quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Para grandes males grandes remédios


Hoje, muitos milhares de portugueses interrogam-se sobre a viabilidade de um novo caminho para o país, sendo precisamente essa a ordem de trabalhos do Congresso Democrático das Alternativas que se realiza em Lisboa, a 5 de Outubro. Para iniciar a construção de uma alternativa credível, os cidadãos que aí se vão reunir precisam de chegar a conclusões consistentes e formuladas sem subterfúgios. Por exemplo, não podem esquecer que, embora colocada em segundo plano nos debates públicos, a dívida externa privada é de facto o maior problema do país. Por isso, a denúncia do memorando e o processo negocial com a UE que tal decisão possa desencadear devem ser norteados por um objectivo que enquadre e dê racionalidade a uma reestruturação da dívida pública que já hoje é inevitável.

A mobilização do país não se fará pelo “não podemos pagar, não pagamos”. O país mobilizar-se-á para uma alternativa se lhe for apresentada uma estratégia de desenvolvimento que, a prazo, resolva o nosso problema de persistente défice externo. A via alternativa vai ter de ser justificada de forma positiva, ancorada num horizonte de desenvolvimento, explícita quanto à determinação em ir até às últimas consequências em caso de recusa da UE. O povo não se mobiliza com meias verdades e, por isso, também vai ser preciso dizer-lhe que muito provavelmente haverá que fazer uma escolha crucial: ou a submissão à matriz ordoliberal da UE e o subdesenvolvimento como destino, ou a recuperação da soberania monetária e da autonomia na política económica do país. O drama que vivemos exige coragem política.

(Excerto do meu artigo no jornal i; o último parágrafo não está na versão electrónica)

7 comentários:

Diogo disse...

«A mobilização do país não se fará pelo “não podemos pagar, não pagamos”»


Há uns anos, começámos a ouvir falar do volume excessivo da dívida pública (que hoje rondará os 124% do PIB) e disseram-nos que precisávamos de a pagar urgentemente. Devíamos dinheiro a bancos estrangeiros e, como precisávamos de pedir mais dinheiro para as despesas correntes, não podíamos correr o risco de falhar uma prestação dos empréstimos anteriores. Tínhamos vivido acima das nossas possibilidades, disseram-nos.

Mas que dívida é esta? Para começar, quanto devemos exactamente e a quem? Alguém já viu a lista das dívidas? Quem a certificou? Quem a auditou? Quem são os credores? E devemos de quê? O que comprámos? O que pedimos emprestado? Em que condições? Quando? Quem pediu? Quem recebeu? Onde e quando? Para onde entrou o dinheiro? Para que serviu? Ainda podemos questionar se o dinheiro foi bem gasto ou não. Se serviu principalmente para encher os bolsos das empresas das PPP, da Soares da Costa, da Mota-Engil, do grupo Espírito Santo, do grupo José-Mello, se serviu para fazer estádios ou se serviu algum objectivo social meritório, mas antes disso eu gostava de saber se devemos mesmo, a quem, quanto e porquê. E não sei.

simon disse...

E eu tenho o de Camilo Lourenço, que, afora banqueiros, governo e o mesmo camilo lourenço, é bom de ver, há gente a mais, que só atrasa e consome, neste país e no mundo. E isso até o nosso primeiro ministro, até o relvas sem estudos enxerga, como o mesmo ministro da finanças.

Anónimo disse...

Só não percebo o que é que o gráfico tem que ver com o texto. Já agora, seria útil que o gráfico fosse prolongado até à atualidade.

menvp disse...

'EQUILIBRAR A COISA'
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-> Taxar os investidores... vai prejudicar o crescimento da economia...
-> Taxar os consumidores (em particular, os trabalhadores por conta de outrém)... vai provocar uma diminuição no consumo... logo... vai prejudicar o crescimento da economia...
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-> Face à existência duma dívida para pagar... deve-se 'EQUILIBRAR A COISA':
- taxar consumidores...
- e também taxar investidores: um exemplo, uma taxa sobre transacções financeiras em bolsa (vulgo Taxa Tobin).

Ricardo Reis disse...

Parece tudo muito nobre, mas ainda não vi os autores deste blogue quantificar a perda de poder de compra que resultaria da saída do Euro, além de todas as outras consequências de tal decisão, como a quantidade de empresas que deixariam de conseguir pagar as suas dívidas e iriam à falência, a quantidade de empresas que não conseguiriam importar matéria-prima ou qualquer outro bem que necessitassem, o aumento de desemprego resultante, onde é que o Estado e as empresas se iriam financiar, etc.

Falou-se muito das alterações na TSU como uma autêntica experiência social (e eu concordo) mas não me parece que chegue aos calcanhares de uma saída do Euro. Se não se pode estar com meias verdades, então convém que os defensores da saída do Euro revelem todas as consequências negativas, certas e potenciais, que tal decisão acarretaria.

Jorge Bateira disse...

Caro Ricardo Reis,

As consequências de uma eventual saída do euro estão identificadas e ponderadas. Veja o meu contributo para o Congresso (https://docs.google.com/file/d/0B00H3y0k3iMSbVpraktwT2hocjg/edit) Mas não podem nunca ser quantificadas porque fazer economia política não é trabalhar com bola de cristal. Para isso temos os economistas-econometristas e sabemos a qualidade do que produzem.
Entretanto, recordo a todos os que rejeitam à priori a saída do euro que, ao fazê-lo, estão a optar pela continuação desta política desastrosa. Estão a optar pelo encerramento de empresas aos milhares e pelo vertiginoso aumento do desemprego. Quem recusa a saída do euro como posição de princípio é que tem de vir justificar-se e dizer que tem uma alternativa de desenvolvimento do país dentro da moeda única, sem política orçamental, sem política cambial, sem política industrial, etc.
Quem fica à espera da «Europa das transferências», e ainda acredita que pode negociar com a Alemanha uma outra política, na prática põe acima do sofrimento de milhões de portugueses a fidelidade ao euroliberalismo.
Quem está preparado para denunciar o memorando está preparado para exigir políticas favoráveis ao desenvolvimento do país e, em caso de recusa, recuperar a soberania sobre a moeda. É este o desafio que temos pela frente nos próximos meses.

Ricardo Reis disse...

Caro Jorge Bateira,

Antes de mais, agradeço sinceramente a resposta ao meu comentário, algo que não acontece com muita frequências neste blog.

Irei ler o seu contributo assim que tiver tempo, mas permita-me que responda a algumas questões que levantou. Penso que rejeitar a priori toa a utilidade da econometria por causa da baixa qualidade dos modelos econométricos neoclássicos é exagerado. Há modelos econométricos keynesianos e heterodoxos que talvez sejam melhores a prever a evolução das variáveis em estudo. É uma questão de aplicar os modelos a dados históricos e ver qual tem o menor erro. E acho que para responder às minhas questões não seria preciso recorrer a modelos macroeconómicos complexos e com muitos pressupostos duvidosos, uma vez que não estamos a tentar prever os valores de variáveis macroeconómicas. Bastaria calcular a taxa de câmbio do novo estudo face ao euro, pegar nas despesas, receitas e dívidas das empresas, e ver quantas não teriam dinheiro para pagar as suas obrigações denominadas em euros. A questão de onde é que o Estado e as empresas se iriam financiar nem precisa de modelos para ser respondida.

Em segundo lugar, parece-me falacioso acusar os que rejeitam a saída do euro de advogar a continuação da política de austeridade. Eu sou totalmente contra a política de austeridade, pois considero-a contraproducente e até imoral, mas penso que a mudança se deve fazer através da negociação dos países em dificuldades com as entidades da troika, maximizando o poder negocial desses países. A meu ver, um país sair do Euro nesta altura é como um país ser comunista num mundo capitalista - as intenções até podem ser boas, mas a prática será desastrosa.

Por último, a minha oposição à saída do Euro baseia-se precisamente na ideia de evitar o sofrimento de milhões de portugueses a curto prazo, para obter "políticas favoráveis ao desenvolvimento" no médio/longo prazo.