terça-feira, 28 de maio de 2019

"O estertor na direita é mau para o país"

Depois do desastre económico e social que foi a aplicação do programa da direita liberal no governo PSD/CDS, respaldado na troica, há ainda quem o queira restaurar. Em nome da economia e da democracia.

No mais recente editorial do jornal Público, o seu director Manuel Carvalho (MC) explana a ideia perigosa de que as ideias liberais são úteis ao país.

O que aconteceu na presente legislatura mostra que o pensamento único da Direita de Passos deu lugar ao pensamento único da Esquerda das posições conjuntas. Com o PS obrigado a acolher as exigências dos seus parceiros, o debate público e político cristalizou-se na agenda da esquerda pura e dura.
Não sei em que país viverá MC. Mas se alguma coisa aconteceu em Portugal, foi a capacidade que teve António Costa de absorver o programa da direita, esvaziando o seu discurso. O PS - talvez pressionado à esquerda - devolveu rendimentos, mexeu na política fiscal, mas - longe de se ter cristalizado na agenda do PCP e do BE - manteve vivas as metas orçamentais da direita e apenas melhorou marginalmente os serviços públicos; subiu os níveis mínimos do sector privado (aumento do SMN), mas manteve o edifício legal laboral de apoios às empresas e de transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas (aprovado pela direita), responsável pela degradação da repartição no rendimento criado. E até se prepara para simular um combate à precariedade laboral que confederações patronais e UGT tanto defendem com unhas e dentes.

Enumere-se as propostas votadas no Parlamento e ver-se-á como alinhou o PS. Nas suas componentes essenciais, a política do PS tem mais sintonias à direita do que à esquerda - até por força da união Europeia -, embora haja áreas em que o PS alinha à esquerda, como é a política de protecção social. É assim na política externa, na política cambial, bancária, laboral, de rendimentos, defesa e desenvolvimento, entre outras. E por isso também, é tão fácil a passagem de eleitores do PS para o PSD e do PSD para o PS.   

A direita, ao ter colocado o Estado no centro de um programa ideológico, acabou manietada na sua incapacidade de fazer política sem degradar a vida das pessoas. E saltitou em cima das brasas entre duas posições contraditórias: 1) criticar o Governo por não melhorar os serviços e o investimento públicos, sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice orçamental; 2) defender mais medidas a favor das empresas sem nunca dizer como se faria isso sem aumentar o défice ou sem indicar as despesas públicas a cortar.

E MC cai no mesmo saltitar sobre as brasas.


Por um lado, acha que o governo privilegiou os funcionários públicos, enquanto "os trabalhadores do sector privado e a sociedade que vive fora da égide do estado tiveram a um papel secundário". É a velha dicotomia alimentada pela direita, sobretudo durante a troica, para justificar os famosos cortes na despesa pública (leia-se serviços públicos) e que esquece que todas as propostas mais recentes de melhoria da vida desse sector privado foram chumbadas, precisamente, pelo PS e pela direita.

Mas por outro, MC defende todas as bandeiras do discurso do CDS no Parlamento:

"Portugal precisa de saber como criar riqueza para a poder distribuir. Precisa de falar de incentivos às empresas, de competitividade, de exportação, de choques de gestão ou de tecnologia. Com a direita fraca e com medo de o ser, o país arrisca-se a voltar a ser palco dos servidores do Estado. A prazo, a factura poderá ser pesada."  

MC acha que "os dois partidos surgem fracos e com dificuldade de voltarem à sua essência programática" porque vivem um trauma - o de ter governado com a troica. E que isso "deu origem a um complexo de culpa". Na verdade, não se trata de um problema psicológico. Foi a sua "essência programática" que falhou redondamente!

Mas não há razão para MC chorar o fim da direita. Ele só não está a ver a outra direita que já se agiganta no PS. Os partidos da esquerda "pura e dura" - ai Manuel... - melhoraram a política geral do PS - como se nota nos resultados eleitorais. Mas veremos se a tentação de autonomização do PS não o levará a prazo a tornar-se, ele também, "descartável", como aconteceu temporariamente aos partidos de direita.

15 comentários:

Geringonço disse...

António Costa já disse que quer trocar o BE e PCP pelo PAN.

Não sei se repararam mas no domingo, quando os do PAN souberam que elegeram um deputado para o inútil Parlamento Europeu, gritaram entusiasticamente "Europa! Europa! Europa!".

O PAN para além da causa animal não tem mais nada a acrescentar, é um partido formado por idiotas úteis acríticos da consolidação de poderes antidemocráticos a nível europeu.

O PAN serve os propósitos europeístas de Costa, e Costa julga que pode descartar o BE e PCP...

Paulo Rodrigues disse...

Os media em Portugal vivem numa zona nebulosa, que serve os interesses das oligarquias instaladas.
Ao contrário do que acontece em outros países e tirando o Avante, não existem em Portugal órgãos de informação oficialmente comprometidos com determinadas correntes políticas.
É comum nos EUA, por exemplo, que certos jornais, canais de TV, etc. sejam assumidamente de direita e outros de esquerda.
Em Portugal não!
Oficialmente, todos são pluralistas e generalistas.
Só que não é verdade.
Os acionistas definem toda a linha editorial dos órgãos de que são proprietários e os diretores são escolhidos em função de critérios político/comerciais.
Ora, os acionistas procuram o lucro e - em Portugal - está montada há muitos anos uma montaria ao lucro fácil, em privatizações, em concessões, em parcerias, rendas, monopólios, etc.
No fundo, Portugal está nas mãos dos oligarcas e são eles os donos dos media, pretensamente generalistas e pluralistas.
Um diretor de um jornal que se permite fazer editoriais em nome próprio, defendendo uma determinada visão política está, automaticamente, a negar que aquele órgão que dirige seja pluralista.
É indigno, mas o pasquim público já nos habituou a este tipo de diretorzinhos; não é o primeiro nem será o último.
Só não entendo porque continua a ter leitores.

Pedro disse...

"foi a capacidade que teve António Costa de absorver o programa da direita"



A capacidade das pessoas se fingirem espantadas de cada vez que o PS faz alguma política de direita (como são 95% das políticas do PS) é verdadeiramente espantosa.

Não seria altura de nos deixar-mos de tretas e assumir que o PS é um partido de direita ?

O PS não precisa de "absorver" nada da direita porque o PS é direita.

Aquilo que dizem que está constantemente a "absorver" da direita é simplesmente a sua política normal.

João disse...

Os meus parabéns. na minha opinião, uma lúcida análise.

Rão Arques disse...


ERRADICAR OS PODRES
Em nome da tão reclamada transparência é necessário que alguém determine e mande publicar:
As coligações eleitorais são legitimas quando estabelecidas antecipadamente apresentando-se como tal no momento do ato de votar.
Se a constituição estabelece que a força politica chamada a governar deriva dos resultados apurados, ( não de habilidades manhosas posteriores) então é absolutamente indigno e contrário à letra e espirito do diploma base que se permitam arranjinhos após apuramento sem que de algum modo tenha sido anunciada ou no mínimo admitida em tempo útil essa possibilidade pelos pescados participantes.
De lamentar e repudiar que exista algum partido a dispor de grupo parlamentar sem que alguma vez tenha ido a votos de cara descoberta.
Atenção Sr. Presidente Marcelo, não durma na forma porque como garante do normal funcionamento da democracia isto é essencialmente consigo.
Em outubro não alinharei em engodos se o atual desenho de manchas e borrões se mantiver

Jose disse...

«programa da direita liberal no governo PSD/CDS, respaldado na troica» shshshshsh... negociado pelo e à cause do governo PS não se diz!

Jose disse...

«... e apenas melhorou marginalmente os serviços públicos»

Seria mais correcto dizer «melhorou significativamente as condições remuneratórias dos trabalhadores dos serviços públicos».
Quanto aos serviços é bem o contrário, haveria que não cativar e compensar com admissões uns 130 milhões de horas de trabalho/ano.

Pedro disse...

Ó josé...

Então vocês não chumbaram o pec para obrigar o outeo a chamar a troika ?

E depois andaram anos a gabarem-se de terem sido os principais negociadores da troika, que troika era optimo, que o programa do psd era igual ao da troika, que queriam ir além da troika.

E agora que cada vez é mais evidente que o programa neoliberal da troika só lixou o país, dizem que não têm nada a ver com aquilo !

Tanta aldrabice só prova que não receberam educação em casa.

Jose disse...

«o programa neoliberal da troika» deu o bodo à geringonça, o turismo e a recuperação urbana que a enche de ufania pelo emprego que diz ter criado e leva o Costa a tocar-lhe com pinças enquanto vai comprando votos e alianças de esquerd(?).

Jose disse...

...esqueci-me!
E cria novos canis por todo o país.

Pedro disse...

Boa José !

Vocês são exímios em desviar a conversa.

Então essa dos canis fez-me esquecer para sempre que andaram anos a gabarem-se que foram os principais negociadores da troika que agora dizem era só do outro.

Tá-se mesmo a ver…

Faz-me lembrar um familiar meu que, apanhado a roubar doces, começou a falar em cavalinhos.

A única diferença é que o meu familiar tem três anos, mas o nível é o mesmo.

vitor disse...

Em Portugal não há área nenhuma onde perdurem tantos mitos como em economia. Fruto sobretudo dos muitos populismos. Sobretudo vindos da direita mas também da esquerda. Logo a começar nas explicações da última crise que trouxe a intervenção externa. Como é que é possível chegarmos ao dia de hoje e ainda continuarem a existir tantas versões sobre a necessidade de Portugal recorrer à ajuda externa e subsequente "ajustamento"?

Jose disse...

A troika não foi má em si, foi o resultado inevitável de uma má, abusiva, corrupta e estúpida política abrilesca.

Mas o que é de uso é falar da troika como uma opção em si, sem antecedentes que a justifiquem.
Tretas de treteiros.

Paulo Marques disse...

Rão,

isso em legislação o governo ter que ser o único a votar nas suas leis e o PM não poder nomear quem lhe apetecer. E usar a cabeça sem ser para fantasmas, que tal?

vitor disse...

"Mas o que é de uso é falar da troika como uma opção em si, sem antecedentes que a justifiquem."

Se os mercados financeiros voltarem a subir as taxas de juro para valores idênticos Portugal perde a capacidade de se financiar outra vez num ápice. Da mesma forma para qualquer português com um empréstimo à habitação. Sem que esse português tenha contribuído de alguma forma para essa súbita subida dos juros. Chama-se especular com a vida das pessoas.