Essa é uma estratégia limitada: por um lado, nem todos os países podem ter excedentes comerciais ao mesmo tempo, pelo que o modelo da Alemanha antes da pandemia não é replicável por todos; por outro lado, a competitividade das exportações alemãs tinha mais a ver com a qualidade do que produzem do que com os preços, algo que nenhum país consegue replicar quando opta pela desvalorização interna em vez do investimento e da aposta na inovação. Sem surpresa, o crescimento das exportações dos países do sul esteve associado a bens menos sofisticados e de serviços de baixo valor acrescentado, como o turismo.

É certo que, na última década, Portugal registou um aumento do peso das exportações de bens de alta-tecnologia, que incluem equipamentos eletrónicos e de telecomunicações, produtos farmacêuticos e outros equipamentos com elevado conteúdo tecnológico: representavam 4,5% das exportações totais em 2015 e passaram para 7,4% em 2024. Observa-se uma tendência semelhante no caso dos serviços, que à primeira vista parece positiva. Contudo, se olharmos para a evolução da economia mundial, vemos que o peso das exportações de bens de alta-tecnologia aumentou consideravelmente na última década de uma forma generalizada. Se olharmos para os dados do Banco Mundial, as exportações de bens de alta-tecnologia a nível mundial representavam 20% do total em 2015 e subiram para valores próximos dos 23% em 2023; na União Europeia, passaram de 17% para 19% neste período.

A tendência de maior incorporação de tecnologia na indústria e nos serviços é comum à generalidade das economias. Isto não significa que não haja melhorias na economia portuguesa, mas sugere que estamos longe de ser um “milagre económico” neste período. Em sentido contrário, o que aumentou a um ritmo assinalável na economia portuguesa foi o peso do turismo. O turismo representava 15,7% das exportações em 2015 e, uma década depois, atingiu os 20,8% - ou seja, em 2024, foi responsável por um quinto das exportações totais do país.

O problema que se coloca é o de saber até que medida o desenvolvimento dos diferentes setores pode entrar em colisão. A expansão do turismo tem alimentado a subida acentuada dos preços das casas em Portugal, o que aumenta não apenas o custo de vida das pessoas, mas também os custos para os outros setores, que enfrentam rendas mais caras e maior dificuldade em atrair trabalhadores para as áreas onde os preços mais crescem. Na área metropolitana de Lisboa, a especialização em atividades turísticas ao longo da última década ocorreu em detrimento de setores mais inovadores: a indústria e os serviços de informação e comunicação perderam importância relativa e houve uma queda da produtividade por trabalhador, como conclui um estudo publicado pela Causa Pública.

Além disso, esta visão ignora a distribuição dos ganhos do crescimento. O modelo de crescimento dos países do sul da Europa gera impactos desiguais. A subida dos preços das casas beneficia essencialmente quem tem património acumulado e consegue extrair rendas: proprietários que detêm e exploram múltiplas casas (tanto para arrendamento, como para alojamento local), plataformas digitais e fundos de investimento. Pelo contrário, quem arrenda e quem vive em zonas mais pressionadas pela gentrificação é prejudicado pela subida das rendas e dos preços dos serviços, que representa um agravamento significativo do custo de vida.

A economia dos próximos anos

Não é surpreendente que a distinção de “economia do ano” tenha sido recebida com entusiasmo pelo governo, sobretudo tendo surgido a poucos dias da greve geral marcada pelos sindicatos. Apesar dos sinais de contestação, o governo parece confortável com a estratégia e o apoio explícito ou implícito de uma maioria dos deputados no parlamento. Sobre os planos para a economia dos próximos anos, o ministro da Economia e Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, explicou recentemente que o objetivo do governo passa por colocar Portugal entre os dez destinos turísticos mundiais mais procurados (atualmente, o país ocupa um honroso 12º lugar).

Embora não se possa resumir o tecido produtivo da economia portuguesa ao turismo, não deixa de ser verdade que a expansão do turismo e o desempenho dos serviços associados (como o alojamento e a restauração) são responsáveis por boa parte do crescimento dos últimos anos. O facto dos preços do turismo em Portugal terem subido bastante acima da média dos restantes países do mediterrâneo desde a pandemia indica que o setor pode ter dificuldade em manter o ritmo de crescimento.

Depois de uma fase em que o crescimento assentou no endividamento externo, a economia portuguesa passou a depender de atividades ligadas ao turismo e ao mercado imobiliário. Ambos estão fortemente dependentes da procura internacional e tornam a economia portuguesa vulnerável às suas oscilações, como a pandemia tornou claro. Além disso, este modelo gera impactos desiguais: beneficia principalmente quem acumula património que se transformou num mecanismo de extração de rendas, enquanto agrava o custo de vida para quem arrenda e para quem vive nas zonas mais afetadas pela gentrificação.

O problema de fundo está em confundir crescimento com desenvolvimento. A “economia do ano” não é igual para todos. Este tipo de rankings internacionais diz-nos muito pouco sobre a forma como o desempenho da economia se traduz nas condições de vida de quem vive e trabalha no país. É pouco útil falar em crescimento e criação de riqueza sem discutir a forma como esta é distribuída.

Para ler outros textos como este, pode também subscrever a newsletter Reverso da Moeda.

Haja conversas antifascistas

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

A saída de Alexandre


Peço desculpa às pessoas muito sérias, e algumas até se dizem de esquerda, mas Fernando Alexandre é um liberal até dizer chega e a conversa de ontem sobre residências universitárias e outros bens e serviços públicos revelou mesmo o viés de classe deste governante e deste governo, em linha com as suas propostas conhecidas de privatização, incluindo da segurança social. 

A política do antigo membro da direção do mais liberdade para explorar e expropriar para a ação social universitária não passa por favorecer o acesso mais universal e gratuito a um bem público, na lógica da boa economia política e moral, mas por criar uma lógica de subsidiação alargada ao capitalismo das residências estudantis, à boleia da lógica dita concorrencial entre público, que é pode e deve ser de todos, e privado, que é sempre só de alguns. 

No fundo, mais “saída” (exit) aparente de mercado para alguns e menos “voz” (voice) democrática para todos, usando os termos de Albert Hirschman: é o Estado-garantia, o Estado com lealdade só aos negócios.

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Ler Adam Smith


Haja simpatia com quem cria a riqueza da nação. Haja “poderes produtivos do trabalho”. 
Haja clássicos da economia política contra os liberais até dizer chega. 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

A prioridade do governo é clara: expandir a saúde privada


Na passada sexta-feira, o governo anunciou o lançamento de concursos, ainda este ano, para a abertura dos oito primeiros centros de saúde financiados pelo Estado e geridos pelo sector privado e social. Ontem, domingo, o Sindicato Independente dos Médicos (SIM) e a Federação Nacional dos Médicos (FNAM), denunciaram o atraso na abertura dos concursos para a contratação, pelo SNS, de médicos especialistas recém-formados, criando condições para «a sua fuga para os privados ou para o estrangeiro». As listas de avaliação final do internato médico foram homologadas a 12 de novembro, dando a lei 30 dias para ser aberto concurso. Chegou-se a 12 de dezembro e nada.

O empenho do governo em financiar e fortalecer a saúde privada contrasta com o desmazelo intencional com que gere o SNS, desprovendo-o gradualmente dos recursos humanos de que necessita, ao mesmo tempo que aplica garrotes financeiros (como no caso dos cortes na despesa, por exemplo, recentemente exigidos pelo Diretor Executivo do SNS aos administradores dos hospitais públicos), limitando a sua atividade. O projeto político da AD para o setor prossegue pois a sua marcha, com a canalização de um volume crescente de recursos para os privados, pondo em causa o direito universal a cuidados de saúde, que apenas o serviço público (SNS) pode garantir.

domingo, 14 de dezembro de 2025

Imprescindíveis


É o movimento sindical de classe a força mais organizada e dinamizadora da vasta frente social de resistência à política de direita.

Carina Castro, “Organização e espontaneísmo - alguns tópicos”, Vértice, Outubro-Novembro de 2013.

Graças à Greve Geral, as questões laborais irromperam num enviesado espaço público, donde costumam estar ausentes. Não há questões politicamente mais importantes numa sociedade de assalariamento generalizado. Afinal de contas, estamos a falar das condições de vida da maioria social, incluindo das suas liberdades. 

Como defendi numa intervenção na imprescindível emissão comunista da greve, estamos sempre a falar da distribuição de direitos e de deveres, ou seja, de liberdades. De facto, o sindicalismo de classe não promove apenas a igualdade, mas também a liberdade. E há falta de liberdade nos locais de trabalho. Só a ação coletiva liberta. 

Se depender do Governo, haverá cada vez mais direitos, cada vez mais liberdade, para as frações mais reacionárias do patronato, o que se traduz em cada vez mais discricionariedade. Esta é a consequência inevitável da redução dos direitos de quem cria tudo o que tem valor, da redução das suas liberdades. Globalmente, a liberdade diminui, dado que estamos a falar de transferências para a minoria. Esta tem mais poder, por sua vez, para transferir custos sociais para a maioria. 

Como defendi na apresentação do meu livro, em Setúbal, no dia a seguir à Greve Geral, o governo está agora socialmente isolado, apenas com os liberais até dizer chega ao seu lado. Os fascistas estão momentaneamente acossados, procurando disfarçar. Não haja ilusões sobre a natureza do seu projeto e de quem o criou e financia: capitalismo puro e duro, autoritário até à medula. 

Há aqui uma lição marxista para a esquerda brâmane, a que se desligou das relações sociais de produção, das classes trabalhadoras, em nome de “identidades”: o trabalho unifica politicamente como nenhuma outra dimensão da vida social e é condição necessária para um antifascismo consequente. 

Até Rui Tavares, a encarnação dessa esquerda, se deslocou a uma Zara, para falar à comunicação social à frente de um piquete. Como sempre, outros organizaram os, e participaram nos, piquetes. Nada é espontâneo, tudo tem de ser organizado pelos imprescindíveis. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Em direto com quem trabalha


Os comunistas portugueses decidiram organizar uma emissão em direto da greve geral: entrevistas, diretos a piquetes, etc. Não há igual. Começou ontem e acaba hoje. Tive o prazer de estar lá ontem, às 21h30m, a falar. Ricardo Paes Mamede estará lá hoje, pelas 16h. Haja iluminismo radical.
 

Um blogue que apoia a greve geral

 

Um jornal que apoia a greve geral


O enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores não afeta apenas a relação laboral e a vida pessoal. Afeta todo o funcionamento da sociedade, em particular quando ocorre, como é o caso, no quadro da degradação programada dos serviços públicos, algo já bem patente na saúde e na edução. E ainda vai no adro a procissão dos cortes nestes sectores para alimentar a viragem do «grande rearmamento europeu»… Já se sabe: tudo começa no trabalho, até a possibilidade de reduzir desigualdades socioeconómicas e criar sociedades que funcionem melhor. 

Num editorial neste jornal intitulado «Elogio dos sindicatos», escrito há mais de dez anos, em abril de 2015, Serge Halimi referia um estudo de economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) que admitiam que «“cerca de metade” do aprofundamento das desigualdades que os liberais tradicionalmente preferem atribuir a factores impessoais (globalização, tecnologias, etc.) decorreria do declínio das organizações dos trabalhadores». E acrescentava: «Quando o sindicalismo, ponto de apoio histórico da maior parte dos avanços emancipadores, se apaga, tudo se degrada, tudo se fragmenta. A sua anemia só pode agudizar o apetite dos detentores do capital. E a sua ausência só pode libertar um espaço que é de imediato invadido pela extrema-direita e pelo fundamentalismo religioso, dedicando-se ambos a dividir grupos sociais cujo interesse seria mostrarem-se solidários». É também esta possibilidade de gerar solidariedades para impor direitos e igualdade que a atual proposta laboral do governo da Aliança Democrática pretende atacar. É esse o significado de impedir a entrada dos sindicatos, sem autorização patronal, nas empresas onde não haja trabalhadores sindicalizados, ou de limitar o direito à greve pelo alargamento abusivo dos serviços mínimos. 

 A greve geral não se justifica apenas, portanto, para forçar a retirada pelo governo de propostas laborais que degradariam, e muito, a vida laboral dos trabalhadores. Justifica-se também pela urgência de defender instrumentos legais e sindicais que serão cruciais às lutas futuras. Construir uma frente de recusa popular mobilizada em torno da greve geral é criar ação coletiva onde ela pode ainda impedir as derivas austeritárias e autoritárias que se anunciam.

Sandra Monteiro, Greve Geral, Le Monde diplomatique - edição portuguesa, dezembro de 2025.
 

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Como ficar rico nesta economia?

“Como ficar rico depressa?” é uma das perguntas que surge mais vezes em capas de revistas, vídeos de YouTube e cursos de auto-ajuda. Invariavelmente, a promessa é que, com uma combinação de literacia e disciplina, qualquer pessoa pode acumular riqueza. Um artigo deste ano na revista britânica The Economist tinha o título: “Como Ficar Rico em 2025?”. No entanto, a resposta da revista é menos animadora: a melhor estratégia parece passar, cada vez mais, por nascer na família certa.

A revista chamou a este fenómeno a “nova herançocracia”: uma era em que as fortunas deixam de ser construídas através do trabalho e do esforço e voltam a ser transmitidas pela linhagem familiar. Nos EUA, no Reino Unido, na Alemanha, França ou Itália, o peso das heranças já ultrapassa novamente os 10% do PIB, aproximando-se de valores que não se viam desde o início do século XX. É importante perceber o que levou a este cenário e que implicações é que isso tem para a distribuição da riqueza.

 

Ficar rico é para todos?

A “nova herançocracia” surge por oposição à ideia de meritocracia que os economistas costumam associar à riqueza. Na versão dominante da economia, parte-se da ideia de que, num mercado competitivo, o rendimento é uma função da “produtividade marginal”. Traduzido do economês, isto significa que cada trabalhador ou empresa recebe um rendimento proporcional ao seu contributo para a produção. As diferenças de rendimento são, por isso, vistas como o reflexo do mérito individual. Por analogia, a distribuição da riqueza é frequentemente descrita na mesma linha: quem acumula mais património é quem poupou mais a partir do rendimento obtido e o investiu para obter retorno (dividendos, rendas ou juros). É-nos dito que quem produz mais, ganha mais, e que quem poupa e investe, acumula património.

Encontramos um bom resumo desta posição no artigo “Em defesa do 1 Por Cento”, publicado em 2013, no rescaldo da crise financeira, por Gregory Mankiw, professor de Economia em Harvard. Mankiw defendia que o facto dos rendimentos do 1% do topo terem crescido a um ritmo exponencial, ao contrário do resto da distribuição, se devia essencialmente ao valor criado pelos mais ricos e à sua capacidade de inovação. Para além de rejeitar que a desigualdade em si mesma seja um problema, Mankiw criticava medidas de redistribuição por “desincentivarem” quem mais contribui para o crescimento.

Com o peso crescente das heranças, tem-se tornado difícil associar a acumulação de riqueza ao mérito. A Forbes analisou a evolução das principais fortunas mundiais e concluiu que todos os bilionários com menos de 30 anos herdaram a sua fortuna. Ainda assim, Mankiw voltou à carga e publicou um segundo artigo, intitulado “Como a riqueza herdada ajuda a economia”. Neste, defendeu a justiça das heranças com base em três argumentos: o de que refletem o altruísmo, já que os pais querem proteger os filhos; o de que as famílias poupam para manter um certo nível de consumo no futuro; e o de que os descendentes dos mais ricos tendem, em média, a descer socialmente, justificando uma almofada patrimonial. Além disso, acrescentou-lhes a conhecida tese de “trickle down”: a acumulação de riqueza no topo acabaria por beneficiar todos, ao financiar investimento que iria aumentar a produtividade e permitir às empresas pagar melhores salários.

No entanto, este raciocínio tem dois grandes problemas. O primeiro problema prende-se com a ideia de que a desigualdade, em si mesma, não é um problema para a sociedade. Esta ideia ignora a dinâmica cumulativa da desigualdade: famílias mais ricas têm condições para investir na educação dos filhos e dar-lhes acesso a computadores, livros, explicações, melhor alimentação e melhores cuidados de saúde, ao passo que as crianças de famílias mais pobres partem com uma desvantagem significativa. As diferentes condições de partida afetam o resultado: nos países da OCDE, são necessárias, em média, 4,5 gerações para sair da pobreza (em Portugal, o número aumenta para 5).

O segundo problema é o pressuposto de que a concentração da riqueza gera benefícios para a economia. O peso crescente das heranças ocorre precisamente num contexto em que a maioria das economias tem registado níveis mais baixos de crescimento. Mais: os salários não acompanharam o crescimento da produtividade, traduzindo-se num aumento das desigualdades. A descida generalizada dos impostos sobre os mais ricos não promoveu o crescimento prometido e a acumulação de riqueza transmitida através de heranças não se tem traduzido em melhores condições de vida para todos.

A riqueza caiu do céu?

O aumento do peso das heranças só se compreende à luz de um fenómeno mais amplo: a financeirização da economia. Desde a década de 1980, grande parte da atividade económica passou a girar em torno da valorização de ativos financeiros, que substituiu o investimento produtivo e se tornou o principal motor do retorno. A desregulação da finança, aliada à expansão acelerada do crédito, fez disparar o preço desses ativos e abriu espaço a novas formas de extrair rendimento sem produzir riqueza real.

O ponto de viragem na década de 1980 esteve associado ao “choque de Volcker”. Como resposta à inflação elevada que se registava, Paul Volcker, presidente do banco central dos EUA, aumentou drasticamente as taxas de juro com o objetivo de provocar uma recessão e estancar as pressões inflacionistas. Os juros elevados deprimiram o investimento, provocaram uma onda de falências, aumentaram o desemprego e enfraqueceram os sindicatos. Abriu-se caminho a um regime onde o retorno do capital já não dependia tanto da produção e do trabalho, mas de ganhos financeiros.

Embora a bolha especulativa tenha rebentado com estrondo em 2007-08, empurrando a economia global para uma recessão profunda, a tendência de valorização dos ativos voltou no pós-crise. Isso explica-se pelas políticas que foram adotadas nos EUA e na Europa. Os bancos centrais adotaram um programa de compra massiva de ativos (conhecido como quantitative easing), que se traduziu numa injeção de milhares de milhões nos mercados financeiros para recuperar o valor perdido. Esse dinheiro ficou sobretudo nos mercados, inflacionando o valor das ações e dos imóveis.

 
Fonte: McKinsey Global Institute - The rise and rise of the global balance sheet

A habitação não escapou ao processo de financeirização. As casas tornaram-se um ativo particularmente apetecível por serem consideradas um investimento relativamente seguro: por um lado, ao contrário de muitos produtos financeiros, são um ativo “real” e material; por outro lado, por serem um bem essencial, a procura por este ativo é um dado adquirido, o que garante o seu valor. Se a isto juntarmos os incentivos fiscais existentes em muitos países para favorecer a compra de casa, percebe-se facilmente porque é que o mercado imobiliário passou a atrair investidores milionários e grandes fundos privados.

Esta dinâmica acentuou-se na última década pela política monetária adotada. Por um lado, as taxas de juro baixas tornaram mais fácil aceder a crédito para comprar casa; por outro lado, com o quantitative easing, os bancos centrais passaram a comprar boa parte dos ativos mais seguros (como títulos de dívida pública), o que levou os investidores a procurar outros ativos com os quais pudessem obter retorno, virando-se para a habitação. O aumento do peso dos fundos de investimento e de companhias de seguros no mercado habitacional contribuiu para a subida dos preços, como conclui um estudo de investigadores do Banco Central Europeu.

 

Enquanto o valor dos ativos financeiros cresceu de forma exponencial, os salários reais estagnaram na maioria das economias ocidentais. Recentemente, tem ganho força a análise que coloca o património como o principal determinante das novas divisões de classe. O mérito deste tipo de análise é o de reconhecer a vantagem de deter ativos num contexto em que o acesso a estes se deteriorou significativamente, o que é especialmente relevante no caso da habitação. Ainda assim, é preciso ter em conta que a riqueza associada à propriedade - e, sobretudo, a capacidade de a mobilizar - não é igual para todos.

Quem fica rico com a subida da riqueza?

Na Zona Euro, entre 2009 e 2024, a percentagem da riqueza total detida pelos 5% do topo passou de 40,9% para 44,2%; no caso dos 10% do topo, passou de 54% para 57,1%. Se pensarmos na riqueza total como um bolo, o que isto significa é que a fatia recebida pelos mais ricos aumentou e que mais de metade do total fica nas mãos dos 10% mais ricos. A desigualdade aumentou sobretudo no período da crise financeira, entre 2008 e 2012. Após este período, a disparidade estabilizou num nível superior ao que se verificava antes.

Quando olhamos para o valor absoluto, as diferenças são vincadas. A riqueza acumulada pelos 10% do topo é 11 (!) vezes superior à da metade da população que tem menos. Apesar da enorme diferença no valor dos ativos, o valor dos passivos - que incluem dívidas, como o crédito à habitação, e outras obrigações financeiras - é praticamente o mesmo para ambos os grupos (e, no caso dos 20% mais pobres, os passivos são superiores aos ativos).

 

Se olharmos para o topo da distribuição, a acumulação traz benefícios evidentes. Como os mais ricos têm acesso privilegiado ao crédito e ao mercado financeiro, conseguem usar património como garantia para financiar consumo e investimento, sem nunca vender os ativos, o que lhes permite evitar os impostos que teriam de pagar se obtivessem as mais-valias. Esta estratégia ficou conhecida como “buy, borrow, die”: começa-se por adquirir património e ativos (casas, ações de empresas, etc.) e esperar pela sua valorização; depois, em vez de vender os ativos, o que obrigaria a pagar impostos sobre os ganhos, estes são usados como garantia para pedir empréstimos, com os quais é possível financiar todo o tipo de despesa; como as mais valias não-realizadas não são tributadas, quando o proprietário falece, os herdeiros podem converter o ativo em rendimento sem pagar impostos.

Este tipo de dinâmica dificilmente é replicável fora do grupo dos mais ricos. Por um lado, a propriedade das ações está fortemente concentrada no topo, o que significa que a subida do valor em bolsa beneficia essencialmente uma pequena parte da população. Por outro lado, a facilidade que os mais ricos têm em obter empréstimos não tem comparação com o resto da população. Além disso, no caso da habitação - o ativo cuja propriedade é mais democratizada -, as vantagens da subida dos preços são menos óbvias.

Embora, para quem detém uma casa, a subida dos preços implique um aumento da sua riqueza em termos estatísticos, isso nem sempre se traduz numa melhoria efetiva das condições de vida. Um estudo publicado este ano sobre as decisões de consumo das pessoas nos EUA concluiu que embora a expectativa de valorização dos preços das casas leve os inquilinos a reduzir as suas despesas (o que é expectável, tendo em conta que antecipam um aumento da despesa com a renda), não tem o efeito oposto no caso dos proprietários. Dito de outra forma, a subida do valor das casas não leva os proprietários a gastar e consumir mais, uma vez que o ganho no papel não se traduz necessariamente num ganho material. Uma pessoa que detenha uma casa vê a sua riqueza aumentar, mas é discutível que retire ganhos concretos dessa subida: se vendesse a casa para obter mais-valias, precisaria de encontrar outra para habitar aos preços atuais.

A subida dos preços das casas é sobretudo vantajosa para quem detém mais do que uma habitação. Nesse caso, com a habitação própria assegurada, é possível aproveitar a valorização para vender por valores elevados casas que foram compradas a preços muito mais baixos, ou para aproveitar a inflação das rendas. Desde a crise financeira de 2008, tem-se assistido à concentração da riqueza imobiliária: além do peso cada vez maior dos fundos de investimento no mercado imobiliário, o perfil de quem compra casa alterou-se e passou a estar associado a maiores níveis de rendimento.

É por isso que há investigadores que propõem um ângulo de análise diferente: em vez de dividir a sociedade entre proprietários e não-proprietários, é preciso distinguir os ocupantes de habitação e os interesses rentistas. Por outras palavras, em vez de colocar a ênfase na divisão entre quem detém e quem não detém uma casa, o foco está na divisão entre quem ocupa uma casa e quem não a ocupa mas extrai uma renda. O primeiro grupo inclui quem arrenda (e paga uma renda ao senhorio) e quem detém casa própria (e paga uma “renda” ao banco). Em ambos os casos, as pessoas ocupam a casa para viver. O segundo grupo inclui proprietários que detêm e exploram múltiplas casas (tanto para arrendamento, como para alojamento local), plataformas digitais no mercado do alojamento turístico e fundos de investimento. Têm em comum o facto de deterem direitos de propriedade sobre habitações que não ocupam e cujo objetivo principal é extrair rendas.

Portugal é um caso de estudo oportuno. Quando olhamos para as estatísticas sobre a riqueza líquida das famílias - isto é, o valor total dos ativos menos o valor das dívidas -, esta aumentou de forma assinalável desde a pandemia. Essa evolução deve-se, em grande medida, à valorização da habitação (a vermelho, no gráfico abaixo), que passou a representar uma fatia maior do património das famílias portuguesas e se tornou o principal motor do aumento da riqueza.

 
Fonte: Boletim Económico do Banco de Portugal (dezembro de 2024)

No entanto, é preciso ter em conta que os 10% mais ricos concentraram, nos últimos quatro anos, tanta riqueza como os 40% seguintes. Já entre os 50% mais pobres, o aumento da riqueza líquida resultou sobretudo da redução do valor real das dívidas. Mais relevante ainda é o facto de, nas últimas décadas, a escalada dos preços das casas em Portugal ter coincidido com um aumento da desigualdade de riqueza no país.

Os impactos da subida dos preços das casas são desiguais: quem tem vários imóveis ou propriedades herdadas pode transformar essa valorização em ganhos reais - seja vendendo, alugando ou explorando o potencial turístico -, enquanto quem apenas detém uma casa não usufrui das mesmas oportunidades. O modelo de crescimento da economia portuguesa, assente na expansão do turismo e na valorização imobiliária, tende a beneficiar principalmente quem teve condições para acumular património que recentemente se transformou num mecanismo de extração de rendas.

Em Portugal, a riqueza continua a estar fortemente concentrada no topo: os 10% do topo detêm cerca de 60% da riqueza total, enquanto a metade de baixo da população fica com apenas 3,6%. As 50 maiores fortunas concentram 45 mil milhões de euros, o que representa quase um quinto do PIB nacional. O peso das heranças é incontornável: as principais fortunas pertencem às famílias Amorim (herdeiros de negócios da cortiça e da Galp), Mello (que herdaram a rede de hospitais privados CUF e participações na Brisa e noutras empresas), Soares dos Santos (herdeiros da maioria Jerónimo Martins, dona do Pingo Doce) e Azevedo (que herdaram o Grupo Sonae, onde se inclui o Continente). A maior parte da riqueza no topo resulta de património herdado, o que ajuda a explicar porque é que a desigualdade se mantém tão persistente.

Como redistribuir a riqueza?

No debate público, tornou-se frequente ouvir a ideia de que o problema não é a existência de ricos, mas sim a existência de pobres. Esta ideia serve para justificar a oposição a impostos mais progressivos ou outras medidas de redistribuição. Só que esta oposição é enganadora: a acumulação de riqueza no topo não é neutra e afeta as as condições de vida de todos. Quando uma fatia crescente do bolo é entregue a quem já tem mais, isso reduz a capacidade de consumo da maioria das pessoas e aumenta a poupança de quem tem maior propensão a especular. Esta dinâmica empurra as economias para modelos instáveis, com menos procura interna, menos investimento produtivo e maior dependência de bolhas de ativos para sustentar o crescimento, aumentando a vulnerabilidade a crises. A desigualdade não é apenas um problema do ponto de vista social: é um problema para a própria economia.

Nos últimos anos, têm surgido diversas propostas para combater as desigualdades. A ideia que tem ganho mais força é a de criar um imposto sobre a riqueza: em vez de tributarmos apenas os rendimentos do trabalho e os ganhos com mais-valias, aplicar-se-ia também uma taxa sobre a evolução da riqueza líquida das pessoas, de forma a que quem beneficia da valorização de ações ou outros ativos contribua para a receita fiscal mesmo que não as venda.

Não se trata de uma ideia inédita. Na verdade, na década de 1980, mais de uma dezena de países europeus, incluindo a Alemanha, França, Espanha ou a Áustria, aplicava algum tipo de imposto sobre a riqueza. No entanto, estes impostos foram desenhados com várias isenções (principalmente para ações de empresas e residências) que acabaram por proteger as maiores fortunas, ao mesmo tempo que as autoridades continuaram a operar sem mecanismos de troca automática de informação e fiscalização para impedir a evasão aos impostos.

Atualmente, a Suíça, a Noruega e Espanha possuem impostos sobre a riqueza. Com taxas modestas aplicadas apenas a partir de um certo valor de riqueza líquida, o que deixa de fora a maioria das pessoas, as receitas para o Estado variam: representam apenas 0,2% do PIB no caso de Espanha, mas sobem para 1,16% na Suíça, o que implica alguma capacidade de redistribuição. A ideia voltou a ganhar força com o trabalho de economistas como Thomas Piketty, Emmanuel Saez ou Gabriel Zucman, que se têm dedicado a estudar a concentração da riqueza nas últimas décadas. Zucman defende um imposto global de 2% sobre fortunas superiores a 1000 milhões de dólares.

O argumento mais recorrente contra este tipo de impostos é que, se um país os aplicar isoladamente, os milionários vão fugir para outros destinos. No entanto, os rumores sobre o êxodo massivo de milionários da Noruega são manifestamente exagerados. Além disso, os países não estão de mãos atadas face ao risco de fuga. Em 14 países da OCDE, incluindo a Alemanha, França, o Canadá ou o Japão, o Estado tributa ganhos de capital não realizados quando os cidadãos mudam de país (uma espécie de “portagem” que compensa os países em caso de saída dos milionários).

A verdade é que há várias formas de taxar diferentes tipos de riqueza. A OCDE defendeu recentemente a importância dos impostos sobre heranças e doações em vida (em especial, as mais elevadas). A maioria dos países da OCDE mantém este tipo de imposto. A este nível, Portugal é uma exceção: o imposto sucessório foi extinto em 2004 e os herdeiros diretos passaram a estar isentos. Um imposto sobre heranças acima de 1 milhão de euros só se aplicaria aos 1,6% mais ricos do país, o que seria uma forma eficaz de combater a desigualdade.

Outro caso relevante é o da habitação. Em Portugal, o IMI tributa o valor patrimonial das casas, embora não seja adequadamente atualizado para refletir a evolução dos preços. Desde 2017, o adicional ao IMI aplica uma taxa entre 0,7% e 1,5% sobre património imobiliário acima de 600 mil euros, excluindo a primeira habitação. É uma medida dirigida ao património mais valioso e paga por uma pequena fração dos mais ricos. Para aumentar a progressividade do imposto e a eficácia no combate à especulação, o agravamento do IMI sobre segundas casas e, em particular, sobre casas que estejam vazias, seria importante.

Atualmente, o peso dos impostos sobre a propriedade em Portugal é relativamente reduzido: representam 1,4% do PIB, abaixo dos 1,8% registados em média nos países da OCDE, segundo os dados da instituição. Em sentido contrário, Portugal é o 4º país da OCDE com maior peso da receita do IVA (9,4% do PIB), um imposto regressivo que pesa mais na carteira de quem ganha menos. O que isto significa é que há margem para redistribuir a carga fiscal e tributar de forma mais justa a riqueza no país.

 
Fonte: OCDE

A receita fiscal adicional pode ser canalizada para financiar investimento público, não apenas na habitação — onde Portugal continua a ter uma percentagem muito reduzida de habitação pública a preços acessíveis — mas também no SNS ou na escola pública. Assegurar o acesso universal a educação de qualidade e a cuidados de saúde robustos não é apenas uma medida social: é uma componente indispensável de uma estratégia de combate às desigualdades e de construção de uma economia mais justa.

Quebrar a persistência da desigualdade não passa apenas por alterações na política fiscal. A herançocracia é o produto de um modelo de crescimento que concentrou riqueza no topo e transformou a propriedade acumulada num mecanismo de extração de rendas. Ao contrário do que o discurso meritocrático sugere, não é a falta de esforço que impede a acumulação de riqueza, mas sim um modelo económico que cava um fosso entre salários estagnados e preços crescentes da propriedade. Reconhecer que a transmissão de heranças é profundamente desigual e que não funciona como mecanismo de nivelação é essencial para construir políticas que protejam quem vive do trabalho.

Para ler outros textos como este, pode também subscrever a newsletter Reverso da Moeda.

Isto é mesmo a gozar com quem trabalha

Em agosto, o ministro Leitão Amaro assegurou («quero deixar aqui essa garantia, é essa a intenção inequívoca»), que a reforma laboral «era favorável às mulheres, aos jovens e à família», visando um maior equilíbrio no mercado de trabalho e incluindo «medidas que reforçam a conciliação da vida familiar com a vida pessoal». Em contramão, porém, a ministra do Trabalho afirmou recentemente o oposto, defendendo que o desequilíbrio existe, mas «a favor dos trabalhadores». Luís Montenegro, aliás, já tinha dito não ter «nenhuma intenção de prejudicar os direitos dos trabalhadores». Como quem diz, vão ser sacrificados, mas é sem intenção, não levem a mal.

Entre os argumentos invocados para defender o regresso ao século XIX em matéria de precariedade laboral, com as alterações profundas que estão em cima da mesa - e que a coligação de direita convenientemente omitiu no programa eleitoral - a ministra Palma Ramalho tem insistido na ideia de que as «novas gerações (...) já não querem um emprego para toda a vida», antes valorizando a mobilidade e a flexibilidade. «É mais atraente para os jovens o valor da remuneração do que a natureza dos contratos», disse. Sucede, porém, que os jovens não pensam como a ministra diz que pensam, nem querem o que a ministra gostaria que quisessem. Entre «um emprego para toda a vida» e um regime de instabilidade e precariedade sem fim vai uma enorme distância.


De facto, segundo um estudo de 2024 da Universidade Católica, logo a seguir a ter um emprego que permita progredir na carreira (coisa que o reforço da precariedade dificulta), 72% dos jovens consideram muito importante a estabilidade e segurança no emprego e, logo a seguir, ter um emprego que favoreça a conciliação com a vida pessoal e familiar (71%). Não é por acaso que Paulo Marques, do Observatório do Emprego Jovem, considera que «a questão-chave é a instabilidade dos contratos», lembrando que as reformas recentes - «uma durante o período da 'geringonça' e outra já com o governo do PS com maioria absoluta» - contribuíram para que a percentagem de jovens com contrato a termo baixasse, desde 2015, de 70% para 53%. Já a flexibilidade dos horários laborais - e ao contrário do que a ministra sugere - apenas é valorizada por 35% dos jovens inquiridos.

A direita é pródiga em lançar ideias falsas para o ar, ao arrepio dos factos. Foi assim nos tempos de Passos e Portas, com a cantilena do «empobrecimento competitivo» e da «economia do pingo», a que está a regressar. Não por acaso, e evidenciando a dificuldade do governo em demonstrar, para lá de o dizer, como é que a reforma laboral fará a economia crescer e tornar o país mais competitivo, a ministra do Trabalho, padroeira dos patrões, foi incapaz, na entrevista à RTP, de identificar «qualquer estudo que comprove o impacto económico das alterações que propõe».

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Lógica antifascista


O sindicalismo de classe da CGTP é condição necessária para qualquer lógica antifascista digna desse nome, até porque é esteio da democracia e do Estado social que a protege. 

Aliás, basta ver como, perante uma ofensiva, desencadeada politicamente pelo governo PSD-CDS, visando reduzir os direitos laborais e aumentar os patronais, a greve geral é a resposta que coloca o conflito político onde importa, no trabalho, ali onde Chega-IL confirmam que não passam de expressões políticas das frações mais reacionárias do capital. E isso ajuda a fazer distinções clarificadoras e produtivas: quem são os amigos e quem são os inimigos?

Se quiserem debater estas questões, estarei por Setúbal e Lisboa, não sem antes aderir à greve geral.

sábado, 6 de dezembro de 2025

Ódio diário sem notícias


Em 1927, no livro Liberalismo, Ludwig von Mises afirmou: “Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até ao momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história.” 

A decadência da linha editorial dos jornais está bem patente num artigo ignobilmente ignorante da autoria de Ricardo Simões Ferreira, Editor-Executivo Adjunto do Diário de Notícias

Diz que Ludwig von Mises “provou matematicamente” que o socialismo não funciona. Mises nunca usou qualquer matemática nos seus livros e artigos antissocialistas. O seu famoso argumento acerca da impossibilidade do cálculo económico em socialismo é um exemplo disso. Não é pior, nem melhor, por isso. Mas os factos contam. E obviamente, houve economistas socialistas que, armados da teoria neoclássica, por exemplo, lhe responderam. O liberal austríaco Joseph Schumpeter, o da destruição criativa, deu-lhes razão e tudo. 

Por outro lado, não há hoje uma única faculdade de economia que tenha cadeiras de economia marxista e mesmo o pensamento de Keynes é ensinado numa versão diluída pela economia neoliberal avassaladoramente dominante, infelizmente. Os estudantes é que perdem com a falta de pluralismo. 

Quanto ao Manifesto do Partido Comunista, que aposto que este fulano nunca leu, continua a oferecer pistas frescas para quem quer compreender o mundo, tal como A Riqueza das Nações, de Adam Smith, de 1776, por exemplo. Haja curiosidade pelos clássicos. São sempre surpreendentes. Leia-se o que Smith escreveu sobre a vulnerabilidade estrutural dos trabalhadores perante os patrões ou sobre o lado negro da divisão do trabalho ou sobre a natureza de classe do Estado ou....

O chorrilho de aldrabices prossegue, incluindo a ideia de que os professores e logo os jornalistas são comunistas encafuados: “é preciso limpar” o ensino, urra. Isto é a retórica do fascismo. No fundo, ele sabe que os comunistas são parte essencial do antifascismo que cruza Marx e Keynes, da economia política à política económica, do Brasil à China. O objetivo é só instilar medo. Mas nós não temos medo. Ou, melhor, até temos, quando nos sentimos sozinhos, mas sabemos que não o estamos e por isso o medo passa. 

E não é só a ignorância da história das ideias que assim se revela, é também a ignorância da história económico-política deste país capitalista: qualquer pessoa séria sabe que os últimos quarenta anos não têm sido dominados pelo “socialismo”, mas sim pelo neoliberalismo e pela sua lógica privatizadora e liberalizadora, tornando Portugal um dos países europeus como menos ativos públicos empresariais ou menos stock da habitação pública, em percentagem do total, por exemplo. E este padrão tem sido impulsionado pela lógica da integração europeia, que impede estruturalmente políticas económicas keynesianas, para já não dizer socialistas, até pela anulação de vários instrumentos de política económica. 

Na realidade, esta gente não descansa enquanto existirem alguns elementos de civilidade democrática na sociedade portuguesa, da escola pública ao SNS, passando por alguns direitos laborais, cada vez menos face ao crescimento dos direitos patronais. O anticomunismo revela o reconhecimento de que os comunistas portugueses foram e são uma condição necessária, mas não suficiente, claro, para todos esses elementos. Esta é a verdade. 

Enfim, jornais dirigidos por gente desta são puros veículos de desinformação, de mentira e de ódio. Liberais até dizer chega, em suma.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Travar o golpismo, combater o neoliberalismo

Independentemente de António Costa estar mais, ou menos, confortável no seu papel de aio de von der Leyen, de ter desejado o papel, tornou-se irrefutável, parece de todo evidente, que o Ministério Público interferiu ilegítima e ilegalmente no processo democrático. Um golpe, de facto. 

E um golpe que acaba com uma maioria absoluta do PS e a substitui por uma maioria de direita e de extrema-direita que, sendo superior a 2/3, tem poder para alterar a Constituição e acabar com o regime e até mesmo com a democracia. É muito, muito, muito, grave. 

E é mais uma nódoa na triste história da direita portuguesa, sempre putschista, autoritária, obscurantista, serôdia. 

Também parece clara, contudo, a responsabilidade do Partido Socialista na desafeição eleitoral que erodiu a sua legitimidade política e permitiu a consumação do golpe. 

Por um lado, o governo de António Costa, aplicou, em 2022, a política de rendimentos mais regressiva de todo o milénio, deixando à direita a oportunista, mas, há demasiado tempo, devida e mais que justa e necessária subida de salários na função pública, com impacto no conjunto da economia. 


Por outro lado, foi também um governo liderado por um partido autodenominando socialista, mas sendo objetivamente social-liberal, que prosseguiu uma política orçamental altamente restritiva, desprovida de qualquer racionalidade económica e cujo único fito consistiu em obedecer sem questionar às imposições da União Europeia. 


Política orçamental essa que, mesmo no período 2015-2019, fez recuar a despesa pública em 4,2 pontos percentuais, deixando-a, em 2023, em 7,8 pontos percentuais abaixo da média da Zona Euro. 

Política orçamental essa que, no que ao investimento público líquido diz respeito, consistiu num crime de lesa-pátria e numa verdadeira traição aos partidos de esquerda com quais o Partido Socialista governou de 2015 a 2019. Repare-se que em 2019, com o truque miserável das cativações de Centeno, o investimento público líquido ainda era uma décima mais negativo do que era em 2015 depois da política de ‘ir além da Troika’ de Passos Coelho. Repare-se que durante todo o período de oito anos dos últimos governos do Partido dito Socialista nem uma única vez o investimento público líquido atingiu valores positivos. 


O Partido Socialista pode, pois, queixar-se da judicialização da política e do golpismo do Ministério Público. A direção de Ferro Rodrigues caiu depois desta ter sido injustificadamente envolvida no processo da Casa Pia e o Estado português viu-se obrigado pelo Tribunal Europeu a indemnizar Paulo Pedroso. Sócrates, contra quem se dizia haver tantas provas, está há uma década por julgar e a direita aproveitou os seus eventuais crimes pessoais ainda por provar para avançar a miserável tese de uma bancarrota que não existiu e que seria da sua responsabilidade. 

Mas o partido socialista também deve queixar-se de si próprio. Muito. 

Com uma direita política que tem o Ministério Público como escudeiro e com um Partido Socialista que, por via da sua aceitação acrítica de integração europeia neoliberal e em processo de aprofundamento furtivo, se tornou num mero capataz ultra diligente das ordens de Bruxelas e Frankfurt, o nosso país tornou-se uma colónia dependente de entidades externas até para decidir quanto do seu dinheiro pode gastar e, entretanto, os serviços públicos de saúde, educação, transportes, cultura ou mera administração pública, tudo soçobra e também soçobra a democracia. 

Uma alternativa de esquerda, simultaneamente socialista e soberanista, nunca foi tão necessária. Não a construir é deixar o país entregue à sordidez fascizante da mais, ou menos, engravatada extrema-direita IL-Chega.

Greve(s) Geral(is)


De facto, a natureza utópica de uma sociedade de mercado não pode encontrar melhor ilustração do que os absurdos em que ficção do trabalho como mercadoria envolve a comunidade. A greve, essa arma normal de negociação da ação industrial, era cada vez mais frequentemente sentida como uma interrupção caprichosa do trabalho socialmente útil, que, ao mesmo tempo, diminuía o dividendo social, do qual, em última análise, provinham os salários. As greves de solidariedade eram condenadas e as greves gerais vistas como uma ameaça à existência coletiva. E, com efeito, as greves em setores decisivos ou nos serviços públicos faziam dos cidadãos reféns, ao mesmo tempo que os arrastavam para esse problema labiríntico relativo às verdadeiras funções de um mercado do trabalho. Pressupõe-se que o trabalho encontrará o seu preço no mercado e que qualquer outro preço, determinado por outras vias, será não-económico. Se o trabalho assumir as suas responsabilidades nesta ordem de coisas, comportar-se-á como um elemento da oferta daquilo que é, a mercadoria «trabalho», e recusar-se-á a ser vendido abaixo do preço que o comprador pode permitir-se ainda pagar. Em termos de coerência, isto significa que a principal obrigação do trabalho será estar quase constantemente em greve. Semelhante conclusão, absolutamente absurda, é, no entanto, a consequência lógica da teoria do trabalho como mercadoria. A origem desta incompatibilidade entre a teoria e a prática é, sem dúvida, o facto de o trabalho não ser efetivamente uma mercadoria (...).

(...) A verdade é que o trabalhador não goza de qualquer segurança de emprego num sistema organizado pela empresa privada, e que essa circunstância significa uma grave degradação do seu estatuto. Acrescente-se ao quadro a ameaça do desemprego em massa, e compreender-se-á que a função dos sindicatos é moral e culturalmente decisiva para a salvaguarda de níveis de vida minimamente aceitáveis da maioria dos indivíduos. Todavia, é evidente também que qualquer método de intervenção que proporcione proteção aos trabalhadores afetará o mecanismo do mercado autorregulado.


Karl Polanyi, em A Grande Transformação, a explicar que a greve, simultaneamente, mostra que o trabalho não é, nem pode ser, uma mercadoria, mas também porque é tão importante perante os ataques dos defensores do "mercado autorregulado". De facto, a ideia de que o trabalho é um mercado organizado em torno de uma oferta e procura supostamente livres só se tornou possível pela imensa repressão dos trabalhadores que ousaram organizar-se e exigir a justa compensação pelo seu trabalho. Aí, a imensa mão visível do Estado, com todo o seu aparato repressivo, teve de agir, sempre para garantir a ficção em que assenta a nossa sociedade de mercado.

terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Quinta-feira, em Lisboa: Debate sobre oferta e procura de habitação


Promovido pela Rede H - Rede Nacional de Estudos sobre Habitação, realiza-se no IGOT (Sala de Conferências), a partir das 17h00, uma reflexão plural sobre a relação entre a oferta e a procura de habitação no contexto da atual crise. Participarei na sessão, moderada por Filomena Lança, juntamente com Ana Drago, Ricardo Guimarães e Carlos Guimarães Pinto. A entrada é livre, podendo o debate ser acompanhado aqui. Apareçam.

Não deveria a oferta de habitação ajustar-se à procura?

O Idealista comparou recentemente o valor dos imóveis à venda entre o 3º trimestre de 2020 e de 2025, concluindo que «há cada vez menos casas no mercado que as famílias podem pagar sem ultrapassar os seus limites de esforço». De facto, em cinco anos, o número de casas à venda com valores até 200 mil€ caiu 73%, registando-se um aumento de 42% no universo de casas com valores acima de 500 mil€.


O Idealista estima ainda, para 2025, a distribuição da oferta por escalões. Apenas em cinco distritos do continente (Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre e Beja) as casas até 200 mil€ representam mais de metade da oferta, contrastando com os distritos de Lisboa, Faro, Porto, Aveiro e Setúbal, nos quais a oferta de casas até este valor é inferior a 10% do total. Neste universo, destaque para Lisboa e Faro, com valores de apenas 2% e 3%, respetivamente.

Considerando o volume de transações na Grande Lisboa em 2025 (INE), e a variação apurada pelo Idealista, é possível estimar, de forma aproximada, a distribuição de casas à venda, por escalões, em 2020. Nestes termos, a oferta até 300 mil€ cai de cerca de 33% para 9% do total, ao mesmo tempo que a proporção de imóveis acima dos 500 mil€ aumenta de cerca de 49% para 63%, entre 2020 e 2025.


Confirmando o aumento galopante dos preços - que «descolam» dos rendimentos das famílias - estes dados desafiam ainda a análise convencional entre oferta e procura. De facto, num contexto em que o rácio de alojamentos por família quase não se alterou, não era suposto que os comparativamente baixos rendimentos das famílias levassem à descida dos preços? Ou será que são as novas procuras - que encaram a habitação numa lógica de investimento, com elevada capacidade aquisitiva - a explicar a quebra de relação entre preços das casas e rendimentos das famílias?

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Uma contrarreforma para regressar ao século XIX


«Porque se tornou a negociação impossível? Porque as “traves-mestras” desta contrarreforma são inaceitáveis. E sem elas não há contrarreforma. (…) Essas traves-mestras fazem, no segundo país mais precário da Europa, do contrato a prazo a regra. Permitem a precariedade eterna, porque nunca ter tido contrato permanente passa a ser motivo para nunca o vir a ter. Desprotegem o trabalhador na hora do despedimento. Desobrigam a empresa a reintegrar quem tenha sido ilegalmente despedido. Facilitam a pressão do patrão para o trabalhador abdicar, quando sair da empresa, do que lhe seja devido, podendo prescindir dos seus direitos mesmo no decorrer do contrato. Permitem usar o despedimento coletivo para recorrer ao outsourcing, substituindo trabalhadores protegidos por desprotegidos. Destroem qualquer conciliação entre vida pessoal e profissional, uma das razões para jovens mais qualificados fugirem desta economia desqualificada. Até o rendimento que muitos trabalhadores encontram nas horas extraordinárias é atacado com o banco de horas individual, a que Palma Ramalho se opusera no passado. A prova do radicalismo ideológico desta proposta é o recuo, sem que ninguém o tivesse pedido, na criminalização do trabalho declarado, que fez entrar milhares de trabalhadoras domésticas na Segurança Social. E ataca, em simultâneo, negociação coletiva e direito à greve.»

Daniel Oliveira, Uma contrarreforma antiquada

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Das razões para enfrentar a contra-reforma laboral


A poucos dias da Greve Geral, a Causa Pública junta amanhã, 27 de novembro, no Auditório da Escola Secundária Camões, em Lisboa, a partir das 18h00, o secretário-geral da CGTP, Tiago Oliveira e o secretário-geral da UGT, Mário Mourão, para debater, com Paulo Pedroso, o retrocesso subjacente ao Anteprojeto de Lei da reforma da legislação laboral apresentado pelo governo, identificando as razões para o enfrentar. A moderação está a cargo de Margarida Davim. Apareçam.