Esta posição baseia-se na ideia, frequentemente ouvida nas discussões sobre a economia, de que a proteção laboral é um entrave à atividade económica. Normalmente, o argumento utilizado é o de que a proteção excessiva desencoraja as empresas a contratar trabalhadores de forma permanente com o receio de que não possam despedi-los em caso de redução da atividade. A flexibilidade para contratar em períodos de crescimento e despedir em períodos de crise permitiria às empresas ajustarem-se ao ciclo económico e manter a competitividade.
Nesta linha, a reforma laboral tem sido defendida com base em três argumentos: o de que o mercado de trabalho português é demasiado “rígido”, o de que a flexibilidade melhora o desempenho da economia e o de que a falta de flexibilidade tem impedido o crescimento dos salários. Tendo em conta o peso que estes argumentos têm tido no debate público, vale a pena analisar cada um deles em detalhe.
O mercado de trabalho português é demasiado rígido?
A ideia de que Portugal tem um mercado de trabalho demasiado rígido não é nova. Na verdade, essa tem sido a justificação para as sucessivas reformas laborais aprovadas ao longo dos últimos vinte cinco anos e que, salvo algumas exceções, foram no sentido de introduzir maior flexibilidade. Ainda assim, o facto de Portugal ser um dos países com maior grau de “rigidez” no indicador da OCDE sobre a proteção do emprego é usado como argumento para defender novas reformas.
É útil perder algum tempo com este argumento. O indicador construído pela OCDE pode ter um valor entre 0 e 6, com valores mais altos a indicarem maior proteção do emprego. O indicador inclui duas dimensões que são medidas separadamente: o grau de proteção contra despedimento individual sem justa causa e o grau de proteção associado aos despedimentos coletivos. A OCDE também publica um outro indicador que mede a facilidade com que se podem estabelecer contratos a prazo em cada país.
Para medir a facilidade de despedir um trabalhador, a OCDE considera um conjunto alargado de indicadores: os procedimentos exigidos em cada país para o despedimento, o valor previsto para as indemnizações, o período de aviso que tem de ser respeitado, os critérios para avaliar se um despedimento é ilícito, a possibilidade de reintegração do trabalhador caso tenha sido ilicitamente despedido, entre outros. A isto, a OCDE soma os custos adicionais de um despedimento coletivo para chegar ao indicador total. Para calcular o indicador sobre o emprego temporário, a instituição analisa as regras sobre as condições em que as empresas podem estabelecer contratos a prazo, o período máximo de duração, o limite de renovações, além de considerar também as condições dos trabalhadores de agências de emprego temporário.
Para condensar todas estas dimensões, a OCDE atribui um peso a cada categoria, consoante o que considera ser a sua importância para as empresas na hora de decidir contratar ou despedir. A ponderação é inevitavelmente subjetiva e os cálculos envolvem alguma dose de arbitrariedade: uma análise publicada pelo European Trade Union Institute (ETUI) documenta casos em que vários países recebem a mesma pontuação num determinado item apesar de terem leis cujo desenho e eficácia são significativamente diferentes. Outro estudo analisa o caso da Nova Zelândia, apresentado como um país de baixa rigidez laboral, e demonstra que o indicador não reflete verdadeiramente os limites ao despedimento que existem no país.
As contradições deste indicador tornam-se mais claras quando se tentam estabelecer comparações entre países. No caso de Portugal, os níveis de proteção laboral estão em linha com os de países como os Países Baixos, a República Checa ou a Letónia e pouco acima da Finlândia e da Suécia, que, apesar de terem níveis de desenvolvimento diferentes, têm em comum o facto de serem vistas como economias dinâmicas e competitivas.
Além disso, um estudo publicado recentemente por Philip Arestis e os seus co-autores, que analisa a evolução de 16 países europeus entre 1985 e 2019, conclui que as variações no indicador de proteção do emprego da OCDE não explicam a evolução dos níveis de emprego nem das taxas de desemprego durante este período. Por outras palavras, não é possível identificar uma relação entre estas variáveis nem concluir que menores níveis de proteção são benéficos para a atividade económica.
A flexibilidade traz mais competitividade e melhores salários?
Independentemente das fragilidades do índice da OCDE, é considerado de senso comum que maior flexibilidade é sinónimo de melhores condições para a atividade económica e, por isso, melhor desempenho das economias. No entanto, alguns estudos recentes têm contrariado este pressuposto. Uma revisão de literatura que analisou 75 estudos assentes em diversos indicadores de proteção laboral concluiu que não é possível estabelecer uma relação robusta entre a flexibilização e variações na taxa de desemprego. Outros estudos (como este ou este) sugerem que a flexibilidade teve impactos negativos sobre a produtividade e a inovação, particularmente nos setores mais inovadores e dependentes de conhecimento acumulado.
Há boas pistas para explicar esta tendência: por um lado, trabalhadores com vínculos mais estáveis têm mais tempo e melhores condições para adquirir e acumular conhecimento específico sobre a atividade das empresas em que se encontram, o que contribui para a melhoria do processo produtivo; por outro lado, maior integração reforça o compromisso e a cooperação no contexto de trabalho. Além disso, a proteção laboral incentiva as empresas a investir na formação dos trabalhadores que empregam, o que promove a melhoria das qualificações e o crescimento da produtividade.
Em relação ao impacto da flexibilidade nos salários, a experiência da última década é ilustrativa. Depois do impulso para a desregulação laboral e para a facilitação do recurso a emprego temporário na União Europeia, um estudo realizado para a Comissão Europeia demonstrou que se verifica um diferencial salarial entre contratos precários e permanentes e concluiu que este era maior nos países da UE com maior percentagem de precários no emprego total (como Portugal).
Outro estudo, publicado por três investigadores do FMI, sugere que as vagas de desregulação laboral verificadas ao longo das últimas décadas contribuiram para a diminuição progressiva da wage-share, isto é, a fração do rendimento produzido na economia que é recebida pelo trabalho - ou, por outras palavras, a fatia do bolo que cabe aos trabalhadores.
A prevalência de salários baixos reflete o modelo de crescimento da economia portuguesa. Ao longo das últimas duas décadas, com a adesão a uma moeda sobrevalorizada e a concorrência de países com salários bem mais baixos (China e Leste europeu), as indústrias exportadoras em Portugal perderam terreno e a economia especializou-se em setores de baixo valor acrescentado - primeiro, a construção e o imobiliário; depois, o turismo e a restauração.
Nos últimos anos, o crescimento tem sido impulsionado pelo desempenho extraordinário do setor do turismo, cujo peso na economia atingiu máximos históricos, tendo passado de 6,9% do VAB em 2016 para 9,1% em 2023. Os serviços associados ao turismo - hotelaria, alojamento local, restauração, entre outros - têm sido responsáveis por boa parte da criação de emprego no país. O problema é o tipo de emprego em causa. O setor do alojamento e restauração tem o 2º salário médio mais baixo do país e mais de 40% dos seus trabalhadores recebe o salário mínimo. A economia tem crescido com base em setores de baixa pressão salarial, o que ajuda a explicar porque é que Portugal é o país da UE em que o salário mínimo se encontra mais próximo do salário mediano.
Além disso, os trabalhadores têm pouca capacidade para negociar aumentos devido à erosão do poder negocial nas últimas décadas. As reformas laborais que tinham como objetivo flexibilizar o mercado de trabalho reduziram as indemnizações por despedimentos, facilitaram o recurso a contratos a prazo e fragilizaram a negociação coletiva. Portugal tornou-se um dos países da UE onde o recurso a contratos a prazo é maior, sobretudo entre os jovens. A percentagem de trabalhadores sindicalizados, que chegou a superar os 70% na década de 1970, caiu para cerca de 15% nos últimos anos. Estas mudanças têm como resultado uma redução do poder de negociação dos trabalhadores, o que ajuda a explicar porque é que os salários não têm acompanhado o aumento da produtividade.
Um crescimento mais sustentável dependeria de aproveitar as atuais condições favoráveis (incluindo os baixos custos da energia e o potencial das renováveis) e recuperar o investimento em infraestruturas críticas (como os transportes e, em especial, a rede ferroviária) para promover o desenvolvimento de setores mais qualificados. Para traduzir o crescimento em melhorias salariais efetivas, seria necessário devolver poder negocial aos trabalhadores, alterando as regras que incentivam o trabalho precário e fragilizam a negociação coletiva.
Em sentido contrário, a reforma laboral apresentada pelo governo reduz ainda mais o poder negocial dos trabalhadores. Além do enfraquecimento da negociação coletiva, talvez a principal alteração seja a que diz respeito aos contratos a prazo: de acordo com a proposta, as empresas passam a poder estabelecer contratos a prazo sempre que seja para a “contratação de trabalhador que nunca tenha prestado atividade ao abrigo de contrato de trabalho por tempo indeterminado”, ou seja, que nunca tenha tido um contrato estável. Na prática, trabalhadores que entram no mercado de trabalho com contratos precários passam a poder ser eternamente contratados e recontratados a prazo, sem nunca sair da precariedade, o que afeta não só as perspetivas de estabilidade financeira e a capacidade de sair de casa, mas também a saúde mental. Num contexto em que os baixos salários e a precariedade levam muitos jovens a emigrar, a reforma laboral vem agravar os problemas.
Pistas a partir do caso de Espanha
A discussão sobre a necessidade de flexibilizar a legislação laboral em Portugal contrasta com a experiência de Espanha, outro dos países com maior peso dos contratos a prazo na UE. Para dar resposta ao problema, Espanha aprovou no final de 2021 uma reforma que definiu limites mais rígidos para a contratação a prazo, com o objetivo de desincentivar a precariedade.
Os resultados parecem ter sido positivos: o peso dos contratos a prazo diminuiu de forma significativa, sobretudo entre os jovens, sem que isso tenha afetado o nível de emprego. É visível a diferença entre os casos espanhol e português, onde o peso do emprego precário se manteve relativamente estável entre nos últimos anos. É importante ter em conta que a economia espanhola tem sido elogiada na imprensa internacional pelo crescimento robusto desde a pandemia.
Apesar disso, há sinais de que outras formas de precariedade, como o trabalho em part-time, terão aumentado. Isso indica duas coisas: por um lado, as alterações à lei têm de ser acompanhadas por uma fiscalização eficaz, que impeça as empresas de recorrer a contratos de trabalho em part-time para realizar tarefas equivalentes a um emprego a tempo completo; por outro lado, as reformas laborais não substituem a necessidade de mudanças no perfil de especialização da economia.
A reforma laboral apresentada por cá não ajuda a combater os problemas do modelo de crescimento português e, pelo contrário, contribui para os acentuar: a flexibilização que tem como principal objetivo reduzir os custos laborais beneficia sobretudo as empresas em setores intensivos em trabalho (em que esses custos são mais expressivos). O que isso significa é que favorece os setores mais desqualificados e as empresas cuja estratégia assenta em salários baixos e contratos precários, em detrimento do investimento em tecnologia e formação. Ou seja, o contrário do que se diz ser o objetivo.
Sobre as alterações ao Código do Trabalho, a revista Que Força É Essa tem uma lista de artigos de investigadores, especialistas em questões laborais e membros de sindicatos, onde podem ler mais sobre as alterações aos contratos a prazo, aos dias de férias, ao regime de horário flexível ou às quotas para trabalhadores com deficiência.