quinta-feira, 20 de novembro de 2025

Mais casas para viver ou para especular?

Reconhecendo que «os preços das casas subiram mais rapidamente do que o rendimento das famílias em muitos países» - tendo alguns deles, como Portugal, mantido «taxas de crescimento anual de dois dígitos» - a Comissão Europeia insiste na tese de que as «restrições à oferta» são o «fator-chave» do problema, omitindo convenientemente o efeito decisivo das novas procuras especulativas no surgimento e agravamento da crise da habitação na UE.

Bem pode a Comissão Europeia, e demais neoliberais, continuar a tentar deixar no ar a ideia de que a crise resulta de um desfasamento da oferta face ao aumento da procura residencial, como se o aumento da população e do número de famílias, ao longo da última década, contrastasse com a redução do stock de alojamentos, por alegado défice de construção. Ora, o que os dados nos dizem, à escala da UE e dos seus Estados membros, é precisamente o contrário.


De facto, entre 2011 e 2021 o aumento da população residente na UE foi de apenas cerca de 1% (mais 4,7 milhões de habitantes), tendo o número de famílias aumentado cerca de 5% (quase mais 9 milhões em 2021 face a 2011). Ou seja, aumentos muito abaixo do registado no número de alojamentos residenciais, a rondar os 9% (cerca de mais 20 milhões de casas, no mesmo período). Tirem o cavalinho da chuva: o problema não reside no alegado défice de construção.

Não é pois por acaso que o rácio entre alojamentos e famílias melhora ligeiramente à escala da UE entre 2011 e 2021 (de 1,20 para 1,24), com apenas 8 Estados membros (num total de 25) a registar quebras muito ligeiras (nunca mais que centésimas) na relação entre o número de alojamentos e de famílias. E o mesmo sucede, naturalmente, quando se pondera o número de fogos por 1000 habitantes (que passa, à escala da UE, de 494 para 533, no mesmo período).

Fingindo que a crise se resume a um mero problema de oferta, bastando construir mais em vez de regular e travar a especulação, a Comissão Europeia evita assumir que o problema reside no surgimento de novas procuras (turismo e conversão de casas em ativos financeiros), marcadas por um elevado poder aquisitivo, com o qual as famílias que querem casas para viver não conseguem competir. Ao que acresce o facto de estas procuras serem potencialmente inesgotáveis, impedindo portanto que os preços desçam, por mais que se construa. Como, aliás, se tem constatado.

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