sexta-feira, 24 de maio de 2019

Não vai chover


No principal blogue da direita, José Manuel Fernandes afiança que vão chover raios e coriscos por causa de um artigo onde ensaia uma viragem eurocéptica para a direita portuguesa, em nome da defesa das democracias realmente existentes nas nações europeias, convocando para isso de Gaulle e Thatcher. Estas referências das direitas estavam no centro e noutro contexto histórico.

Sobre Thatcher, por exemplo, posso repetir-me, uma vez mais. Tendo sido também responsável, através dos comissários britânicos, pela construção do mercado único europeu nos decisivos anos oitenta, a elite dominante no Reino Unido decidiu ficar de fora da moeda única, dado que tinha confiança no seu poder, não precisando de mais mecanismos disciplinares externos. Afinal de contas, Thatcher tinha declarado que o seu maior triunfo era o novo trabalhismo de Tony Blair, ou seja, a ausência de alternativas. As mais inseguras elites do continente, em particular da França e do Sul, viram no Euro um meio de reforçar a integração supranacional, entregando poderes soberanos decisivos a instituições pós-democráticas e que tinham no seu ADN as regras económicas ortodoxas do ordoliberalismo, ou seja, da versão alemã deste paradigma.

Entretanto, se olharmos hoje para os partidos das direitas nacionais – do PSD ao CDS, passando pela Aliança, pelo PDR ou pelo Basta ou Chega ou lá o que é – verificamos que a viragem nacional-democrática pretensamente defendida por José Manuel Fernandes não aconteceu, nem vai provavelmente acontecer. Porquê? Paulo Portas, Paulo Rangel, Carlos Moedas ou Adolfo Mesquita Nunes no fundo explicam-no: a elite político-económica periférica sabe que um vínculo externo cada vez mais sólido e pós-democrático continua a ser a melhor garantia política para o seu projeto económico de transferência de recursos de baixo para cima. Este último tipo de transferência está articulado na periferia com a transferência de recursos de dentro para fora. Os neoliberais nacionais não são tolos; tola, e isto na melhor das hipóteses, é a social-democracia europeísta.

Deixem-me ser céptico: eu que gosto de pluralismo político, gostaria muito de ter uma direita conservadora, eurocéptica e verdadeiramente democrática, mas duvido que algum dia a economia política empurre nessa direcção. Aliás, duvido que o próprio José Manuel Fernandes vá nessa direcção de forma consequente. Nesta periferia europeia, a democracia depende de um programa de emancipação económica que só pode ser hoje em dia construído à esquerda, digamos. De resto, algum dia foi diferente?

13 comentários:

Pedro disse...

E como sempre a esquerda radical atira para o lado.

Esta obsessão do anti-europeísmo custe o que custar, fazendo esquecer que o realmente importante seriam políticas de esquerda com ou sem europa vai ao ponto absurdo de aplaudirem as conquistas da extrema direita antieuropeísta fomentada por Le Pen, Trump e Bannon.

Até faz pensar que isto é discurso de encomenda por parte de outros competidores geopoliticos, como no tempo em que a esquerda radical era contra todos os imperialismos desde que não fossem os imperialismos russo ou chinês.

Ou é puro atavismo e falta de capacidade de pensar por si próprios ou há mesmo financiamentos por debaixo do pano para desestabilizar o espaço europeu por parte dos imperialismos "bonzinhos".

Anónimo disse...

«tola, e isto na melhor das hipóteses, é a social-democracia europeísta».

O João Rodrigues que me perdoe, certamente não foi sua intenção e eu não gosto de deturpar as palavras de ninguém, mas isto encaixa como uma luva em alguém muito na moda nestas eleições.

Jose disse...

«a democracia depende de um programa de emancipação económica»

Eis um tema que seria interessante ver a esquerda desenvolver. Algumas questões:
- Emancipação de quê, do livre comércio?
- Emancipação para quem, para a caterva de candidatos a reguladores económicos acolhidos nos serviços do Estado?

Espero que não venham dizer que a economia é matéria a decidir em referendo...

José disse...

Diga lá Pedro, qual é o imperialismo que o João Rodrigues protege?

Pedro disse...

José.

Não digo nada em relação a este em concreto, porque não estou a ver outros textos dele. Apenas estranho este anti-europeísmo obsessivo e irracional e lembro-me da complacência de grande parte da esquerda em relação a todos os imperialismos, desde que fossem anti-americanos e anti-europeus.

E é sabido que russos mantém laços, eventualmente d€... com tudo o que é anti-europeu, seja de extrema direita ou de extrema-esquerda, com o objectivo óbvio de enfraquecer um rival.

Agora até a extrema direita americana fomenta o anti-europeísmo.

Esta repetição constante de slogans anti-UE sem qualquer fundamento na realidade parece muito estranho.

E eu posso falar á vontade porque de europeísta fanático me converti em eurocéptico. Simplesmente, para o ser eu baseio-me na realidade e não em slogans vazios de propaganda.

José disse...

Pedro
O seu texto anterior não é eurocéptico, é euroentusiasta! O EU(ro)cepticismo do João Rodrigues está bem explicado, leia o 3 parágrafo do post: esta EU "continua a ser a melhor garantia política para a transferência de recursos de baixo para cima". Clique nos links e leia mais!

Anónimo disse...

Não vale a pena perder muito tempo com política em Portugal. Praticamente ninguém vota. Há países que nasceram mortos, ou morreram. Portugal vem morrendo aos poucos há dois ou três séculos. Sobrou um país de futebol e comes e bebes. O Salazar morreu mesmo por acidente e de velho, se não fossem as colónias ainda estava aí. A meu ver quem não votasse duas ou três vezes seguidas deveria perder o direito de voto por 10 anos. Carneirada.

Pedro disse...

Repito que não posso falar concretamente do Rodrigues, porque não estou a ver outros textos dele.

A minha resposta não teve nada de euroentusiasta, apenas não é antieuropeísta primária.

Concretamente a "transferência de recursos de baixo para cima" é o que está a destruir a UE e não a sua razão de ser

Dessa transferência faz parte integrante o nacionalismo alemão e dos países centrais, que é em essência um movimento antieuropeu.

É verdade que para direitistas como Rangel a UE sirva como oportunidade essas actividades neoliberais, mas essa não será com certeza a razão leva europeistas como Rui Tavares ou Varoufakis a apoiar a UE.

O movimento pan-europeu é muito mais do que o neoliberalismo que é o que o está a destruir.

Eu próprio já fui pan-europeista e nunca fui neoliberal.

Deixei de ser paneuropeista precisamente por causa do neoliberalismo, o que é o processo exatamente contrário do afirmado pelos esquerdistas antieuropeístas primários.

A diferença é que, precisamente, tenho consciência de que os povos europeus estão ganhos para o neoliberalismo e é isso que faz da UE uma organização neoliberal e não a UE que obriga os povos europeus a ser neoliberais.

Essencialmente deixei de ser europeísta porque deixei de acreditar nos europeus.

Com povos apoiantes do neoliberalismo, racismo e nacionalismo, como o povo alemão, a UE de facto não passa de instrumento dessas ideias.

José disse...

Pois é melhor começar a pregar as virtudes da solidariedade pan-europeia aos "nacionalistas" alemães e esperar pelos bons resultados...

José disse...

O "não" do povo grego no referendo de 2015 foi uma vitória do neoliberalismo?

Pedro disse...

O não do povo grego foi a excepção que confirma a regra. Foi rapidamente abafado porque todos os outros países se uniram contra a Grécia.

Em todos os países era comum dizer-se que "nós não somos a Grécia.

Sim, é por não se poder esperar solidaridade do povo alemão, nem de muitos outros povos, que considero que a ue deve acabar.

Uma "união" em que cada país só olha para os seus interesses numa lógica de nacionalismo, e não é capaz de pensar em termos de interesses de conjunto, não é união nenhuma.

E pode crer que o neoliberalismo também joga com o nacionalismo.

Para justificar a sua exploração dos povos do sul o neoliberalismo na sua propaganda apelou a todos os preconceitos nacionalistas e racistas.

Nós, sulistas somos apresentados como preguiçosos que nunca trabalharam e vivem á custa dos países do centro, apresentados únicos países que trabalham e são obrigados a sustentar os do sul.

Isto é nacionalismo agressivo do tipo fascista e é o que dá força á extrema direita anti-europeista e está a destruir a ue.

José disse...

Quanto à Grécia: os governos dos outros países tolhidos pelo medo, quer você dizer. E não é medo à extrema direita húngara, polaca ou alemã, sequer ao voto que os elegeu; é mesmo medo a Berlim e aos seus comissários no BCE. Acha mesmo que são os neoliberais portugueses que comandam o BCE? Não será o ordoliberalismo alemão (CDU/SPD) a comandar a economia política de todos os outros, submetidos aos tratados e à moeda única? Acha que o espírito da geringonça é neoliberal? É preciso voltar ao único espaço onde a democracia é possível. Nacionalismos há muitos, como se sabe.

Pedro disse...

Claro que é o nacionalismo alemão a governar a UE.

Por isso concordo que a UE deve acabar.

Quanto aos "países tolhidos pelo medo", quem vota num Passos, numa Cristas, num Seguro e até muita gente que vota no Costa, adora ser explorado pelo nacionalismo alemão.


Para eles é uma grande honra.

Acabei de descrever a maioria do eleitorado tuga e nos outros países é a mesma coisa.

Bastou ver o direitalho aos saltos de alegria nas caixas de comentários quando a UE ameaçou aplicar sanções a este governo.

Eles ficam tolhidos pelo medo é quando se fala em mandar os seus donos alemães ás malvas.

Por exemplo, no outro dia num jornal de direita concordei com o pagamento de indemnizações á Grécia pelo saque alemão na II GM e caiu-me logo uma data de gente em cima a defender os seus ídolos alemães.

Estão completamente domesticados.