sábado, 29 de junho de 2013

Sair do euro implica sair da UE?


Com receio de um imaginário isolamento albanês, em Portugal há quem defenda uma negociação com a UE para que o país obtenha um estatuto igual ao do Reino Unido e da Dinamarca. Quanto a isto, Rui Tavares ("Perguntas à saída do euro", "Público", 19 Junho) não tem dúvidas: "Conseguir o mesmo hoje significaria reabrir os tratados, com uma ratificação por todos os parlamentos nacionais (e, quem sabe, um referendo na Irlanda!) Isto demora meses ou anos. [...] O problema é que as hipóteses de sucesso desta abordagem são reduzidíssimas?" Embora respeitável, esta posição jurídica não é a única possível.

Segundo Marijn van der Sluis, doutorando no Instituto Universitário Europeu em Florença, é juridicamente defensável procurar obter a derrogação atribuída ao Reino Unido e à Dinamarca mediante uma decisão do Conselho que, retroactivamente, anule a decisão inicial de adopção do euro ("How to exit the Eurozone", http://acelg.blogactive.eu.). O fundamento jurídico da competência do Conselho para tomar uma tal decisão residiria no n.º 1 do artigo 352º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que lhe permite tomar as decisões necessárias "para atingir um dos objectivos estabelecidos pelos tratados". Ora no artigo 3º o Tratado da União Europeia estabelece: "1. A União tem por objectivo promover a paz, os seus valores e o bem-estar dos seus povos. 3. [...] A União promove a coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os estados-membros [...]".

Assim sendo, um governo decidido a reivindicar a derrogação da moeda única deverá invocar o grave dano ao bem--estar do seu povo, a repercussão negativa de tal dano sobre o bem-estar dos restantes povos da UE e a contradição com os objectivos centrais da UE que resultam da sua participação na zona euro. Perante a evidência do fracasso da política de austeridade, uma estratégia jurídica desta natureza oferece alguma esperança aos que imaginam ser possível um divórcio amigável na zona euro.

Evidentemente, uma derrogação do euro por esta via seria difícil de conquistar porque, além de exigir o prévio consentimento do Parlamento Europeu, encontraria no seio do Conselho resistências à sua aprovação. Ainda assim, o caminho seria mais fácil que o referido por Rui Tavares, já que não passaria pelo parlamento de outros países e, convém não esquecer, seria bem visto por muitos alemães, que não só rejeitam uma UE de transferências mas também consideram indispensável libertar da zona euro os países que nunca aí deveriam ter entrado.

Ou seja, do ponto de vista jurídico é possível sair do euro sem sair da UE e, tudo o mais constante, a probabilidade de este resultado negocial não será tão reduzida como Rui Tavares sugere. Afinal também parecia juridicamente impossível que o BCE pudesse ajudar os estados-membros ou que um destes pudesse impedir a livre circulação de capitais (Chipre) e, no entanto, tudo isso tem tido cobertura jurídica, ainda que de duvidosa legalidade (ver Frédéric Lordon, "Cette Europe-là est irréparable").

Outra coisa é saber se é realista admitir que um governo determinado a salvar o país da miséria poderá abrir negociações para sair do euro sem ficar sujeito a uma corrida aos bancos e sem lançar o pânico nos mercados financeiros. Tendo em conta a degradação financeira, social e política entretanto ocorrida, o novo governo teria de instituir sem pré-aviso um controlo dos movimentos de capitais semelhante ao de Chipre, logo após a tomada de posse. As negociações deveriam incidir também nas cláusulas que bloqueiam a política industrial e a política comercial externa, e sobretudo permitiriam ganhar tempo para preparar a introdução da nova moeda. Entretanto, a UE será varrida por um vendaval financeiro e político de tal força que a questão em título perderá a relevância que hoje ainda tem.

(O meu artigo no jornal i)

2 comentários:

Unknown disse...

Prof. Bateira, foi um prazer e foi enriquecedor ouvi-lo ontem no Pragal. E apesar de me ter dirigido à mesa mais no sentido de tentar pôr em causa o argumento fundamentalista do europeismo na vida quotidiana que cega em muito as nossas elites polítcas e que não encontra eco na identidade colectiva.

A minha percepção é que todos um pouco da direita à esquerda transversando por muitos sectores da sociedade têm a ideia concreta que o euro como hoje existe não terá possibilidade de continuar a existir. Contudo parece evidente que poucos querem que esse forum de encontros de mutuo interesse que é a UE não corra o perdigo de se disolver. Com livrar a UE do embrólio do euro? Eu creio que uma solução negociada é possível. Porque os vizinhos do norte percisam de uma imagem de saida ordenada de sucesso para desmantelar o euro enquanto moeda de pagamento físico, e nesse processo salvar a UE.
E Portugal terá muito mais facilidade de negociar esse programa que a Grécia, pois todos temem o temperamento grego.

Como lhe respondi ainda no jornal Ionline (não sei se lê os comentários que ai lhe fizeram) existe ainda a possibilidade de iniciar um processo de saída da UE com 2 anos e ao final de 2 anos não sair. Mas nesses 2 anos seriam o tempo que Portugal com quase todos os instrumentos de soberania convencional teria para colocar a casa em ordem.

Francisco Napoleão

R.B. NorTør disse...

O pressuposto que o Conselho tem em consideração os princípios fundadores da UE só pode ser tido por um comediante ou alguém que tenha chegado de Marte e perdido os últimos cinco anos na Europa.

Não é em vão que todas as propostas que poderiam ter evitado a escalada da crise do Euro esbarraram no Conselho e na sua necessidade de unanimismo. De todas as instituições, nenhuma é tão adversa aos princípios fundadores como o Conselho e a primeira alteração aos tratados que deveria ser feita era a de acabar com o Conselho, ou pelo menos torná-lo um órgão puramente consultivo. Até lá, bem podem os doutorados perorar sobre o que se pode ou não fazer que a realidade teimará em se mostrar contrária...